Muito tem se falado sobre guerra entre facções como o PCV, TCP e outros termos relacionados à violência entre grupos rivais do tráfico de drogas. Mas você sabe o que essas siglas significam aqui no Espírito Santo, como surgiram e de onde vieram?
O Primeiro Comando de Vitória (PCV) é considerado pela polícia o maior grupo criminoso atuante no Espírito Santo. Apesar de ter a sede no Bairro da Penha e Bonfim, em Vitória, a facção se expandiu por todo o Estado. Em um relatório da Polícia Civil a que A Gazeta teve acesso no ano passado, a informação era de que a organização dominava 53 localidades do Norte ao Sul capixaba, até o fim de 2021.
O surgimento do PCV se deu a partir do contato de Carlos Alberto Furtado da Silva, conhecido como Beto, em uma passagem pelo sistema penitenciário federal, com membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.
"Quando Beto foi para um presídio federal, teve contato com membros do PCC e eles fizeram um estatuto bem parecido com o da facção paulista. Depois, viraram aliados do Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, o que é uma ironia, mas enfim", disse o delegado Romualdo Gianordoli, superintendente de Polícia Especializada (SPE), em entrevista à reportagem de A Gazeta — a ironia é porque PCC e CV são rivais.
Os fundadores do PCV, hoje membros do chamado "conselho da facção" estão presos. Mas isso não impede que eles mandem: de dentro da cadeia, nada passa sem o aval do núcleo. São eles:
Beto está em uma penitenciária federal no Norte do país. Preso, ele conta com o braço direito Fernando Moraes Pereira Pimenta, o Marujo. Considerado pela Polícia Civil o chefe “in loco” do PCV, Marujo comanda o tráfico de drogas do Bairro da Penha e Bonfim, na Capital, e responde diretamente à cúpula da liderança da facção que domina a região e se estende a vários bairros — não só na Grande Vitória como no interior do Estado.
Quem passa as informações da cúpula para fora são advogados ligados à facção, muitos já presos em operações orquestradas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
Criado em 2010 dentro da Penitenciária de Segurança Máxima II de Viana, o estatuto do PCV é um documento que dita as regras da facção. Como dito anteriormente, ele foi inspirado nos moldes do PCC, de São Paulo. Conforme o delegado Romualdo Gianordoli, apesar de ser inspirado na facção paulista, o PCV, na verdade, é ligado ao CV, do Rio de Janeiro, rival do PCC.
Outro ponto importante observado no relatório da Polícia Civil a que A Gazeta teve acesso, no ano passado, é que o PCV, além da ligação com o CV, também detém proximidade com o Terceiro Comando Puro (TCP), do Rio de Janeiro.
Apesar de essas duas organizações serem inimigas entre si (CV e TCP), é com elas que o PCV adquire armas, drogas e ainda consegue esconderijos para os integrantes, incluindo Marujo. Há evidências, conforme o relatório aponta, que o CV não teria gostado de saber que o PCV possui laços com TCP.
Segundo o delegado Romualdo, falar do TCP é mais complexo: isso porque o grupo não é tão organizado. "O Morro da Garrafa, na Enseada do Suá, é do TCP, por exemplo, mas eram todos aliados ao PCV. O que a gente observa é que as alianças regionais sempre foram mais importantes do que essa coisa de facção de fora do Estado. Lá no Rio de Janeiro o TCP também foi muito mais desorganizado que o CV, mas aqui é uma coisa sem precedentes."
O delegado destacou que, aqui no Estado, não há um grupo que se intitule a cúpula do TCP, por exemplo, e também não há estatuto ou contribuições para a "caixinha" da organização. Por isso, ele não considera o TCP uma facção de fato: para ele, só quem tem esses "requisitos" é o PCV.
Atualmente, TCP e PCV estão se enfrentando. De acordo com o coronel Douglas Caus, comandante-geral da Polícia Militar, o TCP seria liderado pela figura de Luan Gomes Faria, o Kamu, conhecido como "Luan Vera".
Pablo Lira é professor do Mestrado de Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV) e membro pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ele estuda o processo de expansão das facções no Brasil. Segundo o especialista, as organizações criminosas passaram a atuar de maneira mais intensa no país, para além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, a partir de 2007.
"Aqui no Espírito Santo elas passaram a atuar com maior intensidade depois de 2017 [quando houve a greve da PM], com maior nível de audácia. Tanto que os casos na Avenida Leitão da Silva [tiroteios, protestos e ataques] começaram de 2017 para cá, não são de agora", detalhou.
A visão de Fábio Almeida Pedroto, pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos (Nevi/Ufes), é outra. Ele questiona a existência de facções criminosas no Espírito Santo.
"O que temos são jovens pretos, periféricos e pobres que se agrupam em gangues e encontram na venda de drogas um caminho ilícito para suas realizações pessoais, e que por motivos históricos, políticos, culturais e raciais, o sistema penal decidiu criminalizar essa parcela populacional, tentando sempre categorizar esses jovens como pessoas perigosíssimas. Como então é feito esse enfrentamento? Criando uma mitologia, que é uma facção criminosa na vida desses jovens, mas eles não sabem sequer o que é isso. Essa categorização como faccionados permite uma intervenção eminentemente bélica nas comunidades, na perspectiva de combate a inimigos em uma guerra às drogas, negando às pessoas que violam as leis os direitos constitucionais que precisam ser garantidos", disse Pedroto.
Para o especialista, que também já foi policial militar e agente penitenciário no Rio de Janeiro, há algumas dificuldades em considerar algumas gangues capixabas como facções. Segundo ele, nem mesmo o denominado PCV teria organização suficiente para ser considerada uma facção.
"Não há organização definida, não há divisão de tarefas hierarquizadas, não há lavagem de capitais, gestão de fluxo financeiro, não há movimentações internacionalizadas no sistema bancário. Os verdadeiros traficantes não são alcançados pelo sistema penal, pois estão no mercado financeiro. As chamadas facções do Espírito Santo são entes imaginários, utilizados como elementos de empoderamento na perspectiva desses meninos, que as utilizam como uma grife, habilitando suas interações sociais", ponderou.
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