A Polícia Civil indiciou três pessoas da mesma família pelos crimes de maus-tratos a animais e estelionato, nesta quarta-feira (24), após a conclusão do inquérito que investigou o caso dos animais encontrados mortos e maltratados, dentro de um apartamento, localizado no Centro de Vila Velha, em janeiro. O delegado Eduardo Passamani, da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), pediu a prisão de Lívia Guimarães, Bianca Guimarães Barcellos e José Délio Barcellos Netto.
As investigações foram conduzidas em conjunto com a CPI dos maus-tratos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). O inquérito foi finalizado e enviado ao Ministério Público Estadual, junto com um pedido de prisão dos três membros da família. Eles foram indiciados por maus-tratos, pena que varia de dois a cinco anos de prisão, e estelionato, que pode levar de um a cinco anos de prisão.
"A soma dos elementos nos levou à conclusão desse inquérito e encaminhamos para análise do Ministério Público, pra que eles analisassem as provas que foram coletadas até o momento. Indiciamos os três, tanto a dona do apartamento quanto os pais, pelos crimes de estelionato e maus-tratos, com relação àqueles animais. Eles podem ter camuflado as informações, podem estar atrapalhando a Justiça, podem estar coagindo testemunhas, então nós também representamos pela prisão dos três. Isso agora está em análise do Ministério Público e do judiciário, que vai definir o destino do caso", disse o delegado.
Segundo Passamani, as investigações apontaram que a ação da família se tratava de um esquema criminoso, já que o dinheiro arrecadado com doações e campanhas nas redes sociais não era utilizado para tratar os animais. Além disso, o delegado ressaltou que os animais eram levados para o apartamento em Vila Velha para morrer, e a quantidade de lixo retirada pela família pode justificar a hipótese levantada pela polícia.
"A gente começou a perceber que, desde 2019, havia reclamação de mau cheiro, de que os animais poderiam estar confinados pelos proprietários dentro do apartamento, o que levou a crer que poderia haver um esquema criminoso. Existem informações de que eles retiravam grande quantidade de lixo do apartamento, o que pode indicar que são animais que já vinham morrendo com o tempo", detalhou.
O delegado afirmou que José Délio pode ter ameaçado pessoas para impedir denúncias. Segundo Passamani, as ameaças eram feitas na internet e chegaram até a ser direcionadas também a outras pessoas que recolhiam animais, principalmente por meio de publicações de fotos portando armas, mas também de forma direta às testemunhas.
"Várias testemunhas que chegaram até a gente não queriam depor oficialmente, porque estavam com medo. E aí começaram a trazer alguns elementos que a gente conseguiu também colher na internet de que eles postavam fotos armados, eles faziam ameaças na internet a protetores de animais que faziam o recolhimento na mesma área que eles. Então isso demandou a primeira ação, que foi a interdição do abrigo e o recolhimento dos animais", contou.
A deputada Janete de Sá, relatora da CPI dos maus-tratos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), também reiterou que as investigações apontam para a existência de um esquema criminoso, já que os três se aproveitavam da situação de fragilidade dos animais para arrecadar fundos que, por sua vez, eram utilizados em benefício próprio. Isso, segundo a deputada, configura o crime de estelionato.
"Ficou claro que existia um esquema criminoso promovido pelo José Délio e por Bianca Guimarães e que esse esquema tinha o objetivo de comover a sociedade para arrecadação de recursos para benefícios pessoais, e não para a causa coletiva, como era falado nas redes sociais. Isso fez com que a CPI observasse que, além do crime de maus-tratos, existe o crime de estelionato, porque o uso do recurso que era destinado para proteção animal em benefício próprio, foi inclusive declarado por uma das depoentes que era para uso de drogas, que ela gastou todos esses recursos com uso de drogas, festas, nessa natureza", disse.
Para conseguir comover a população a ajudar na suposta causa humanitária, segundo a deputada, alguns animais de fato recebiam cuidados, para camuflar o esquema criminoso. Janete de Sá explicou que alguns bichos estavam em lares temporários e eram cuidados por pessoas atuantes da causa animal que, como disse a deputada, acreditavam no que Lívia, José e Bianca falavam. A investigação aponta, porém, que o apartamento em Vila Velha era uma espécie de "local de desova", segundo a deputada.
"Acredito que alguns recebiam cuidados, porque pra fazer um esquema desse, tem que dar uma roupagem. Alguns animais estavam em lares temporários e eram cuidados por pessoas da causa animal que acreditavam que Lívia, José Délio e Bianca eram da causa animal. Então tinha uma roupagem, mas a maioria dos animais ia para esse apartamento, que, no nosso entendimento e também da polícia, era de desova", completou.
As investigações da CPI e da Polícia Civil apontam também que o dinheiro arrecadado pela família era utilizado para comprar drogas e promover festas. Segundo Janete de Sá, o próprio José Délio afirmou, em depoimento à polícia, que era usuário de drogas, mas que estaria sóbrio. De acordo com a deputada, porém, vários pinos de cocaína foram encontrados durante as buscas no abrigo da Serra, o que contradiz a versão do indiciado.
"No início, acredito até que eles deveriam trabalhar um pouco mais no sentido de trazer um bem-estar pro animal, mas viram que era fácil arrecadar recursos das pessoas, eles exploravam os animais que estavam em piores condições para comover as pessoas que doavam, e começaram a se aproveitar. O José Délio, em depoimento, declarou que era viciado em drogas e estaria limpo, o que a gente não acredita, pelo número de pinos de cocaína que achamos no quintal", declarou.
O dinheiro arrecadado pelas vaquinhas da família ainda não foi totalmente contabilizado. A polícia e a CPI possuem apenas o registro da última ação, que angariou cerca de R$ 25 mil, dinheiro que deveria ser utilizado na compra de um terreno para o abrigo, mas que teve destinação pessoal.
"Pelo menos cerca de R$ 25 mil reais, que são as cifras arrecadadas na última vaquinha pra aquisição de um terreno onde fica o abrigo Au Au Carente, nós temos esses números. Mas a CPI está pedindo quebra de sigilo bancário fiscal e isso poderá ser melhor identificado após a gente conseguir juntar as peças do inquérito policial, que vai redundar em um processo judicial, mas o valor pode ser muito maior", disse.
A Guarda Municipal de Vila Velha foi acionada por moradores no dia 8 de janeiro, após a vizinhança estranhar o forte odor dentro de um apartamento, localizado no segundo andar de um prédio residencial na Rua Sete de Setembro, no Centro. Dentro do imóvel havia vários animais mortos e maltratados, que estavam completamente abandonados há, pelo menos, duas semanas.
A descoberta do crime começou por volta das 16h20. O cheiro era tamanho que ultrapassou a barreira formada pelas duas portas de entrada trancadas e lacradas com fita adesiva nas extremidades.
Vídeos e fotografias feitas no apartamento revelam o cenário desolador: o chão estava repleto de fezes dos animais e restos de jornais molhados com a urina deles; os cestos de lixo estavam revirados e espalhados; as bacias que deveriam estar com água, totalmente secas. Sem contar os restos mortais.
"Eu nem consegui entrar no local. Nenhum dos nossos agentes tinha encontrado uma situação semelhante a essa antes. Eles se sentiram impotentes e completamente desolados com a crueldade praticada ali e com todo o cenário", comentou Rusley Medeiros.
Segundo ele, pode ser até que mais animais tenham morrido e que, pelo estado de decomposição, não puderam ser identificados e contabilizados. "A equipe chegou, mais ou menos, neste quantitativo de onze animais mortos, pelo o que foi visto, mas não dá para ter certeza", admitiu.
Equipes da Secretaria do Meio Ambiente de Vila Velha também estiveram no local e constataram que todos os cachorros e gatos perderam a vida em decorrência da falta de água e de comida. Ainda de acordo com a inspetoria, os animais estariam mortos há 15 dias, no mínimo.
A dona do apartamento onde os animais maltratados foram encontrados é uma jovem de 22 anos. Ela também teria utilizado R$ 15 mil, adquiridos em uma vaquinha virtual - destinada aos cuidados com animais resgatados -, para comprar drogas.
Durante as investigações, um abrigo mantido pela família da jovem foi interditado, na Serra. O local onde os animais estavam aparentava pouca salubridade, mas os cães não apresentavam sinais de maus-tratos. Os animais - 34 cachorros - foram recolhidos.
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