Além dos desafios profissionais que o tenente Adriano Farias encarou na última sexta-feira (25), quando alunos e professores morreram após um ataque a tiros em Aracruz, ele teve que lidar com outro susto: o fato de que o filho, um adolescente de 16 anos, por pouco não foi baleado em uma das escolas envolvidas na tragédia. "Quando ele me ligou, contando, eu até pensei que fosse um equívoco. Mas era real. Ele disse: 'não, pai, atiraram do lado da minha sala'", relembra.
O atentado deixou marcas em 16 vítimas, sendo que quatro delas morreram: três professoras e uma adolescente de 12 anos. Cinco pessoas seguem internadas com ferimentos em decorrência do ataque. O assassino foi identificado como um ex-aluno da escola estadual, de 16 anos de idade. Ele planejava o crime havia pelo menos dois anos, mas a motivação ainda é desconhecida.
Comandante da 3ª Companhia do 5º Batalhão de Aracruz, o militar conta que soube da tragédia após receber a ligação de um dos profissionais da Escola Estadual Primo Bitti. "Ele foi uma das vítimas, estava na sala dos professores quando tudo aconteceu. Pelo fato da gente ter o costume de se reunir nas escolas, já tinha o meu celular pessoal, então ligou e passou o fato", detalha.
Menos de cinco minutos depois, enquanto recebia as primeiras informações do ataque e traçava os planos de ação da Polícia Militar, ele foi surpreendido por uma chamada do filho. O adolescente estuda na segunda escola atacada, o Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC).
"Até pensei que seria um equívoco, porque sempre que há uma ocorrência, a notícia acaba se espalhando. O pessoal acaba reverberando pelas redes sociais. Eu cheguei a falar 'não, filho, o problema é na Primo Bitti. Já mandei viatura e estou indo para lá também'. E ele continuou dizendo 'eu escutei os tiros, foi aqui do lado da minha sala'. Perguntei onde ele estava, se estava em segurança, mas já tinha saído por uma rota de emergência que tem na lateral da escola", afirma.
Diante da situação, o tenente Farias acabou se deslocando para o CEPC, junto com um reforço policial: "Chegando lá, me deparei com aquele cenário de guerra. Já me deparei com muitas ocorrências violentas, mas se tratando de crianças, tendo o meu filho no meio daquela situação, a gente fica com o coração apertado. Existe o lado emocional, só que, na hora, tivemos que agir com a razão".
De acordo com o tenente, ele ajudou no resgate dos dois menores de idade que foram atingidos por tiros na escola particular. Baleada na cabeça, Thais Pessotti da Silva, de 14 anos, atualmente está internada em um quadro estável. Já o menino de 11 anos, que também está no hospital, foi liberado para fazer "leves caminhadas" pelo setor semi-intensivo nessa quarta-feira (30).
"Como tivemos mais vítimas no Primo Bitti, a maioria dos nossos recursos foi destinada para lá. Então tomamos a iniciativa de prestar os primeiros socorros na viatura mesmo. Eu e minha equipe carregamos o menino de 11 anos nos braço e colocamos ele no carro. No início, ele estava consciente, mas foi perdendo a força. Queríamos acalmá-lo para manter os sinais vitais".
O resgate da adolescente de 14 anos também seria feito por veículos de moradores da região, mas uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) conseguiu chegar a tempo de prestar o socorro.
Houve ainda a tentativa de salvar a vida da pequena Selena Sagrillo Zuccolotto, de 12 anos, mas ela não resistiu aos ferimentos e faleceu no local. "A sala do meu filho ficava à direita da dela. Ele narrou muito sobre como era o convívio com a Selena. Apesar dos dois não serem da mesma turma, gostava dela, brincava com ela", detalha Farias.
Foi o tenente Adriano, inclusive, que efetuou a apreensão do atirador no mesmo dia dos ataques. Com o apoio de policiais até de outras cidades, como Viana e Vila Velha, ele conseguiu chegar até a casa do suspeito, também em Aracruz. A família do adolescente tinha um segundo imóvel na região, onde foram encontrados.
"Inicialmente, ele negou, mas em frente aos indicios que eu já tinha recebido, as imagens do veículo, começamos a pressioná-lo. Falamos que faríamos o exame de resíduos nas mãos deles, que iríamos apreender as armas e fazer a balística, e ele acabou confessando", salienta.
"Meu filho está bastante assustado, mas também se mostra orgulhoso pelo fato de termos capturado o suspeito. É uma mistura de sentimentos. Na hora, eu não pude nem dar um abraço nele. Só o abracei depois. Mas ele está bem, assimilando devagar as coisas. Em 25 anos de carreira, eu nunca imaginei vivenciar algo do que vivemos", completa.
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