Há um ano, a pastora Juliana Pereira Salles Alves viu sua vida desmoronar. Casada com um influente líder religioso e mãe de três meninos, em abril do ano passado ela perdeu dois filhos, mortos em um incêndio, e teve o marido preso, suspeito pelo crime. Acusada de conduta omissiva nas mortes das crianças, chegou a ser presa duas vezes. Agora, ela aguarda por sua sentença reclusa na casa de familiares, em um bairro de Linhares, região Norte do Estado.
A morte dos irmãos Kauã e Joaquim completa um ano no próximo domingo (21). Desde o início desta quarta-feira (17), o Gazeta Online começou a publicar uma série de reportagens sobre o caso, que vão ser publicadas até o dia que marca a tragédia.
Fontes ligadas à família contam que Juliana evita sair de casa com medo da reação das pessoas. Nas poucas vezes que sai, ela entra rapidamente em um carro, sem falar com ninguém na rua. Ela só é vista em público nos dias de audiência sobre os filhos dela, Kauã Salles Butkovsky, de 6 anos, e Joaquim Salles Alves, de 3 anos, quando vai ao Fórum de Linhares como ré do processo.
Apesar de ser muito religiosa e de ter liderado o templo da Igreja Batista Vida e Paz (IBVP), em Linhares, ao lado do marido Georgeval Alves Gonçalves, conhecido como pastor George, Juliana não frequenta mais os cultos. Ela também não participa mais de reuniões religiosas promovidas pela igreja. Às vezes, vizinhos escutam quando a pastora canta louvores.
A movimentação na casa onde a mãe de Kauã e Joaquim vive não é grande. As fontes ouvidas pela reportagem disseram que ela costuma receber apenas as visitas de parentes. Os fiéis da igreja não são vistos no local.
> As últimas 48h de Kauã e Joaquim
Ainda segundo as fontes, Juliana convive com o filho caçula, que hoje tem 2 anos. Ela ajuda nos cuidados do menino em casa, mas não vai à rua com ele nem para levá-lo à escola.
Nossa reportagem esteve na casa onde Juliana vive. No entanto, ela não quis dar entrevista e não nos recebeu. Da calçada, era possível ouvir a pastora conversando com familiares.
PRISÕES
Após as mortes dos dois filhos e a prisão do marido, Juliana passou a ser atacada nas redes sociais e decidiu apagar seu perfil no Facebook. Impedida de sair de casa por ser hostilizada nas ruas, ela mudou-se para Teófilo Otoni, em Minas Gerais, e passou a morar na casa de um dos pastores líderes da IBVP. Na cidade mineira, ela foi presa pela primeira vez, em 19 de junho do ano passado.
A pastora foi denunciada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por conduta omissiva nas mortes de Kauã e Joaquim. Para o órgão, ela sabia dos riscos de deixar aos filhos sozinhos com George e, mesmo assim, viajou para um congresso de dança profética da igreja em Minas Gerais e não levou as crianças apenas o mais novo, que tinha 1 ano e era amamentado.
> O que aconteceu com a casa onde irmãos fora mortos
Quando conseguiu um alvará de soltura em 7 de novembro, a ex-líder religiosa continuou na casa de pastores em Teófilo Otoni, onde foi presa mais uma vez uma semana depois.
TERMO DE COMPROMISSO
Quando foi solta pela última vez, em 31 de janeiro deste ano, Juliana voltou a morar em Linhares. Isso porque ela assinou um Termo de Compromisso na 1ª Vara Criminal da cidade que prevê diversas condições para garantir sua liberdade, como não se ausentar do município sem autorização do juiz.
Entre as regras que precisa seguir, Juliana deve manter o endereço atualizado na Justiça, não frequentar bares, não consumir bebidas alcoólicas, não se aproximar de testemunhas que ainda não foram ouvidas e só pode sair de casa entre 6h e 20h, para estudar e/ou trabalhar. Como não tem emprego e nem estuda, ela passa os dias reclusa.
CASAL DE PASTORES
Os irmãos Kauã e Joaquim morreram no dia 21 de abril do ano passado, uma madrugada de sábado. Acusado de estuprar, agredir e queimar vivos os meninos, George foi preso uma semana depois e está detido no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Viana II, na Grande Vitória, desde 28 de abril do ano passado. Ele é pai de Joaquim e padrasto de Kauã. Juliana não visitou o marido e não se sabe se os dois se comunicam de alguma forma.
No entanto, naquela semana entre as mortes das crianças e a detenção do pastor, o casal permaneceu unido. Como a residência onde a família vivia no Centro de Linhares foi tomada pelo incêndio que vitimou as duas crianças, Juliana, George e o filho mais novo do casal seguiram para um hotel da cidade.
> Madrugada do terror: como os irmãos foram mortos
Naquele sábado à noite, outro pastor ministrou um culto na Igreja Batista Vida e Paz, em homenagem aos meninos mortos. O casal e o filho estiveram presentes.
Depois, a família foi para uma lanchonete do bairro Interlagos com alguns pastores e membros da igreja. Um vídeo obtido com exclusividade pela TV Gazeta Norte na ocasião mostra que eles chegam no estabelecimento por volta das 22h45. George vestia camiseta preta e bermuda verde. De chinelos e com os pés enfaixados, o pastor aparece mancando. Juliana aparece nas imagens com o filho no colo.
No dia 22 de abril, um domingo, o casal tirou uma selfie sorrindo, com o bebê no colo, no elevador do hotel onde estava hospedado. À noite, foi George quem ministrou o culto na igreja. A esposa permaneceu ao seu lado, mas não se manifestou durante o momento religioso.
Na segunda-feira, 23 de abril, George e Juliana viajaram para Vitória para reconhecer os corpos de Kauã e Joaquim. Ao saírem do Departamento Médico Legal (DML) da capital, o casal foi recebido pela imprensa e o pastor deu sua primeira entrevista. De óculos escuros, ele contou detalhes da noite da tragédia. A esposa estava ao seu lado, mas não deu declarações. Outro pastor da igreja estava com o casal na ocasião.
DESESPERO NO ENTERRO
Por conta das perícias e dos exames de DNA para identificar os corpos carbonizados, Kauã e Joaquim só foram enterrados em 10 de maio do ano passado. O sepultamento aconteceu pela manhã, no Cemitério São José, em Linhares. Não houve velório. O carro da funerária chegou ao local por volta de 8h30 e Juliana apareceu meia hora depois. Ampara por familiares e amigos, ela gritou ao ver os caixões dos filhos: "Tá doendo, pai. É verdade isso? Ai, meu Deus do céu".
Agachada ao lado da sepultura dos meninos, a pastora gritou pelo pai e chorou bastante. O avô materno das crianças ajudou a filha a se levantar e a abraçou. Por fim, chorando muito, ela disse: "Não estou acreditando não, pai!"
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta