Após a prisão do falso médico que atuava em São Mateus, Norte do Espírito Santo, uma professora relatou à reportagem de A Gazeta que a filha dela, de 10 anos, morreu pouco tempo depois de receber prescrição médica do homem. “Ele matou a minha filha”, afirma. Leonardo Luz Moreira atuava como médico havia pelo menos três anos, com salários que somam aproximadamente R$ 850 mil, segundo as investigações. A Polícia Federal confirmou que tem conhecimento da morte da menina e utilizou o fato para reforçar a gravidade das condutas do investigado. A mãe procurou a Polícia Civil nesta quinta-feira (19) e fez a denúncia. Nesta sexta-feira (20), a Polícia Civil informou que investiga o caso.
A mãe, a professora Alessandra Ferreira Marcelino conta que a filha, Ana Luisa Ferreira Marcelino da Silva, começou a passar mal por volta das 19h na noite do dia 11 de janeiro, reclamando de dores na barriga e que, após vomitar três vezes, decidiu levar a criança até o Hospital Roberto Silvares, em São Mateus.
“No terceiro episódio dela de vômito, fomos para o hospital. Quando passamos pela triagem, relatei que ela tinha vomitado três vezes, ela recebeu uma pulseirinha laranja e, depois de 20 minutos, ele nos chamou. Na cadeira ele estava e lá ficou. Não colocou a mão na minha filha. Falei que ela estava vomitando e com medo dela desidratar”, conta.
Segundo a mãe, o falso médico disse que o caso se tratava de uma gastroenterite e que não adiantaria medicar a menina, pois a mucosa dela estava irritada. A mulher relata que ainda pediu uma receita médica ao homem e ele teria dito para ela continuar dando o medicamento que usou quando a menina começou a vomitar e que poderia dar até refrigerante, se ela pedisse, para não contrariá-la.
Após receber a prescrição médica do homem, a mãe afirma que ela e a filha foram para a sala de medicação, onde o quadro de saúde da menina começou a piorar.
“Na hora que a enfermeira pulsionou a veia dela, minha filha começou a ficar pálida. Quando começou a aplicar a injeção de medicação, minha filha começou a gritar ‘mamãe, meu coração está doendo’, a enfermeira foi retirando tudo e minha filha começou a convulsionar na minha frente”, relata.
Neste momento, as enfermeiras começaram a tentar reanimar a menina e, segundo a mãe, o médico afirmou que a criança havia "voltado”.
“Ele disse que minha filha era uma leoa, uma guerreira. Menos de cinco minutos depois, ele voltou e disse que ela havia falecido, já nas primeiras horas do dia 12 de janeiro”, explica.
Na tarde desta quinta-feira (19), Alessandra Ferreira Marcelino prestou depoimento na Delegacia de São Mateus. No Boletim Unificado da polícia, obtido por A Gazeta, consta que o suposto médico não examinou a menina, disse que era uma gastroenterite e passou três medicamentos para serem ministrados via endovenosa. E que quando a enfermeira começou a ministrar o primeiro medicamento diretamente na veia, a criança começou a gritar que seu coração estava doendo. A enfermeira então parou de aplicar o medicamento imediatamente e Ana Luisa começou a convulsionar.
Consta no BU que a criança foi levada para a área de emergência pediátrica, e uma técnica de enfermagem tentou ajudar nas convulsões enquanto a mãe gritava por socorro. O suposto médico surgiu e tentou reanimar a menina, afirmou que ela havia "voltado" e que iria na UTI buscar um determinado equipamento. Ao voltar com o equipamento, o médico entrou na sala onde a criança estava e, alguns minutos depois, saiu, dizendo para a mãe que sua filha havia falecido.
Alessandra explica que não quis trazer o caso à tona, na época, porque não queria acusar o falso médico sem ter provas. “Ele deveria ter colocado a minha filha no soro, visto se ela estava desidratada antes de colocar o medicamento na veia… Eu estava sem forças para acusar ele de omissão de socorro”, diz.
Procurada na manhã desta quinta-feira (19), a Polícia Federal afirmou, por meio de nota, que a morte da menina é conhecimento da PF, foi utilizada para reforçar a gravidade das condutas do investigado, mas não é objeto de apuração. Veja na íntegra:
"Esse fato é de conhecimento da PF, foi utilizado para reforçar a gravidade das condutas do investigado, mas não é objeto de apuração de nossa parte."
Leonardo Luz Moreira foi preso na manhã de quarta-feira (18) em São Mateus. As investigações apontam que ele se matriculou em uma faculdade da Bolívia, onde estudou Medicina por seis meses, adulterou os documentos para parecer que já havia cursado quatro anos e pediu transferência para uma instituição brasileira.
O falso médico foi contratado por diversas prefeituras do norte capixaba e pelo governo do Estado. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o homem não era servidor estadual e sim funcionário de uma empresa contratada para a prestação de serviços médicos. As investigações mostram ainda que ele passou a recrutar outras pessoas para fazer o mesmo esquema de falsificação, cobrando uma taxa que podia chegar a RS 40 mil.
Já a Prefeitura de São Mateus afirma que além de atuar no Hospital Estadual Roberto Silvares, o médico trabalhava em uma unidade de saúde do município, tendo apresentado a documentação necessária emitida por uma faculdade da Bahia.
O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) afirmou que Leonardo consta com o registro ativo e regular no órgão e que vai se inteirar dos fatos para colaborar no que for preciso. Veja nota enviada na tarde desta sexta-feira (20):
"O CRM-ES vai abrir processo administrativo para apurar o caso que envolve médico acusado de fraude de documentos pela Polícia Federal. O acusado, como em todos os processos conduzidos pelo Conselho, terá direito a ampla defesa. Denúncias feitas por pacientes, caso o processo administrativo confirme a fraude, devem ser encaminhadas diretamente ao Ministério Público ou à autoridade policial responsável. Sindicâncias e, consequentemente, os processos éticos-profissionais só podem ser abertos contra médicos".
Por meio de nota, a Polícia Civil afirmou na manhã desta sexta-feira (20) que está investigando o caso. Veja a nota na íntegra:
"A Polícia Civil informa que o fato está sendo investigado por meio da Delegacia de Infrações Penais e Outras (DIPO) de São Mateus e, para que a apuração seja preservada, nenhuma outra informação será repassada.
A PCES destaca que a população pode auxiliar na investigação por meio do telefone 181. O Disque-Denúncia é uma ferramenta segura, onde não é necessário se identificar para denunciar. Todas as informações recebidas são investigadas. As informações ao Disque-Denúncia ainda podem ser enviadas por meio do site, onde é possível anexar imagens e vídeos de ações criminosas."
Em nota, a direção do Hospital Estadual Roberto Arnizaut Silvares (HRAS) afirmou que investigará as circunstâncias que levaram ao falecimento da criança, inclusive a regularidade da habilitação do profissional que a atendeu, e remeterá o que for apurado às autoridades para providências cabíveis.
A reportagem ainda tenta contato com a defesa do médico.
Após a publicação das primeiras reportagens sobre a prisão do falso médico em A Gazeta e a veiculação do caso nos telejornais da TV Gazeta Norte, na quarta-feira (18), Alessandra Ferreira Marcelino ligou para a redação da Regional Norte da Rede Gazeta, em Linhares, na manhã de quinta-feira (19).
Pelo telefone, a reportagem ouviu o relato da mãe e colheu as primeiras informações. Ainda na quinta-feira (19), enquanto conversava com A Gazeta, Alessandra foi ao Hospital Roberto Silvares, à Polícia Federal e à Polícia Civil, onde prestou depoimento na tarde do mesmo dia. A reportagem acompanhou todo o processo, através de telefonemas e mensagens trocadas pelo WhatsApp.
A Gazeta teve acesso ao Boletim Unificado, registrado por Alessandra na Delegacia de São Mateus, com o mesmo relato feito à reportagem.
Após a publicação da reportagem, a direção do Hospital Estadual Roberto Arnizaut Silvares (HRAS) afirmou que investigará as circunstâncias que levaram ao falecimento da criança e remeterá o que for apurado às autoridades. O texto foi atualizado.
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