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Migração ilegal: PF investiga emissão de 400 passaportes em Mantenópolis

Migração ilegal: PF investiga emissão de 400 passaportes em Mantenópolis

As solicitações foram feitas por um mesmo escritório de contabilidade e podem ter sido usados para promover a migração ilegal para os Estados Unidos

Publicado em 13 de dezembro de 2021 às 09:54

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Cidade de Mantenópolis
A Polícia Federal investiga a emissão de mais de 400 passaportes em Mantenópolis. (Reprodução/Facebook/Prefeitura de Mantenópolis)

Durante a deflagração da operação que investiga a migração ilegal do Espírito Santo para os Estados Unidos, a Polícia Federal já havia alertado para os altos índices de pessoas que procuram os 'coiotes' - como são chamados os criminosos que promovem na migração ilegal - no Estado. Uma cidade em especial, porém, chamou a atenção da corporação: Mantenópolis.

Com uma população estimada em pouco mais de 15 mil habitantes, o pacato município localizado no Noroeste do Espírito Santo e que faz divisa com o estado de Minas Gerais tem a alcunha de 'Cidade da Paz'. Por trás da tranquilidade de uma cidade do interior, está um esquema de emissão de passaportes em massa para fomentar a migração ilegal. Em um período de dois anos, a Polícia Federal identificou mais de 400 passaportes expedidos.

Uma reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo (12), explicou que todas as mais de 400 solicitações do documento vinham de um mesmo escritório de contabilidade, localizado em Mantenópolis. A polícia acredita, porém, que este número pode ser muito maior.

Isso, porque, a Polícia Federal acredita que essas solicitações tenham sido feitas para pessoas que não possuíam condições de acesso a um computador para enviar o e-mail de pedido do passaporte, que é o procedimento para requerer o documento. As investigações apontam que o número real de solicitações de expedição de passaportes em Mantenópolis pode ser dez vezes maior.

Morador de Mantenópolis, Miredo Lopes comentou, em entrevista à reportagem do Fantástico, que procurou a migração para os Estados Unidos por intermédio de um conhecido do pai dele. Ele não conseguiu entrar no país e acabou deportado de volta para o Brasil. Segundo Miredo, a entrada é mais fácil com crianças.

"Eu corri atrás de um conhecido do meu pai. Eu fui para Vitória e, de Vitória, fui para São Paulo. Depois, viajei para o México. Eu fui sozinho. Quem vai com criança, passa", disse.

PF INVESTIGA ALUGUEL DE CRIANÇAS POR "FALSAS FAMÍLIAS"

A regulamentação norte americana aponta que famílias com mulheres grávidas ou acompanhadas de menores de idade, que tentem entrar ilegalmente nos Estados Unidos, respondam pelo processo de deportação em liberdade no território do país americano. Uma das táticas da quadrilha que promove a migração ilegal para garantir a permanência dos migrantes, portanto, é o chamado "cai-cai".

Os migrantes que cruzam a fronteira com crianças se entregam propositalmente para a polícia estadunidense, para poderem permanecer no país. Em entrevista ao Fantástico, o superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, Eugênio Ricas, explicou o esquema de aluguel de crianças para formar falsas famílias.

"Houve uma mudança na política migratória americana que passou a proibir a separação das famílias. Isso fez com que esses coiotes começassem a formar famílias falsas, falsificando documentos, criando novas famílias. Muitas vezes com crianças que não pertenciam àqueles pais, que eram alugadas", resumiu.

Eugênio Ricas
Eugênio Ricas, delegado federal superintendente da Polícia Federal no ES, explicou o esquema de "cai-cai". (Carlos Alberto Silva)

Em setembro deste ano, quando a Polícia Federal deflagrou a operação que investiga a migração ilegal do Espírito Santo para os Estados Unidos, a corporação já havia identificado aspectos que comprovavam a estratégia do aluguel de crianças. O delegado Ivo Roberto Costa, que faz parte da equipe de combate ao Crime Organizado da Polícia Federal do Espírito Santo, explicou que os verdadeiros pais das crianças eram pagos e os documentos eram fraudados.

"Os coiotes têm essa informação de que, para famílias, o procedimento legal nos Estados Unidos para deportação é um pouco mais complicado, o que, a princípio, daria a eles uma oportunidade de permanecer em solo americano. Em razão disso, eles tentam criar famílias fraudulentas. Eles emprestam crianças para pessoas que, na verdade, não são os verdadeiros genitores, falsificam a documentação e fazem com que essas pessoas viajem juntas e ingressem em território americano como uma verdadeira família", disse.

Aspas de citação

Se eles conseguirem chegar em território americano, esse suposto pai ou mãe ingressa com essa criança e, depois de algumas semanas, o verdadeiro genitor ou alguém a mando dele viaja até os Estados Unidos e regressa com a criança para território brasileiro

Ivo Roberto da Costa
Delegado de combate ao Crime Organizado da Polícia Federal do Espírito Santo
Aspas de citação

Na operação de setembro, que teve como alvo uma casa no município de Fundão, que era utilizada como ponto de espera, onde as pessoas que entrariam ilegalmente nos EUA esperassem a emissão de documentos e passagens, foram encontrados indícios de que a prática do aluguel de crianças era feita no Espírito Santo. Segundo o delegado Ivo Roberto, no local estavam quatro menores de idade, de 3, 9, 14 e 17 anos.

"De fato, durante as entrevistas realizadas pela equipe da Polícia Federal, um dos adultos colocou em dúvida a paternidade de uma das crianças que constavam na reserva da sua viagem. É um indicativo de que a gente possa estar diante de um desses casos", acrescentou.

A Polícia Federal investiga casos de contrabando de migrantes no Espírito Santo(Divulgação/PF)

Ivo Roberto explicou que a casa estava alugada desde o começo do mês de julho deste ano e que, por isso, mais pessoas podem ter passado pela residência. Ainda conforme o delegado, a Polícia Federal chegou até o local por meio de uma denúncia e encontrou as dez pessoas em condições precárias.

"A Polícia Federal recebeu uma denúncia sobre essa residência que vinha sendo utilizada para abrigar pessoas que viriam ao estado do Espírito Santo aguardar o momento adequado para iniciar sua viagem na tentativa de ingressar ilegalmente nos Estados Unidos. A casa já vinha sendo utilizada por essa organização criminosa há cerca de dois a três meses. Em julho eles iniciaram o contrato de locação e, por lá, passaram pessoas que desejavam realizar essa viagem na tentativa de ingressar ilegalmente nos Estados Unidos", detalhou.

A reportagem do Fantástico conversou com a dona da casa em Fundão. Ela contou que o imóvel foi alugado para Geraldo Couto da Silva, conhecido como “Rei dos Coiotes”, e que não sabia que a residência era utilizada para abrigar pessoas que iriam entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Segundo a mulher, Geraldo disse ter alugado a casa para a família e, por ter visto crianças no local, acreditou no que ele disse.

DUPLA COBRAVA ATÉ 30 MIL DÓLARES PARA MIGRAÇÃO ILEGAL

Geraldo Couto da Silva é um dos dois investigados pela Polícia Federal no esquema de migração ilegal do Espírito Santo para os Estados Unidos. Segundo a polícia, eles chegavam a cobrar 30 mil dólares por pessoa pelos serviços que garantiriam a entrada em solo americano através da fronteira com o México.

Em Fundão, foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão que, segundo a polícia, servirão como provas para a conclusão das investigações. No local, foram encontradas dez pessoas, sendo sete adultos e três crianças, em condições precárias. Eles chegavam a dormir em barracas de acampamento. O delegado Ivo Roberto Costa, da equipe de combate ao Crime Organizado da Polícia Federal do Espírito Santo, explicou que a casa estava alugada pelos criminosos há cerca de 3 meses.

"A Polícia Federal recebeu uma denúncia sobre essa residência que vinha sendo utilizada para abrigar pessoas que viriam ao estado do Espírito Santo aguardar o momento adequado para iniciar sua viagem na tentativa de ingressar ilegalmente nos Estados Unidos. A casa já vinha sendo utilizada por essa organização criminosa há cerca de dois a três meses. Em julho eles iniciaram o contrato de locação e, por lá, passaram pessoas que desejavam realizar essa viagem na tentativa de ingressar ilegalmente nos Estados Unidos", disse o delegado.

Ivo Roberto Costa, delegado regional de Combate ao Crime Organizado da PF, falou sobre a atuação dos coiotes
Ivo Roberto Costa da Silva, delegado regional de Combate ao Crime Organizado da PF, falou sobre a atuação dos coiotes. (Ronaldo Rodrigues/TV Gazeta)

A polícia acredita que o local servia como um ponto de espera, onde as pessoas que iriam entrar ilegalmente nos EUA permaneciam até que fosse concluída a preparação de documentos, compra de passagens e demais arranjos para a entrada irregular no país.

As dez pessoas encontradas no local foram ouvidas pela Polícia Federal e, depois, liberadas. Segundo a corporação, eles confirmaram as suspeitas levantadas durante as investigações. De acordo com a PF, das duas pessoas investigadas, uma já foi indiciada e presa — pelo mesmo crime — pelo Grupo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e ao Contrabando de Migrantes da Polícia Federal de Minas Gerais.

ESTADO TEM ALTOS ÍNDICES DE MIGRAÇÃO ILEGAL

O delegado Ivo Roberto Costa explicou que o Espírito Santo possui altos índices de migração ilegal para os Estado Unidos, ocupando inclusive altas colocações no ranking de estados brasileiros com o maior número de pessoas que procuram os "coiotes". Ivo Roberto explicou que isso pode ter relação com a proximidade com o estado de Minas Gerais, que, segundo ele, também possui altos números de migração ilegal.

"Hoje, a estatística demonstra que o Espírito Santo ocupa o terceiro lugar da origem dos brasileiros que tentam ingressar ilegalmente nos Estados Unidos. O que a gente acredita é que, em razão da proximidade com o estado de Minas Gerais, que é um estado que concentra o grande volume de brasileiros que busca ingressar ilegalmente nos EUA, isso tenha feito com que essa logística chegasse ao Espírito Santo e fosse oferecida aos cidadãos que vivem no Estado", argumentou.

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