Há 15 anos, exatamente no dia 24 de março, era escrito o episódio mais marcante e trágico da luta contra o crime organizado no Espírito Santo. E mesmo tanto tempo depois, um dos acusados de ser o mandante da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho sequer foi a julgamento. Hoje, uma década e meia após o assassinato, a Justiça ainda não conseguiu determinar o destino do juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira.
Após a denúncia do Ministério Público apontar o magistrado como uma das pessoas que planejaram o crime, a juíza da 4ª Vara Criminal, em 2009, pronunciou Leopoldo por crime de omissão e o mandou a júri popular. Essa diferença entre ser o mandante e a acusação final de não ter feito nada para impedir o crime, fez com que a defesa do juiz apelasse o Superior Tribunal de Justiça.
O objetivo é anular a decisão de levar Leopoldo a júri popular. Desde então o processo se arrasta e o acusado sequer foi julgado. A turma que julgou o recurso no STJ reconheceu essa disparidade, mas a turma julgadora ao invés de anular, de acordo com precedentes dela própria, manteve o júri. Ou seja, são duas coisas incompatíveis. Essa é a razão pela qual o STJ ainda não decidiu a respeito", afirmou Fabrício Campos, advogado de Leopoldo.
O CRIME
A execução aconteceu por volta das 7h45. Alexandre Martins saiu de casa para praticar exercícios em uma academia, no bairro Itapoã, em Vila Velha. Quando retornava para casa, acabou sendo surpreendido por dois bandidos de moto. Um deles desceu do veículo, armado com uma pistola calibre 765, foi em direção ao juiz e atirou duas vezes. Os disparos acertaram Alexandre no braço e no peito. Ele tentou correr, mas o criminoso apertou o gatilho mais uma vez, para decretar a morte do homem que era o símbolo da luta contra o crime organizado na época.
OS ACUSADOS
O responsável por matar o juiz foi Odessi Martins da Silva Júnior, o Lumbrigão. Junto com ele, na moto, estava Giliarde Ferreira de Souza. Os dois foram condenados e cumprem pena até hoje, sendo o assassino em regime semi-aberto, desde dezembro do ano passado, e o segundo no aberto.
o coronel da reserva da Polícia Militar, Walter Gomes Ferreira, e o empresário e ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, são os outros dois homens apontados, junto com o juiz Leopoldo, de serem os mandantes da morte de Alexandre. Calu foi inocentado pelo júri, em julgamento realizado no dia 30 de agosto de 2015. Ferreira foi o único condenado, nesse mesmo dia, por planejar a execução e cumpre pena na cadeia do Quartel da PM, em Maruípe.
Os outros envolvidos e condenados por atuarem como intermediários no assassinato de Alexandre Martins foram Fernandes de Oliveira Reis, o Cabeção, Heber Valencio, Leandro Celestino dos Santos, o Pardal, Ranilson Alves da Silva e Andre Luiz Barbosa Tavares, o Yoxito.
Todos já cumpriram suas penas e estão soltos, com exceção a Fernandes, que ainda está em regime fechado, pois havia sido condenado por outro crime e as penas se somaram. Cabeção está na Penitenciária de Segurança Máxima II (PSMA II) de Viana.
"De lá para cá eu só sinto indignação com a impunidade", diz pai de Alexandre
A demora no julgamento do juiz Antônio Leopoldo Teixeira causa indignação e revolta no pai do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. O advogado Alexandre Martins de Castro falou sobre os 15 anos da morte do filho, desde quando ele era criança, até se tornar juiz, e disse já não acreditar mais no sistema judiciário do País.
Como foi a história do Alexandre desde criança até ele se tornar juiz?
O Alexandre foi um garoto normal, com uma infância regular, que teve um sentimento de ausência da mãe, que faleceu muito cedo, mas não teve trauma. Ele era muito sociável e aplicado aos estudos de uma forma que precocemente se formou em direito. Em 1994 eu o levei para o Espírito Santo, pois morávamos no Rio de Janeiro. Em 96 ele fez o concurso para juiz, foi aprovado e tomou posse em 98. Ele chegou a pensar em ser oficial da PM, mas eu tirei isso da cabeça dele porque achei que seria muito arriscado. Mas acabou dando nisso. Ele acabou sendo muito corajoso e não mandava recado.
Ele sempre foi aquela tipo de pessoa que gostava de confrontar? Que se indignava com coisas erradas?
Ele era de confrontar. Ele decretou a prisão do Calu, decretou a transferência do Ferreira para o Acre, pediu prisão do Gratz, uma porção de figuras notórias das páginas criminais, ele enfrentou e condenou todos. Os bandidos que mexiam com roubo de cargas. Integrou a primeira força tarefa nacional que veio para o Estado. Porque no governo de José Inácio se cogitava intervenção e ele, mesmo sendo juiz estadual, integrou a força tarefa. Ele era um orgulho para todo mundo. Todos gostavam dele, pois era atuante e decidia rápido. Era brilhante como pessoa e humilde.
E como foi o dia que o senhor recebeu essa notícia tão trágica?
Eu estava no Rio de Janeiro dando aula, recebi a notícia e fui para o Espírito Santo. Ainda não acreditando muito. Falaram que ele havia sofrido um acidente. Mas depois eu percebeu a urgência. Foi um dia muito triste para mim. Mas foi só aquele dia. De lá para cá eu só sinto indignação com a impunidade. O Estado perdeu um grande juiz e não prende um péssimo juiz que mandou matar ele. A gente vê esse exemplo de impunidade no País hoje.
Qual o sentimento do senhor ao ver que o juiz Leopoldo sequer foi a julgamento, mesmo 15 anos depois da morte do Alexandre?
O Coronel Ferreira está preso, o Calu foi inocentado, mas chegou a ficar preso por outro crime, mas o único que está solto mesmo é o Leopoldo, porque foge do julgamento, entra com recurso em cima de recurso. Se você pegar um cara, julgar e ele sair inocente, dá para dizer ainda que a Justiça cumpriu seu papel. Mas quando esse cara não é julgado e nem preso, isso é uma injustiça. Ele tem dinheiro, contrata bons advogados, ganha aposentadoria de mais de R$ 30 mil. É um absurdo.
E como acha que ele consegue isso?
Tem duas formas de se defender. Uma é dizer que não fez, a outra é recurso em cima de recurso. Ele não diz que não fez, fica evitando ser julgado. É uma defesa protelatória de quem sabe que vai ser condenado.
Olhando para tudo o que aconteceu até hoje, o que acha que o Alexandre representa para o Espírito Santo?
Meu filho se tornou um símbolo, um capítulo que fez mudar a história do crime organizado aqui no Estado. Até a morte dele, eles faziam e aconteciam, mas a partir dali a sociedade passou a perceber a força que tinha esse crime organizado. A partir dali o Estado passou a lutar contra. Hoje a qualidade de vida é melhor no Estado, pelo papel dele. Todos reconhecem que a morte dele foi uma virada de página. Tenho muito orgulho disso. Embora ele tenha pago um preço muito caro, foi um marco.
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