Uma mulher de 49 anos procurou uma delegacia para relatar que foi obrigada a tirar a roupa e teve as partes íntimas tocadas durante uma abordagem policial dentro da própria casa, em Viana. O abuso aconteceu no quarto da residência, onde estariam apenas o militar e a vítima, na noite do dia 26 de setembro. Antes disso, segundo relata a vítima, a equipe formada por três militares teria invadido a residência sem autorização judicial e agredido os dois filhos da mulher – um deles tem 15 anos.
A reportagem de A Gazeta teve acesso ao boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil e à denúncia feita na Corregedoria da Polícia Militar, ambos relatando o estupro na abordagem. A mulher denunciou os militares após um procedimento de reconhecimento fotográfico – dois deles foram identificados como um sargento e um cabo. Os nomes da vítima e dos filhos não foram divulgados por motivo de segurança. O bairro onde a família mora também não será detalhado.
De acordo com o boletim de ocorrência, três policiais militares, vestidos com a farda da corporação, entraram na residência em Viana por volta das 18h30 do dia 26 de setembro. A mulher contou à polícia que os militares não tinham autorização para entrar na casa, mas afirmaram estarem procurando algo ilícito. Quando os policiais chegaram ao local, a mulher estava deitada. Os filhos, de 28 e 15 anos, também estavam dentro de casa.
Mesmo sem autorização, os policiais começaram a abordagem dentro da residência. Sem encontrar nada, o trio de policiais teria começado a agredir os dois filhos da mulher. Segundo a vítima, os policiais pediam que o adolescente e o irmão mais velho dessem nomes de pessoas que tinham envolvimento com drogas nas proximidades do local onde moravam. Os dois, no entanto, não responderam e teriam sofrido tapas na nuca e no rosto.
Foi nesse momento que um dos policiais teria ordenado que a mulher, dona da casa, fosse para um quarto e fechasse a janela. A ordem do militar era que a mulher tirasse a roupa toda. Ao ficar completamente nua, a vítima começou a fazer agachamento, seguindo ordem do policial.
Durante o exercício forçado, o policial teria tocado com a ponta do dedo a vagina e o ânus da mulher. Ele fazia sons como se estivesse gostando da atividade abusiva, como relata o boletim. A vítima contou à polícia que passou cinco minutos sozinha com o policial, passando pela situação abusiva, que conforme relatado, configura estupro.
O documento registrado na Corregedoria da Polícia Militar cita ainda que o policial, suspeito de estuprar a mulher, teria perguntado se ela gostaria de ser revistada por uma profissional mulher. A vítima teria pedido a abordagem feminina. No entanto, apesar da resposta, os dois continuaram sozinhos no quarto e não houve assistência feminina.
Depois disso, a mulher foi levada para a cozinha, onde os dois filhos estavam. O filho mais velho teria sido agredido novamente antes de ser levado com o irmão mais novo para o quintal da casa. O mesmo policial teria ficado sozinho com a vítima novamente, agora em outro cômodo. O boletim traz em detalhes que o policial disse à vítima que não levaria o filho mais velho para a delegacia. Em troca, a mulher teria que se encontrar com o militar, fora do horário de trabalho, em determinado ponto do bairro.
O encontro forçado teria sido marcado para as 19h30, e a mulher não poderia contar detalhes para ninguém. Segundo o boletim de ocorrência, o policial iria ao local com o carro particular.
De acordo com a advogada de defesa da vítima, Gislaine Salles, a mulher estava com muito medo do que poderia acontecer se descumprisse a ordem, por isso foi ao local marcado. O encontro não aconteceu e ela voltou para casa sem encontrar novamente o policial.
A vítima, que por questão de segurança, não teve o nome identificado nesta reportagem, relatou para a advogada que houve uma nova abordagem do mesmo policial. Ele teria entrado novamente na casa dela dois dias depois, no dia 28 de setembro. Na nova abordagem, também durante o horário de serviço, o militar pediu que a vítima o encontrasse em outro ponto do bairro. Desta vez, a mulher não foi ao local. A advogada esteve no ponto marcado, mas não encontrou o policial.
Avaliando que a mulher poderia ser vítima de novas abordagens, a advogada de defesa, Gislaine Salles, decidiu retirar a cliente do endereço. Atualmente, a mulher, que relata duas abordagens do mesmo policial, com medo, mora em outro lugar.
O local também não será informado, preservando a segurança da vítima. Uma medida de segurança foi solicitada pela defesa da vítima, mas ainda não há nada que impeça o policial de chegar perto da mulher, segundo a advogada.
Segundo Gislaine Salles, outros casos semelhantes foram relatados na mesma região de Viana. São ao menos duas outras pessoas, de acordo com a advogada, que sofreram abordagens violentas e constrangedoras do mesmo policial. Seriam pessoas que preferem não se identificar e não foram à delegacia registrar um boletim de ocorrência por medo.
"Há pelos menos outras duas pessoas. Sendo que uma delas tem 14 anos. Fora as outras abordagens que ele faz de maneira exagerada", afirma a advogada.
No dia seguinte ao fato, a vítima foi à delegacia de Polícia Civil com a advogada para registrar o boletim de ocorrência. Ela também esteve na Corregedoria da Polícia Militar e relatou o abuso na abordagem. Segundo a advogada de defesa, não houve nenhum retorno das polícias Militar e Civil até terça-feira (4), uma semana após o registro da ocorrência.
A reportagem de A Gazeta procurou as polícias Militar e Civil para ter mais informações da ocorrência. Foi perguntado, por exemplo, se os policiais continuam trabalhando normalmente e o que a equipe alegou para entrar na casa de uma moradora. Confira abaixo os questionamentos feitos para as corporações:
- A equipe fez a abordagem no dia 26 de setembro na residência da moradora, em Viana?
- Os três estavam em horário de serviço? O que os militares alegam para entrar na casa? Havia alguma suspeita?
- Por qual motivo um dos militares entrou em um quarto com a moradora? A medida era necessária para a abordagem?
- A Polícia Militar investiga a abordagem abusiva na residência? Se sim, há um tempo estimado para que chegue a uma conclusão?
- Os três militares continuam trabalhando? Algum deles foi afastado das atividades?
- Quais devem ser os próximos procedimentos adotados pela PM e pela Corregedoria?
- A equipe militar voltou ao lugar após o dia 26 de setembro?
Em resposta, a Polícia Militar informou que a cidadã alegou ter sido abordada "de forma irregular" no último dia 26 em Viana. A polícia confirmou que a vítima registrou boletim de ocorrência e esteve na Corregedoria, o que já era de conhecimento da reportagem. Apesar das perguntas feitas acima, a Polícia Militar inicialmente detalhou apenas que "os fatos estão em apuração" e que detalhes não seriam divulgados para não atrapalhar os trabalhos.
Em uma nova demanda feita pela reportagem, após a informação de que o PM teria voltado a procurar a vítima em casa, a Polícia Militar reiterou a nota e informou que o prazo de apuração é de pelo menos 60 dias.
- A Polícia Civil investiga o caso?
- O que os militares alegam para entrar na casa? Havia alguma suspeita? Por qual motivo um dos militares entrou num quarto com a moradora?
- Os policiais militares foram ouvidos? Se sim, há um tempo estimado para que chegue a uma conclusão?
- Quais devem ser os próximos procedimentos adotados pela PC?
Em nota, a Polícia Civil informou que a vítima registrou um boletim de ocorrência no dia 27, dia seguinte ao fato narrado. Segundo a corporação, o caso foi encaminhado à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Cariacica, que será responsável pelas apurações. Detalhes da investigação não serão divulgados, de acordo com a Polícia Civil.
Procurado pela reportagem de A Gazeta, o Ministério Público do Espírito Santo classificou o crime de estupro como "um dos mais graves" e que merece "imediata resposta". Em relação ao caso citado, o MPES informou que aguarda a conclusão do inquérito policial para análise e adoção de providências. Veja nota completa:
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) considera o crime de estupro um dos mais graves contidos no Código Penal (CP) e, por essa razão, merece sempre a imediata resposta das autoridades policiais e do sistema de Justiça. Informa também que se solidariza com as vítimas e está à disposição para auxiliar no que for necessário, inclusive por meio do Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência (Navv), instituído em setembro. Em relação ao caso citado, o MPES, por meio da Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar, informa que aguarda a conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM) referente aos fatos e o envio dessa documentação ao MPES, para posterior análise e adoção de providências. Informa também que, por força de lei, está proibido de fornecer mais informações a respeito de processos que envolvam casos de estupro.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) enviou nota, nesta segunda-feira (10), com posicionamento sobre o caso. O texto foi atualizado.
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