Músico morto por PM: 'Situação muito clara de flagrante', diz advogado
Anderson Burke, professor de Direito Penal, comentou sobre diversos aspectos do crime cometido pelo soldado Lucas Torrezani nesta segunda-feira (17), em Vitória
Inicialmente, o soldado da Polícia Militar alegou legítima defesa e foi liberado pelo delegado de plantão, que entendeu "não haver elementos suficientes para lavrar o auto de prisão em flagrante naquele momento". No entanto, horas depois, testemunhas e imagens revelaram uma situação diversa.
À esquerda, o policial militar Lucas Torrezani de Oliveira; à direita, o músico Guilherme Rocha. (Reprodução | Montagem A Gazeta)
Ainda assim, devido às imagens e aos desdobramentos, o assassinato segue sendo debatido. Nesta terça-feira (18), o advogado criminalista e professor de Direito Penal Anderson Burke deu uma entrevista ao Bom Dia Espírito Santo, da TV Gazeta, e abordou diversos aspectos do caso. Confira:
Como você analisa o caso?
É uma situação muito clara de flagrante: tinha corpo, prova de autoria... Até me chama atenção e me dá vontade de fazer um estudo de campo em relação aos homicídios cometidos no Espírito Santo para saber se esses casos tiveram um tratamento tão particular como este teve. Como professor, eu tento entender a base jurídica, poderia ser aceita legítima defesa neste caso? Na minha concepção, não havia motivo para não ter, pelo menos, a formalização de flagrante e a condução de uma audiência de custódia para ter uma decisão sobre a prisão cautelar.
No momento do crime, os policiais sentiram "odor etílico" em Lucas Torrezani. Ele poderia estar bebendo armado?
Qualquer pessoa tem a liberdade de ingerir bebida alcoólica, mas, do mesmo jeito que não pode dirigir, não pode portar arma de fogo. É uma determinação expressa no Estatuto do Desarmamento.
Antes do tiro que tirou a vida de Guilherme Rocha, o policial militar chegou a apontar a arma para o músico. Nessa hora, já estava acontecendo um crime?
Depende do que foi dito. A arma, com certeza, é um instrumento de intimidação. Por isso, já poderia estar acontecendo um crime de ameaça, no mínimo.
Anderson Burke, advogado criminalista e professor de direito penal da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). (Ronaldo Rodrigues)
O vídeo não mostra se o amigo que conversava com o soldado e presenciou tudo tentou separar os envolvidos ou se os segurou. Ele deve responder, de alguma forma, pelo crime? Como a participação dele é analisada?
No mínimo, ele deve ser ouvido como testemunha. Se a autoridade policial que for investigar constatar que houve induzimento ou instigação ao resultado (morte), ele pode ser investigado como autor partícipe do crime.
Após o tiro, pelo que aparece no vídeo, o policial não presta socorro à vítima. Isso configura outro crime? O que ele deveria ter feito?
Eu falo com propriedade porque também sou instrutor da academia da Polícia Militar: eu tenho certeza que neste caso, a atitude desse indivíduo não reflete a da Polícia Militar. Este não é o treinamento de um policial militar. Não sei se bateu o arrependimento, mas, antes disso, e eu digo como cidadão, o que a gente espera quando tem um policial na vizinhança é mais segurança, porque tem um cidadão treinado, ainda que esteja fora de serviço, para qualificar a segurança. De forma nenhuma um policial pode representar medo aos vizinhos. Após o fato, realmente, o treinamento é chamar o Serviço de Atendimento Móvel (Samu) ou o Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), porque é o que pode salvar a vida de quem acabou de levar um tiro.
O procedimento adotado na delegacia, que não o manteve detido em flagrante, deve ser investigado?
Merece atenção. A conduta no flagrante precisa ser, pelo menos, apurada para ver se não teve sentimento pessoal que pudesse caracterizar um crime de prevaricação. Falo isso com tristeza, porque é impressionante um caso deste ser tratado desta forma. Tem o Boletim Unificado (BU), a condução... por que foi tratado assim? Precisamos respeitar se foi com base jurídica, mas precisamos entender porque não houve o flagrante naquele primeiro momento.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que, "por meio da Corregedoria, está acompanhando as apurações da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) referentes ao caso" e que "as providências administrativas pertinentes na esfera militar serão adotadas".