Quando entrei pelo portão de madeira, simples, que dá acesso à casa da mãe da Genaína Gomes, a primeira pessoa que eu vi foi uma menina linda, vestida de branco e de cabeça baixa. Pedi licença e perguntei se aquela era a residência dos familiares da Genaína. "É sim, moço. Pode entrar. Foi minha mãe que morreu', respondeu a criança, com a aparência de quem tinha chorado por horas, antes de correr para dentro de casa e sentar no sofá da sala.
Aquela cena já me deixou sem reação. Sabia que a menina, que depois descobri ter 8 anos, viu o pai matar a mãe a facadas dentro de casa, no bairro Rio Branco, em Cariacica. Era mais uma criança do Espírito Santo que cresceu convivendo com as agressões contra a mãe e que ficou frente a frente com o último ato de violência que uma mulher pode sofrer: o feminicídio. Outros três irmãos da menina também presenciaram o crime.
Entrei na varanda da casa da família. A mãe de Genaína e avó da criança, Ângela Maria Gomes dos Santos, já me aguardava para a entrevista, combinada previamente pelo telefone. Após conversar com a família e prestar condolências pelas dores irreparáveis que eles sentem, pedi que Ângela se sentasse em uma cadeira na varanda para começar a gravação.
Aquela menina que me recebeu na portão de madeira veio em direção à Ângela e ficou acariciando o rosto dela. Tão pequena e já tirando forças não sei da onde para tentar consolar a avó. Precisei interromper aquela cena de carinho porque, claro, não podemos expor a identidade da criança. A menina voltou para a sala, mas ficou acompanhando atentamente a conversa. Não queria sair dali. Confesso que, durante a entrevista, meu olhar fugiu algumas vezes para dentro da sala, no sofá onde estava aquela menina.
Ângela começou a contar o que sabia do crime. Ela mora ao lado da casa onde a filha vivia. Ângela ouviu os gritos de desespero das crianças, mas não viu o que aconteceu. As crianças viram.
"Ele estava em casa e ela pediu pra ele sair. Ele foi e matou ela", disse Ângela, sem conseguir explicar direito o ocorrido porque não parava de chorar.
Alguém, de dentro da casa, corrigiu a mãe de Genaína: "Ele estava fora, pulou o portão e eles começaram a brigar. Ele foi na cozinha, pegou uma faca e bateu com a faca no pescoço dela". A voz era daquela mesma menina que me recebeu no portão de madeira. A voz era de mais uma criança vítima da cultura machista de uma sociedade que insiste em não respeitar o direito à vida e liberdade das mulheres. A impressão que eu tenho é que aquela voz, de uma menina marcada pela violência, nunca mais vai sair da minha cabeça.
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