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Os relatos de mães sobre psicólogo do ES preso suspeito de abusar de autistas

Os relatos de mães sobre psicólogo do ES preso suspeito de abusar de autistas

Segundo a Polícia Civil, os crimes teriam ocorrido entre setembro e janeiro de 2024 e foram descobertos em janeiro deste ano

Felipe Sena

Repórter / fsena@redegazeta.com.br

Publicado em 28 de fevereiro de 2025 às 12:39

"Ele sempre foi uma criança alegre, mas mudou." O relato é de uma mãe cujo filho, de 4 anos e autista não verbal (ou seja, que não fala), era paciente do psicólogo preso na última quinta (20), em Minas Gerais, sob suspeita de abusar sexualmente de crianças autistas durante sessões de terapia em uma clínica de Cariacica, no Espírito Santo. A reportagem de A Gazeta ouviu mães que disseram ter percebido mudanças no comportamento dos filhos após as consultas com o profissional.

Os nomes das mães, da clínica e do suspeito não estão sendo divulgados por A Gazeta para preservar as vítimas, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad).

A primeira mãe contou que o filho apresentava um comportamento totalmente diferente em dias de sessão. "Diziam para mim que era normal ele chorar, porque o terapeuta é um profissional mais frio; que ele iria estimular comportamentos ruins da criança, para tratá-los. Mas meu filho não era de chorar. Ele sempre é muito feliz, sorridente", disse a mãe de um menino de 4 anos.

A criança é autista com grau um de suporte e ingressou na terapia por causa da necessidade de fonoaudióloga. A mãe disse que a porta, durante as sessões, ficava sempre trancada. "Diziam que era para as crianças não saírem. Falavam que, se elas vissem os pais, iam sair correndo", contou. 

Flagrantes suspeitos

A mãe, no entanto, disse que, desde que o filho começou a frequentar a clinica, em 2022, não se sentiu confortável com a situação. Ela, então, adotou a estratégia de manter, com ela, pertences do filho que poderiam ser solicitados durante a sessão — como garrafas de água — para ter, por alguns períodos, acesso à sala. Segundo ela, por duas vezes, ela flagrou o psicólogo em atitudes suspeitas.

"Vi ele em cima de uma cadeira, como se estivesse mexendo no ar, por duas vezes, com meu filho na sala", disse. Investigações da Polícia Civil apontam que o investigado cobria câmeras com papel para que os atendimentos não fossem gravados. 

A mãe ainda conta que, depois de um tempo, o filho de 4 anos começou a ter gestos de cunho sexual que não tinha antes, como mostrar as partes íntimas para os colegas da escola. 

"Ele perguntava: 'Mamãe, eu vou para o inferno?'. Ele dizia que achava que ia para o inferno porque estava fazendo coisa errada, e eu não sabia de onde ele tirava isso"

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Mãe de uma criança atendida pelo investigado

Segundo ela, o psicólogo usava estratégias para ganhar a confiança das crianças, como presentear os pacientes com brinquedos. "Ele arrumou um brinquedo que meu filho gostava. Quando ele (a criança) tentava ir embora, ele mostrava o brinquedo", disse.

Outra mãe, cuja filha de 4 anos também era atendida pelo psicólogo, descreveu uma situação semelhante. "Ela não gostava de ir para a clínica de jeito nenhum. Quando chegava no caminho, se batia, desregulava tudo. Eu achava que era adaptação, mas isso continuou." A filha dela é uma criança autista não verbal e com grau de suporte dois.

Psicólogo se mostrava preocupado com a família

Psicólogo do ES foi preso em MG suspeito de abusar sexualmente de pacientes
Psicólogo foi preso em MG suspeito de abusar sexualmente de pacientes Crédito: Polícia Civil de Minas Gerais

O psicólogo, por sua vez, se apresentava como uma figura carismática e preocupada com as famílias. É descrito pelas pessoas ouvidas pela reportagem como alguém muito educado e que sempre se vestia com roupas formais. De acordo com os relatos, ele passava a imagem de alguém caridoso e cobrava valores simbólicos de pacientes com dificuldades financeiras.

"Quem não tinha dinheiro, ele cobrava 20 reais para fazer uma sessão e usava a estrutura da clínica"

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Mãe de uma criança que foi paciente do investigado

Portas trancadas

Todas as mães ouvidas para a produção desta reportagem relataram um cenário em comum: a clínica estava sempre lotada, com sessões sendo feitas com cinco crianças ao mesmo tempo. Além disso, elas afirmaram que manter as portas trancadas era uma orientação da coordenação da clínica.

“A criança fica 40 minutos na sala com eles e a gente não pode entrar. Mesmo assim eu chegava, batia na porta, perguntava se estava tudo bem. Ele dizia que estava”, contou uma outra mãe de um menino atendido pelo suspeito.

Todas elas dizem que, ao reclamar das portas trancadas, ouviam que esse era um procedimento necessário. Quanto aos choros e barulhos, segundo as mães, a coordenação dizia que esse era um comportamento comum de crianças neurodivergentes (que têm um funcionamento neurológico ou desenvolvimento cognitivo diferente do que é considerado padrão). 

O que diz a clínica?

A reportagem de A Gazeta tentou, na manhã desta sexta-feira (28), contato com a clínica onde os abusos teriam acontecido. Em um primeiro momento, por telefone, a atendente da clínica disse que não havia um número para contato com a clínica, somente uma central com a função de agendamento de consultas. 

Questionada sobre como a central entrava em contato com a clínica para alinhar esses agendamentos, a atendente informou que não passaria nenhum contato. 

A reportagem insistiu e tentou também fazer contato por aplicativo de mensagens. Por lá, a informação foi de que a diretoria da clínica foi informada e entraria em contato com a reportagem. Até a publicação desta matéria, no entanto, não houve um retorno. O espaço segue aberto para manifestações. 

Sobre a prisão

O suspeito foi preso após um mandado de prisão preventiva ser expedido. Ele foi localizado na zona rural de Bom Jesus do Galho, em Minas Gerais, com apoio da Polícia Civil mineira. As investigações indicam que os abusos ocorreram de forma reiterada entre setembro de 2023 e janeiro de 2024. 

Segundo a delegada Gabriella Zaché, adjunta da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) do Espírito Santo, mesmo após a demissão da clínica, o suspeito teria levado uma menina de oito anos, irmã de um dos pacientes, de dois anos, para tomar sorvete. A clínica, então, teria dito aos pais que o comportamento causou estranheza e que não era correto. Foi verificado que a criança de oito anos chegou a participar de algumas sessões do irmão, mesmo sem ser paciente.

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