O biólogo Antônio F. Carvalho, pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma), em Santa Teresa, na Região Serrana do Espírito Santo, realizou um estudo que desvendou uma rede on-line de tráfico de abelhas-sem-ferrão em todo o Brasil, com valores que variam de R$ 700 a R$ 5 mil.
Em artigo publicado nesta quarta-feira (1º) na revista "Insect Conservation and Diversity", o pesquisador revelou que o comércio ilegal de ninhos de abelhas-sem-ferrão realizado na internet é uma das principais ameaças à conservação de espécies brasileiras.
As abelhas-sem-ferrão são responsáveis por polinizar árvores em florestas tropicais e de plantas comerciais, sendo muito utilizadas no Brasil para a produção de mel, atividade conhecida como meliponicultura.
Segundo o Inma, o tráfico dessas espécies para regiões em que não são nativas facilita a disseminação de parasitas e predadores, contribuindo para o desaparecimento das abelhas.
"Muitas discussões estão focadas nos efeitos do aquecimento global na biodiversidade, mas temos questões muito urgentes para tratar. Espécies sumirão da natureza devido ao tráfico muito antes que o clima consiga afetá-las negativamente”, esclarece o pesquisador.
Entre as espécies mais cobiçadas para a venda ilegal estão a mandaguari (Scaptotrigona spp), e a uruçu-capixaba (Melipona capixaba) e a uruçu-nordestina (Melipona scutellaris), sendo que as duas últimas em perigo de extinção.
A pesquisa localizou vendedores em 85 cidades brasileiras, sendo a maioria em regiões próximas da Mata Atlântica. Foram 308 anúncios de venda observados no estudo.
As colônias são vendidas a preços que variam de R$ 700 a R$ 5 mil, e comercializadas em caixas de madeira de diversos modelos ou em iscas de garrafas pet. Os ninhos são retirados da natureza e as abelhas são levadas para longas distâncias, sobretudo para localidades fora das áreas de onde são nativas.
Além das abelhas produtoras de mel, também são vendidas ilegalmente espécies sem potencial para a produção melífera, como a boca-de-sapo (Partamona helleri) e mombucão (Cephalotrigona capitata), cujo mel não apresenta sabor palatável.
"Esses dados revelam um preocupante mercado de criadores e de colecionadores ávidos pelos mais diferentes grupos, independente do potencial produtivo da espécie em alguns casos”, analisou o pesquisador
De acordo com Antônio, o Brasil é o maior produtor de mel do mundo e, apesar de a atividade ser o desejo de quem comercializa de forma ilegal as abelhas, não pode ser colocada como culpada.
"A meliponicultura não é a vilã dessa história. A atividade pode, ao contrário, contribuir para a conservação das abelhas, evitando a ação dos meleiros, pessoas que exterminam colônias somente para retirar o mel. Ninhos manejados por meliponicultores podem produzir mel e ser multiplicados por muitos anos", explicou.
O aparecimento dessas abelhas em áreas urbanas com poucos recursos naturais pode ser o principal fator para a extinção de algumas espécies.
"Parasitas podem ser levados ‘na carona’ com essas colônias, afetando populações de abelhas nativas e manejadas, e as condições climáticas nas novas localidades podem não ser adequadas para as espécies, o que também colabora com o alto potencial de perda de colônias”, destacou Antônio.
O estudo realizado pelo Inma traz como prováveis soluções para o tráfico das espécies a educação de meliponicultores e o cumprimento de leis ambientes, com aplicação de sanções para os crimes ambientais cometidos por vendedores que comercializam grandes quantidades de ninhos de forma clandestina.
“É preciso que os meliponicultores — os principais prejudicados por doenças e pragas de abelhas — entendam que ao comprar ninhos de outras áreas de forma ilegal estão colocando suas abelhas nativas em perigo. Levar abelhas da Amazônia para a Mata Atlântica, por exemplo, é uma das medidas que mais contribuem para o desaparecimento de populações desses insetos, uma realidade que ocorre sem punições e, infelizmente, está às nossas vistas — à distância de um clique”, concluiu o biólogo.
Para realizar as vendas das espécies de forma legal, criadores devem estar cadastrados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ou em um órgão de fiscalização estadual, e são obrigados a emitir uma Guia de Trânsito Animal (GTA) para cada colônia comercializada.
A reportagem do g1ES demandou a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para informar sobre investigações relacionadas a tráfico de abelhas, considerando a descoberta informada no estudo. Assim que houver retorno, este texto será atualizado.
*Com informações do g1ES
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