O jovem de 21 anos que foi socorrido na Praia do Ermitão, em Guarapari, com o abdômen ferido e parte do intestino exposto, não fez exame de corpo de delito, nem nenhum tipo de análise pericial que pudesse esclarecer o que aconteceu no dia do crime. O local onde ocorreu o fato também não foi periciado.
A Polícia Civil informou em coletiva nesta quarta-feira (27) que só tomou conhecimento do fato dois dias depois. Apesar de análise pericial ser comum em casos de lesão corporal, o jovem ferido não é obrigado a passar pelos exames. Sem a análise, não foi possível identificar a natureza dos cortes. As autoridades ainda não têm pistas sobre qual arma foi usada no crime.
"Quem chegou primeiro foi o Samu que se preocupou em salvar a vida do rapaz. Depois outras pessoas tomaram conhecimento, foram pra lá por curiosidade. O local foi desfeito. Peritos não encontram mais nenhuma mancha, nenhum instrumento usado", afirmou o delegado-geral da Polícia Civil, José Darcy Arruda.
Arruda também observa que desde o inicio das investigações o casal de namorados vinha sendo assistido por um advogado. "Eles contratam advogado que usou todos os meios e recursos em Direito para evitar que determinados tipos de provas fossem colhidos, o que dificultou bastante as investigações, mas ainda assim o delegado obteve informações que permitiu fazer o indiciamento da jovem".
Segundo ele, ainda assim, o delegado responsável pelo caso tem certeza de que foi a namorada, Lívia Lima Simões Paiva Pereira, que provocou as lesões. As evidências utilizadas para indiciar a namorada como responsável pelos ferimentos no jovem são duas: o fato de que nenhuma outra pessoa foi vista entrando ou saindo da praia do Ermitão na madrugada do crime, e as marcas de ferimentos nas mãos da jovem, chamadas de "ferimentos de ataque".
Outro elemento importante, segundo o delegado que conduziu as investigações, Franco Malini, foi uma ligação feita para o telefone da Lívia por sua mãe. "Lívia combinou de ligar por volta da 1h para a família, o que não aconteceu. Preocupada, a mãe ligou para Lívia por volta das 2h20, quando conseguiu o contato. A mãe relata, em depoimento, que ficaram conversando por cerca de 50 minutos e que durante este tempo só ouviu a filha e, em alguns momentos, a voz do rapaz falando Praia do Ermitão", explica.
De acordo com o delegado, a investigação por ele conduzida não se baseou em provas testemunhais, uma vez que no local dos fatos estavam apenas a Lívia e o namorado. "Por lei nenhum dos dois é obrigado a colaborar com a investigação, e eles relataram não se lembrarem do que aconteceu, só que beberam vinho, usaram drogas e perderam consciência. Quando a retomaram, o rapaz já estava ferido, com a barriga cortada", informou o delegado.
Para o delegado não há dúvidas de que o casal de namorados estava sozinho na praia. "As imagens de entrada do parque mostram que apenas os dois entram e saem do local. O segundo ponto são as lesões apresentadas pela Lívia, típicas de ataque, o que nos leva a crer que ela lesionou o rapaz, possivelmente deu soco no seu rosto, e fez o corte na sua barriga, em decorrência do corte que apresenta na mão", informa.
Em relação ao corte feito na barriga do rapaz, o delegado relata que os documentos do Samu informam que o "corte foi grosseiro, não cirúrgico, feito por vidro. "E a jovem apresentava os cortes na mão direita, que foram os mais relevantes para a investigação", explica Malini.
A investigação aponta que o casal relatou ter ingerido drogas e “experimentado um estado psíquico alterado, com alucinações típicas do uso de LSD”. Conclui o relatório informando que buscou-se ouvir todas as pessoas que tiveram contato com os jovens.
Lívia foi indiciada pela Polícia Civil e denunciada pelo Ministério Público do Espírito Santo por lesão corporal grave. A denúncia foi aceita pela Justiça e agora ela é ré no processo criminal.
Ela se submeteu à análises periciais em 3 de fevereiro, mais de duas semanas depois do crime, que aconteceu na manhã de 16 de janeiro. Segundo o perito da Policia Civil Fabrício Pelição, por conta de tempo decorrido, é muito difícil identificar o uso de alguma droga e, mais ainda, identificar qual foi o entorpecente usado.
Ele explica que exames de sangue detectam uso de drogas com intervalo de algumas horas, o de urina, com poucos dias, e o exame feito com cabelo é o que detecta por mais tempo. A identificação pelo cabelo, feito no caso de Lívia, ainda não teve resultado da análise. Já o jovem, por estar internado, não realizou nem o teste toxicológico e nem o exame de lesão corporal.
A Gazeta teve acesso em primeira mão à totalidade do inquérito, que concluiu pelo indiciamento de Lívia. O relatório serviu de base para a denúncia formulada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que apontou ser a jovem a autora das lesões. No último dia 19 a Justiça aceitou a denúncia, e Lívia se tornou ré em uma ação penal. Ela vai responder por lesão corporal grave e, caso seja condenada, a pena é de reclusão de 2 a 8 anos.
Em seu depoimento, o jovem de 21 anos relata que entraram no Parque Morro da Pescaria pelas pedras e que no caminho encontraram com quatro pescadores. Diz ainda que tomaram vinho, cerca de duas taças cada um, ficaram ouvindo música, fizeram sexo e mergulharam.
Depois de um tempo retornaram para a areia, se secaram, ficaram conversando e utilizaram um “quadradinho” de LSD (droga sintética). Cinco minutos depois, segundo o relato do jovem, Lívia começou a ter alucinações visuais, primeiro, “vendo alguma coisa no céu, que o céu estava se mexendo”. Na sequência ele também começou a sentir os mesmos efeitos.
Eles permaneceram na areia por cerca de 20 minutos, conversando e tendo alucinações. A partir deste momento o jovem relata que as informações são confusas mas que se recorda de estar sentindo muito medo. “Estava correndo muito, apavorado e correndo de alguma coisa”, disse o jovem.
Declarou ainda em seu depoimento se recordar de “uma sensação de pavor de alguma coisa que o chocou muito e que começou a correr”, sem conseguir explicar o que era. Informou ainda que se recordava de, neste momento, “ter sido atingido por alguma coisa”, “que recebeu uma pancada e que foi atingido várias vezes na barriga”.
Os momentos de pavor, segundo o jovem, ocorreram quando eles decidiram andar pelas pedras e pela trilha. “Que foi quando estava sentido muito pavor o momento que se recorda de ter sido lesionado na cabeça”, diz o texto do depoimento.
Para a Polícia Civil, o jovem relatou que “não havia outras pessoas na praia junto com eles”. Afirmou ainda que acredita que Lívia se feriu ao tentar defendê-lo de alguma agressão praticada por uma terceira pessoa, pois estavam sob efeito da droga e em total vulnerabilidade no local. O jovem afirmou ainda que ele e Lívia continuam juntos e que ela o visita periodicamente.
Lívia, também em seu depoimento, confirma que ela e o namorado tomaram cerca de duas taças de vinho, que correspondiam a menos da metade da garrafa. Confirma que ficaram na areia, conversaram, tomaram banho de mar e depois fizeram uso da droga. A partir daí, relata não se lembrar do que aconteceu.
Diz que só retomou a consciência algum tempo depois, “quando ainda estava escuro”, e percebeu que o namorado reclamava de frio. Foi então que ela percebeu que ele estava com a barriga machucada e que ela tinha lesões nas mãos, testa, lábio, braços e pernas.
Ela informou ainda que não acredita que se agrediram mutuamente, que não sabe o que aconteceu, e que o único objeto cortante que possuía era uma garrafa de vinho. Observou ainda que o namorado é mais forte do que ela, “não sendo plausível que ela pudesse agredi-lo de tal forma”.
Relatou ainda, em depoimento, “que não havia nenhum motivo para que brigassem e se lesionassem”, “porque estavam felizes naquele momento”.
Informou ainda que, ao receber atendimento médico, foi a ela relatada que as lesões que apresentava estavam mais concentradas no lado direito de seu rosto, de modo que deveriam ter sido causadas por uma pessoa canhota. E ainda que os golpes tinham muita força e que ela não teria força suficiente para desferi-los.
A investigação aponta que o casal relatou ter ingerido drogas e “experimentado um estado psíquico alterado, com alucinações típicas do uso de LSD”. Informa ainda que, pelas provas colhidas, que os jovens acordaram por volta das 2h, com uma ligação da mãe da Lívia. A jovem teria ido até a portaria do parque pedir ajuda e que o socorro chegou por volta das 5h20.
É relatado que buscou-se ouvir todas as pessoas que tiveram contato com os jovens e conclui que, no momento em que os fatos ocorreram, estavam no local apenas o casal de namorados. “Não há informações de que outras pessoas tenham ido ao local”, relata o texto.
A informação, segundo a polícia, é pautada no fato de que os funcionários do parque terem relatado que não notaram pessoas no local. “Além disso, as imagens do sistema de videomonitoramento mostram apenas a vítima e a autora (Lívia) entrando e saindo do local”, diz o texto relatório.
Informa ainda que a mãe da vítima relata ter ficado com a filha ao telefone por cerca de 50 minutos e que não ouviu, neste período, voz de outra pessoa. “Em que pese a vítima e autora (Lívia) afirmarem que não se recordam do que ocorreu, não é possível que terceiros tenham causado as lesões, visto que apenas o casal estava na Praia do Ermitão”, é dito no relatório.
O advogado Lecio Machado, que representa o casal de namorados, informou que não se manifestará sobre as informações prestadas em coletiva pela Polícia Civil. “Assim como o inquérito policial é dispensável, a minha manifestação sobre o que foi dito na coletiva também é. Não vou refutar as manifestações da Polícia Civil, que está mais interessada em aparecer do que apurar os fatos”, disse.
O advogado informou ainda que vai analisar as informações prestadas na coletiva para verificar se houve exposição da imagem de seus clientes. “Quero analisar o que foi dito, verificar se houve exposição da imagem dos meus clientes e, caso isto tenha ocorrido, vamos adotar as medidas cabíveis”, assinalou.
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