O Espírito Santo registrou 56 casos de crimes de racismo e injúria racial em 2023, até o mês de maio, e 140 casos ao longo de todo o ano passado, conforme o número de boletins de ocorrência registrados junto à polícia. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). Especialistas ouvidas por A Gazeta apontam que existe subnotificação dos casos – que, na prática, são bem maiores – e atribuem isso à descrença das vítimas em relação à reposta da Justiça e à aflição de reviver a dor do que passou ao sofrer o crime.
Especialista em Direito Antidiscriminatório e, infelizmente, acostumada a lidar com casos desse tipo de crime, a advogada Fayda Belo afirma que a descrença na punição de quem pratica o racismo desmotiva as vítimas a irem a uma delegacia registrar queixa do crime.
Para Fayda, a subnotificação dos casos de racismo também é reforçada pela própria intimidação das vítimas. “Muitas pessoas negras foram educadas no sentido de relevar atitudes discriminatórias, em decorrência da herança escravocrata e, por isso, também acabam não denunciando”, explica.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo (Sesp) informou que os dados são baseados em registros de boletim de ocorrência feitos pelas próprias vítimas, e, assim que há o registro, as investigações são iniciadas. Os dados incluem crimes de racismo e injúria racial, já que a secretaria não tem uma separação entre os dois tipos de registros.
Na última semana, a família de uma adolescente de Vargem Alta denunciou ataques sofridos pela estudante em sala de aula. Conforme os relatos, a estudante era chamada de “macaca” por colegas de classe, que se recusavam a sentar perto da menina. Além da Polícia Civil, que informou que investiga o caso, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) instaurou um procedimento para apurar as responsabilidades na ocorrência.
Em Cachoeiro, a Câmara Municipal conta com uma Ouvidoria Racial, que, entre outras funções, tem o objetivo de acompanhar as denúncias de discriminação com base em etnia, raça e/ou cor. Este ano, até o mês de julho, nenhuma denúncia foi recebida pelo órgão, que foi criado em 2006. Procurada pela reportagem de A Gazeta, a ouvidoria não tinha informações sobre o número de denúncias recebidas desde que o órgão foi fundado.
Coordenadora do Movimento Negro Unificado no Espírito Santo (MNU-ES), Vanda de Souza Vieira acredita que, além da naturalização de atos discriminatórios, muitas vezes quem sofre algum tipo de ataque se sente novamente vitimizado no momento de fazer a denúncia. “É muito dolorido para quem vive o ato racista ter que ficar relembrando. Essas pessoas ficam com marcas profundas dessas experiências, isso quando sobrevivem a elas”, ressalta.
De acordo com a Sesp, no Espírito Santo a Polícia Civil possui um Núcleo Especializado que apura esses tipos de crimes e, dependendo da situação, o caso é apurado pela unidade local. Porém, para quem vê inúmeros casos todos os dias, é preciso se criar mecanismos de acompanhamento dessas ocorrências.
“É preciso se perguntar quais são os resultados dessas denúncias, qual foi a finalização desses casos? Alguém foi preso? Alguém que foi multado? Alguém que teve que passar por alguma penalização? Porque as vítimas estão humilhadas e constrangidas até hoje”, questiona Vanda.
- Injúria racial: é a ofensa dirigida a uma pessoa ou a um grupo individualizado, se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.
- Racismo: previsto na Lei n. 7.716/1989, é quando a conduta discriminatória é dirigida a determinado grupo ou coletividade, sendo impossível a individualização.
*Com a Lei 14.532, de 2023, crimes de injúria racial passaram a ser equiparados ao de racismo, passando a ser inafiançáveis, imprescritíveis e punidas com prisão de 2 a 5 anos.
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