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Substância que matou casal no ES é a mesma que contaminou cervejas Backer

Substância que matou casal no ES é a mesma que contaminou cervejas Backer

Perícia em amostras de produto vendido como óleo de semente de abóbora e nos corpos de Rosineide Dorneles e Willis Pena identificaram presença de dietilenoglicol, substância altamente nociva. Eles morreram no início deste ano, na Serra

Publicado em 6 de julho de 2021 às 15:07

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Serra
O casal Rosineide e Willis morreu em decorrência da ingestão da substância dietilenoglicol, contida em um falso óleo de semente de abóbora que haviam comprado pela internet . (Montagem/A Gazeta e Divulgação/Polícia Civil)

Em janeiro deste ano, o casal Rosineide Dorneles Mendes e Willis Pena de Oliveira, moradores da Serra, comprou pela internet um produto que prometia ganhos à saúde. O material, vendido como óleo de semente de abóbora, foi o que a artesã e o cozinheiro passaram a consumir diariamente, na quantidade de uma colher por dia, mas o que eles ingeriram não continha nada do prometido, segundo perícia da Polícia CivilEles morreram no início deste ano após iniciar o uso do produto. O responsável pela fabricação do produto ingerido pelas vítimas foi preso.

Exames laboratoriais e cadavéricos feitos nos corpos do casal atestaram que eles ingeriram dietilenoglicol, a mesma substância presente em um lote de cerveja da Cervejaria Backer, de Belo Horizonte (MG), que contaminou diversos consumidores, entre eles um capixaba, e provocou a morte de dez pessoas.

Após meses de investigação, que contou com a colaboração da Polícia Civil dos Estados do Espírito SantoSão Paulo e Minas Gerais, a polícia concluiu o inquérito e efetuou a prisão do responsável pela fabricação do produto vendido como óleo de semente de abóbora. A prisão ocorreu na cidade paulista de São Bernardo do Campo, em uma casa improvisada como laboratório, onde o fabricante produzia livremente o composto. Ele foi preso em flagrante no dia 25 de maio e cumpre prisão preventiva.

Na manhã desta terça-feira (6), em uma coletiva que contou com a presença de delegados, peritos e legistas que participaram das investigações, a polícia detalhou como o responsável foi identificado e a forma como a perícia identificou a presença do dietilenoglicol no corpo das vítimas.

PREOCUPAÇÃO DO FILHO DO CASAL

Observando que os pais apresentavam sintomas incessantes após consumirem o óleo, o filho de Rosineide e Willis, um rapaz de 20 anos, procurou a delegacia da Serra relatando que os familiares estavam passando mal após a ingestão do suposto óleo, como explicado pelo delegado Rodrigo Rosa, do 12º Distrito Policial, que comandou as investigações.

"Em janeiro, o filho do casal procurou a delegacia informando que o pai e a mãe estavam internados por ingerirem esse suposto óleo de semente de abóbora, que haviam comprado pela internet. Não podíamos, levianamente, interferir na atividade econômica de uma empresa sem saber se realmente aquele produto havia feito o casal passar mal. Por isso enviamos o produto para análise do laboratório", explicou.

Polícia
O laboratório onde o produto tóxico era produzido ficava na cidade de São Bernardo do Campo (SP). O óleo de girassol era acrescido de corante e aromatizante, e depois vendido na internet como óleo de semente de abóbora. (Divulgação/Polícia Civil)

Segundo o delegado, o casal usou o produto por cerca de 14 dias e parou apenas quando começou a sentir os primeiros sintomas, como náuseas, dores de cabeça e vômitos. Inicialmente, ambos buscaram atendimento médico, mas foram liberados porque os sintomas foram classificados como leves. Somente na terceira ida a um pronto-atendimento, com o quadro já agravado e com insuficiência renal identificada, marido e mulher foram internados no Hospital Estadual Dório Silva, na Serra, em estado grave.

Polícia
O "óleo de semente de abóbora" era fabricado e envasado em um laboratório clandestino em São Paulo. (Divulgação/Polícia Civil)

Após dias de internação, Rosineide faleceu em 15 de fevereiro deste ano. Um mês depois, Willis não resistiu aos danos causados pelo dietilenoglicol no corpo e foi a óbito em 16 de março.

PERÍCIA

De posse do produto, entregue à polícia pelo filho do casal, a perícia iniciou as análises para identificar do que se tratava, como explicado pela perita Daniela de Paula.

"Doutor Leandro (médico legista) nos encaminhou os produtos relacionados ao provável caso. Esse material chegou ao laboratório para podermos avaliar a composição e ver se havia algum tipo de veneno. A primeira coisa que identificamos foi o aspecto, muito distinto ao de um óleo vegetal no caso específico, para saber se era de semente de abóbora. Notamos de imediato que havia uma tonalidade diferente a de um óleo vegetal, que possuem a presença do que chamamos de ácidos graxos. Foram essas substâncias que procuramos nas amostras que chegaram até nós", salientou a perita.

Polícia
Na sede da empresa, o produto que matou o casal era porcionado e envasado em frascos vendidos na internet. (Divulgação/Polícia Civil)

Para fazer comparação, a perícia comprou um óleo de girassol e, pelo que foi analisado, não foi identificada a presença de ácidos graxos no óleo consumido pelo casal. Essa foi a primeira etapa da análise e, de imediato, foi confeccionado um laudo preliminar, que foi encaminhado ao médico legista e ao delegado do caso.

CONCENTRAÇÃO E CONTAMINAÇÃO

Ainda segundo a perita Daniela de Paula, descartada a possibilidade de ser um óleo vegetal, os trabalhos foram direcionados a identificar qual era a substância que causou a morte do casal. Foram encontradas duas substâncias nesse suposto óleo de semente de abóbora: a glicerina e o dietilenoglicol. Para atestar se era realmente o mesmo composto que contaminou o lote de cervejas, a perícia técnica da Polícia Civil mineira foi solicitada para enviarem os parâmetros da substância. Feita a análise, foi comprovado e constatado o dietilenoglicol no produto comprado por Rosineide e Willis.

Polícia
Um litro do produto era vendido por mais de R$ 600 reais em sites de compra e venda na internet. (Divulgação/Polícia Civil)

Com a substância identificada, a perícia investigou a quantidade presente nas amostras. Para surpresa até mesmo dos peritos e legistas, a concentração estava muito acima da permitida pela legislação vigente no país.

"A partir daí foi desenvolvida uma técnica para que a gente pudesse quantificar a quantidade deste produto em questão. Na glicerina, é permitido ter até 0,10% de dietilenoglicol na composição, nestes casos para o uso oral. Foi identificada a quantidade de 13% de dietilenoglicol na formulação. A glicerina em si também é um medicamento e usada em alguns xaropes de paracetamol e outros. Em resumo, é como se em 100 ml's de glicerina, encontramos 13 ml's de dietilenoglicol", detalhou Daniela de Paula.

Além do falso óleo de semente de abóbora, no laboratório clandestino eram feitos cosméticos sem qualquer tipo de controle, desta forma é provável que tenha ocorrido uma contaminação por produtos diferentes ou até mesmo a rotulagem equivocada do que estava sendo envasado.

"Nesta mesma empresa, o responsável desenvolvia outras atividades, como cosméticos. Então ele tinha uma série de produtos que também eram vendidos pela internet. A gente acredita que ele possa ter misturados os ingredientes ou cometido um erro na hora de rotular e acabou vendendo uma substância por outra. A produção era completamente artesanal e ele não tinha formação alguma na área. Simplesmente achou que poderia envasar e vender", disse Rodrigo Rosa.

CAUSA PRINCIPAL

Com a identificação e quantificação alcançadas, a polícia chegou a trágica conclusão de que o casal fez ingestão de um produto altamente nocivo e que desencadeou uma série de complicações que levaram os dois à morte.

Rosineide Dorneles Mendes e o cozinheiro Willis Pena de Oliveira, que morreram na Serra
Rosineide Dorneles Mendes e o cozinheiro Willis Pena de Oliveira, que morreram na Serra. (Reprodução/ Facebook)

"Com o auxílio de toda a polícia, principalmente do setor de toxicologia, concluímos que o senhor Willis e a senhora Rosineide foram intoxicados pelo dietilenoglicol, visto que sintomas relatados foram os mesmos observados nos pacientes de Belo Horizonte (caso da Cervejaria Backer). Na fase inicial, eles sentiram náuseas, vômitos e fraqueza. Após 10 dias com os sintomas e começando a desenvolver outros, como paralisia facial, alterações no sistema nervoso central e dificuldade para respirar, eles deram entrada na UPA da Serra e foram encaminhados ao Dório Silva. Avaliando o prontuário deles, vimos que batia com a substância. No exame cadavérico, como permaneceram muito tempo internados, constatamos que faleceram por complicações da internação devido à intoxicação pelo dietilenoglicol. Ficou claro que essa foi a causa principal", disse o médico legista Leandro Amorim.

INVESTIGAÇÕES

A conclusão do inquérito não representa o fim do caso. Segundo o delegado responsável, o site em que o óleo era vendido já foi contatado para informar se mais pessoas compraram o produto e, consequentemente, fazer a identificação de outros contaminados.

"Esse produto responsável por essa alta toxicidade é o mesmo que causou aquelas mortes referentes à Cervejaria Backer - dietilenoglicol, de grande repercussão nacional. É até difícil acreditar que não existiram mais casos, visto ser um produto comercializado pela internet, mas graças à nossa capacidade do laboratório e o auxílio da medicina legal, conseguimos achar quantidades bastante superiores para esse produto em questão", salientou Fabrício Pelição, chefe do Departamento de Laboratório Forense da Polícia Civil do Estado.

Já o homem preso foi autuado pelos crimes de estelionato, crime contra relações de consumo e por falsificação de produtos terapêuticos. As penas somadas podem chegar a 25 anos. O chefe do 12º distrito vai solicitar também a prisão pelo duplo homicídio do casal, comprovado ser pelo uso da substância em questão.

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