A partir do esquema que desviou cerca de R$ 1 milhão dos cofres da hospital filantrópico da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, um ex-gerente da instituição gastou mais de R$ 90 mil em materiais de construção para a reforma de um sítio de alto padrão, segundo a Polícia Civil. O imóvel fica em Marechal Floriano, onde o suspeito foi preso.
O sítio contava, segundo o delegado Janderson Lube, da Diretoria Estadual de Combate à Corrupção (Decor), com piscina, área de churrasco, área verde e uma casa com três quartos, um bem considerado incompatível com a renda mensal do ex-gerente na Santa Casa, que variava entre R$ 3 mil e R$ 5 mil.
De acordo com as investigações, a soma dos salários dos funcionários fantasmas e gratificações variava entre R$ 25 mil e R$ 80 mil por mês. A maior parte ficaria com Jasiel Souza Câmara, apontado como líder do esquema. Ele era gerente de RH da Santa Casa. Segundo a polícia, existiam dois tipos de fraudes.
Na primeira, empregados da instituição recebiam gratificações sem trabalhar a mais por isso. Os benefícios iam desde insalubridade a horas extras não realizadas. Foram seis funcionários que estavam envolvidos no esquema, em sua maioria, colegas do mesmo setor do gerente de RH. Eles são investigados e ainda serão ouvidos pela Polícia Civil.
"Esses funcionários repassavam entre 80% a 90% do que recebiam dessa gratificação para o ex-gerente, que liderava o esquema. A outra parte do dinheiro ficava com eles. Essa fraude começou em setembro de 2019 e durou até setembro de 2020, quando a direção da Santa Casa identificou a irregularidade e demitiu o ex-gerente. Parte desses funcionários, que receberam indevidamente as gratificações, foi demitida também, mas uma parte ainda atua na instituição", revelou o delegado.
Com a pandemia de Covid-19, a partir de março de 2020, o então gerente de RH teria dado início a um novo esquema. Aproveitando que parte dos funcionários atuava de forma remota, o que dificulta o controle dos diretores para saber quem está trabalhando ou não, foram contratados sete pessoas que nunca prestaram serviços para a Santa Casa.
Um construtor de Marechal Floriano foi o responsável por encontrar os sete laranjas dispostos a fazer parte do esquema. Ele selecionava pessoas interessadas a serem "contratadas", que ficavam com uma renda que representava de 10% a 20% dos salários, enquanto repassava o restante para os mentores do esquema.
Na sexta-feira, quando foi deflagrada a Operação RH, a Polícia Civil esteve na casa desse suspeito mas não o encontrou. Ele tem mandado de prisão temporária e é acusado de estelionato e falsificação ideológica. Ele ainda está foragido.
"Por conta do trabalho remoto, esse gerente conseguiu incluir no sistema de custos da Santa Casa essas sete pessoas que recebiam salários altos, entre R$ 19 mil e R$ 25 mil. Parte desses valores ficava com o líder do esquema e um percentual ficava com essas pessoas. Foram criadas contas bancárias para estes fantasmas. Parte destes recursos nós pedimos o bloqueio judicial das contas para conseguir recuperá-los para a instituição", disse Janderson.
Além das nomeações de fantasmas e distribuição de gratificações a colegas de setor, o ex-gerente também teria desviado R$ 673 mil em dinheiro em espécie do caixa da Santa Casa. De acordo com o delegado, o funcionário ocupava cargo de confiança na instituição e trabalhava desde 2015 nos Recursos Humanos da irmandade. Por conta disso, ele tinha acesso ao dinheiro que era recebido pela instituição.
"Essa foi a primeira irregularidade que nós identificamos, que começou em janeiro de 2019. Só deste desvio, foram subtraídos R$ 673 mil. O ex-gerente responderá pelos crimes de estelionato e falsidade ideológica. Ele foi preso na sexta-feira, após uma longa investigação, em que buscamos rastrear para onde esse dinheiro ia e de onde ele vinha. O esquema foi descoberto pela própria instituição, em setembro de 2020, que o demitiu e denunciou o caso à Polícia Civil. Ele era funcionário desde 2015 e já tinha atuado em outros hospitais, como o Jayme dos Santos Neves e o Hospital Evangélico. Por enquanto, não há indícios de irregularidades nesses outros locais", conta o delegado.
De acordo com Janderson Lube, não há, por enquanto, indícios do uso direto de verbas públicas - que a Santa Casa de Misericórdia de Vitória recebe para o atendimento ao SUS -, pelo esquema desenvolvido pelo ex-gerente. A irmandade é uma das instituições mais antigas do Espírito Santo, fundada em 1545, pelo então donatário da capitania capixaba, Vasco Fernandes Coutinho.
O advogado de Jasiel Souza Câmara no caso, Daniel Alves, disse que o ex-gerente prestou depoimento na sexta-feira (24), quando foi preso e que a defesa vai mostrar durante o decorrer do processo que os fatos não são como o que foram divulgados pela Polícia Civil.
"O que podemos dizer, é que ele prestou um depoimento importante e esclarecedor para a Polícia Civil na sexta-feira. Não posso passar mais detalhes porque a investigação ainda está sob segredo de Justiça", afirmou.
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