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Venezuelano vai para a UTI após ser agredido por morador de rua no ES

Venezuelano vai para a UTI após ser agredido por morador de rua no ES

Confusão ocorreu no dia 30 de janeiro em um posto de combustível de Vitória, porém o suspeito só foi preso nesta sexta-feira (11). Vídeo mostra a agressão com barra de ferro

Publicado em 11 de fevereiro de 2022 às 18:53

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Agressão a venezuelano em posto
Agressão a venezuelano em posto. (Câmeras de monitoramento do porto)

Um venezuelano de 29 anos, que está no Espírito Santo com visto humanitário, foi agredido com uma barra de ferro por um morador de rua na área de atendimento de um posto de gasolina, em Vitória. O fato aconteceu na noite do dia 30 de janeiro e ele segue internado, em estado grave, na UTI do Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE) - o antigo São Lucas.

O jovem e a esposa, de 24 anos, são ex-funcionários do posto. No dia da agressão ela ainda atuava no local, trabalhando em serviços gerais. Ela só soube da agressão e internação do rapaz na segunda-feira (31). “Não imaginei que fosse tão grave. Fiquei impactada quando vi a situação. Não sabia o que fazer”, relatou.

As imagens das câmeras de monitoramento mostram o momento em que o venezuelano (com camisa e bermuda preta) deixa a loja de conveniência do posto. Logo em seguida, a discussão entre os dois fica mais acalorada e ele desfere um soco no rosto do morador de rua (que está sem camisa e com uma mochila nas costas). Confira:

O encarregado do posto (de camisa branca) tenta apartar a briga, sem sucesso. Na sequência, eles continuam a discussão e há uma nova tentativa para de evitar o confronto. É neste momento que o morador de rua promove a agressão que leva o venezuelano ao chão, onde ele permanece caído.

As informações são de que eles estavam em uma conversa e houve um desentendimento que levou a discussão. Os fatos aconteceram a partir das 21h05 do dia 30. Os funcionários do posto acionaram o Samu, que socorreu o venezuelano para o Hospital Estadual de Urgência e Emergência, onde ele segue internado a UTI.

O laudo médico aponta que ele teve traumatismo intracraniano. “O médico informou que o estado dele é bem grave. Ele teve afundamento de 2 centímetros no crânio. Há uma grande possibilidade dele ficar com sequelas”, relatou a esposa, de 24 anos.

O nome do casal não está sendo divulgado a pedido da família e também por ele ter sido vítima de uma agressão.

Venezuelano espancado
Venezuelano segue internado na UTI do HEUE. (Arquivo família)

CASAL TRABALHAVA NO POSTO E FOI DEMITIDO

De acordo com a esposa, naquela semana o marido estava trabalhando à noite e era comum ele não retornar para casa por falta de ônibus. “Ele me esperava chegar no dia seguinte e às vezes seguia para a praia. Ficava por aqui até o próximo turno. No dia da agressão ele estava de folga e resolveu ficar lá para esperar o turno da manhã de segunda, quando eu trabalharia”, relata.

Ela informa que soube da agressão sofrida por seu marido no dia seguinte, momento em que acabou sendo demitida. “Foram os colegas de trabalho que me falaram da agressão. No mesmo dia eu fui demitida. Dois dias depois eles me informaram que meu marido, que está no hospital, também tinha sido demitido”, relatou.

A esposa está há quatro meses no Espírito Santo. Veio de Manaus com os filhos de 2 e 4 anos. Há dois meses também veio o marido. Ela chegou a trabalhar em um restaurante por um mês, depois conseguiu o emprego no posto. No mesmo local ela conseguiu uma vaga para o marido, que atuava como frentista.

A família morava em Ciudad Bolívar, mas de lá fugiu há 4 anos em decorrência da crise econômica e política vivida pela Venezuela. Fugiram para Manaus. O marido veio primeiro e, posteriormente, ela veio com os filhos e a  sogra.

MÃE DE AGREDIDO VEIO PARA ESTADO COM VAQUINHA DE AMIGOS

A mãe do venezuelano agredido, que estava em Manaus, conseguiu vir para o Estado com ajuda de amigos, que realizaram uma vaquinha para que ela comprasse a passagem. “Quando recebi a ligação da minha nora, fiquei desesperada. O médico falou que a gravidade é extrema”, relatou.

Ela já perdeu outros dois filhos. “O mais velho foi sequestrado e nunca mais encontrado. E o meu caçula morreu em um acidente de carro. Só fiquei com um casal. É difícil a dor de perder outro filho”, desabafa a mãe.

A família mora em um bairro da periferia de Vitória, em uma casa alugada. O imóvel abriga o casal de venezuelanos e seus dois filhos, a mãe do jovem agredido que veio de Manaus, e uma irmã da esposa, com o filho de um ano e onze meses. “Estamos todos desempregados e vivendo de doações. A situação é muito difícil”, desabafou a esposa do jovem agredido.

POLÍCIA CIVIL PRENDE AGRESSOR

A agressão ocorreu às 21h05 do dia 30 de janeiro. No dia, apenas o Samu foi acionado para o socorro. A Polícia Militar não foi acionada. O venezuelano foi conduzido ao HEUE que, segundo a esposa do rapaz, não fez o comunicado para a polícia. “Eles não acionaram ou comunicaram a polícia”, disse.

Foi só nesta quinta-feira (10) que a família procurou a Divisão de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vitória para fazer a denúncia. A esposa e a mãe do agredido foram acompanhadas pelos advogados Gilberto Passos e Murilo Carpaneda.

Delegado Marcelo Cavalcanti
Delegado Marcelo Cavalcanti. (Isaac Ribeiro)

Na manhã desta sexta-feira (11), o titular da Divisão da DHPP de Vitória, delegado Marcelo Cavalcanti, abriu inquérito e realizou operação policial na Praia do Canto que resultou na prisão temporária de Gleydson Balbino Regosino, 37 anos.

“A tentativa de homicídio atingiu um cidadão venezuelano, o qual foi covardemente espancado com uma barra de ferro, estando internado em hospital deste município. A motivação do crime seria uma discussão entre a vítima e o suspeito”, informou o delegado, que contou com o apoio da delegada Fernanda Diniz.

Em interrogatório, o investigado afirmou que teria sido agredido pela vítima, e que esta se lesionou por conta própria em um material reciclado que estaria com ele no momento da infração. O acusado foi encaminhado ao Centro de Triagem de Viana, onde permanece à disposição da Justiça.

Gleydson Balbino Regosino, 37 anos, acusado de agredir um venezuelano na praia do canto
Gleydson Balbino Regosino, 37 anos, agrediu o venezuelano. (Foto leitor)

DONO DO POSTO INFORMA QUE AGREDIDO CONHECIA O MORADOR DE RUA

O proprietário do posto de combustível onde ocorreu a agressão, Anderson Basílio, informa que os fatos aconteceram na área do posto, mas nega que o venezuelano estivesse trabalhando naquele momento.

Ele explica que o rapaz começou a trabalhar como frentista no dia 9 de dezembro de 2021, mas a sua contratação enfrentou dificuldades porque seu cadastro não era aceito no E-Social - plataforma do governo federal que unifica o envio das informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. “Acusava que ele precisava fazer a carteira de registro nacional, e sem ela não conseguimos fazer a contratação”, explica Basílio.

Eles informaram o problema ao venezuelano, que chegou a ir à Polícia Federal para buscar uma solução. “Fizemos um novo contrato e aguardamos do dia 9 ao dia 16 de janeiro, mas o problema não foi solucionado e ele foi dispensado no dia 29, um dia antes da agressão”, relata Basílio.

Em relação a esposa do venezuelano, ele informa que o contrato dela venceu no dia 31 e que ela foi dispensada em decorrência do seu desempenho profissional. “Não tem nenhuma relação com os fatos. Já contratamos vários venezuelanos e ainda temos dois trabalhando no posto. Todos os funcionários recebem o mesmo tratamento, independente de sua nacionalidade”, destacou Basílio.

Em relação a agressão, ele informou que o morador de rua vive nas imediações do posto. “O morador de rua não vive no posto ou toma banho aqui, até porque não temos instalações para isto. Nosso encarregado tentou evitar a agressão, mas infelizmente não foi possível”, pontuou Basílio.

Entre os funcionários, o relato é de que o casal de venezuelanos teria se desentendido e que ela o pôs para fora de casa. Em função disto, ele estaria vivendo nas ruas e por isto estava no posto fora do seu turno de trabalho. A esposa nega esta versão dos fatos.

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS ACOMPANHA O CASO

A Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) acompanha o caso. A presidente, Brunela Vincenzi, coordena ainda um projeto de Pesquisa e Extensão em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU),  chamado Cátedra Sérgio Vieira de Mello, voltado para o acompanhamento de refugiados de situações de catástrofe e casos humanitários.

Ela destaca que o HEUE, ao receber o rapaz agredido, deveria ter comunicado à Polícia Militar para que a investigação fosse feita, segundo o que determina a Portaria 1.271, de 2014, do Ministério da Saúde.

“A notificação é compulsória para qualquer dano à integridade física ou mental do indivíduo, provocado por circunstâncias nocivas, tais como acidentes, intoxicações por substâncias químicas, abuso de drogas ou lesões decorrentes de violências interpessoais, como agressões e maus tratos, e lesão autoprovocada. Não cabe ao hospital decidir o que é ou não crime. Sem a notificação, a investigação só começou quando a família procurou a polícia”, informou.

Foi a Comissão de Direitos Humanos que viabilizou os advogados que estão auxiliando a família. Eles também oferecem acompanhamento psicológico e humanitário. Ela avalia que o que ocorreu com o casal pode ser um caso de xenofobia. “Imagino que pensam que o casal tem menos direitos, ou não vai acessar os seus direitos por serem de outra nacionalidade”, ponderou.

O advogado Gilberto Passos avalia ser nula a rescisão do contrato de trabalho do rapaz. “Vamos mover uma ação trabalhista porque ele tem seus direitos, inclusive agora que não poderá retornar ao trabalho”, explica. Ele também acompanha o desenrolar das investigações da Polícia civil.

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