Carla Cristina queria ter um perfil em uma rede social, como tantas jovens de 25 anos. Mas a dona de casa era proibida pelo próprio namorado, que tinha um ciúme possessivo pela mulher. Com medo, a moça resolveu criar o perfil escondida e, ao ser descoberta, foi obrigada a entregar as senhas para que William pudesse vigiá-la. O trágico fim dessa história aconteceu na última quarta-feira (17). Assassinada com um canivete, Carla entrou para a estatística das mulheres vítimas de feminicídio do Estado.
A primeira vista, a proibição da rede social pode não parecer tão importante diante do crime cometido na quarta-feira. Mas ao prestar atenção, é possível perceber que assim como no caso de Carla muitas mulheres agredidas e assassinadas por seus companheiros vivem relacionamentos abusivos que apresentavam sinais de perigo antes mesmo do ato de violência física em si.
SINAIS
De acordo com especialistas, é comum que homens acusados de feminicídio e agressões domésticas tenham ficha limpa na polícia e sejam vistos pela sociedade como pessoas acima de qualquer suspeita. O comportamento violento desses agressores vai aparecendo de forma progressiva e sutil.
Como em qualquer conto de fadas, os homens tendem a ser românticos, compreensíveis e cuidadosos durante o período de conquista. Mas com o tempo, por meio de situações de ciúme, domínio e opressão, os agressores começam a mostrar sinais de quem realmente são e o perigo que representam à integridade emocional, física e psicológica dessas mulheres.
MACHISMO
A promotora de Justiça Cláudia dos Santos Garcia, coordenadora estadual do Núcleo Estadual de de Enfrentamento às Violências de Gênero e em Defesa os Direitos das Mulheres, do Ministério Público, explica que casos de violência contra as mulheres partem do fato de que esses homens enxergam suas parceiras como propriedades.
A violência é fruto de machismo, da sociedade patriarcal. Em geral, mulheres morrem porque o homem está com ciúmes, não aceita o término do relacionamento, não aceita que a mulher ocupe novos espaços, afirma.
COMO PERCEBER COMPORTAMENTOS ABUSIVOS?
A pergunta que paira na cabeça de muitas mulheres é: como posso saber se estou em um relacionamento abusivo? A dúvida é comum, uma vez que muitas sentem medo, vergonha, e possuem a autoestima atacada por seus parceiros, fazendo com que elas possam demorar a perceber ou denunciar a violência que estão sofrendo.
Especialistas explicam que o sentimento de posse desses agressores começa a aparecer quando o homem passa a tomar decisões pela mulher e controlar seus horários, roupas, atividades e, como foi o caso de Carla Cristina, o celular e redes sociais. A professora da Ufes e coordenadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência Contra a Mulheres no Espírito Santo, Brunela Vincenzi, ressalta que a Lei Maria da Penha lista cinco tipos diferentes de violência: física, psicológica, patrimonial, moral e sexual.
Mostro na minha aula que pedir o salário da mulher no fim do mês, por exemplo, é um tipo de violência, a patrimonial. É necessário admitir os fatos e conscientizar as pessoas, disse.
Em relacionamentos tóxicos o homem é agressivo nas palavras, faz constantes ameaças, xinga durante discussões e faz ataques à confiança e autoestima da mulher. Eles também podem ser manipuladores ao inverter situações de briga, se colocar como vítimas e fazer a mulher acreditar que é culpada pelas agressões que sofre.
É uma escalada. Quando conversamos com as vítimas, vemos que tudo inicia-se com uma violência psicológica, depois moral, depois parte para uma agressão física ou sexual. Pesquisas indicam que é difícil haver uma tentativa de homicídio isolada, explica a promotora de Justiça Cláudia Garcia.
SILÊNCIO PERIGOSO
Especialistas orientam: Ao perceber qualquer um desses sinais, a mulher precisa buscar ajuda e denunciar o agressor. Infelizmente, essa situação nem sempre é realidade. Muitas mulheres que sofrem abusos silenciam-se e sentem dificuldades em buscar ajuda para sair desses relacionamentos.
A delegada Cláudia Dematté, chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher explica que esse silenciamento muitas vezes é motivado por vergonha. Muitas se calam por vergonha da própria família, dos vizinhos, dos amigos, de ser julgada, por causa dos filhos, afirma.
O comportamento da vítima também é fruto de um relacionamento abusivo que vai piorando gradativamente. Em muitas situações, quando começam os comportamentos tóxicos, as mulheres começam a se isolar, entram em depressão e desenvolvem, até mesmo, fobia social. A vontade que o homem mude, motivada pelo sentimento envolvido, também é motivo para muitas mulheres ficarem.
Quanto mais a mulher não reage, mais o homem ganha confiança para aumentar a violência. Por isso, ela deve denunciá-lo o quanto antes. Mesmo que não queira representar contra ele, existem medidas protetivas que podem ajudá-la, alerta a titular do Delegacia Especializada Atendimento à Mulher (Deam) de Vitória, Juliana Saadeh.
A psicóloga Adriana Salezze explica que mulheres presas em relacionamentos abusivos na maioria das vezes realmente não percebem ou demoram muito a perceber. Quando veem a realidade, passam a sentir medo de denunciar seus parceiros. As mulheres ficam muito presas à emoção, a paixão, e ficam um pouco cegas. Depois de um determinado momento, quando conseguem perceber, passam a ter medo de sair da relação por questões emocionais, de insegurança, incerteza do que vai vir, questões legais e jurídicas e, até mesmo, medo que a justiça demore muito a ser feita, assinala.
Para essas vítimas, que ainda permanecem em silêncio, a terapeuta familiar deixa um alerta. Se você passa a sentir medo da pessoa com quem você está, receio de se expressar, medo de reações explosivas e impulsivas dessa pessoa já pode ligar o sinal de alerta, aconselhou.
Salezze conceitua a relação abusiva como aquela em que há um excesso de poder, um desejo de controlar e dominar o outro. Nessas relações não existe confiança, não existe respeito, não existe liberdade individual, não existe uma socialização saudável, questões que são fundamentais pra ter um relacionamento saudável, ressalta.
COMO AJUDAR UMA VÍTIMA?
Familiares e amigos geralmente percebem o perigo antes das vítimas. Nesse momento, podem se sentir inseguros quanto sobre qual postura assumir, já que não deve-se calar diante de situações de abuso, mas também é preciso ter sabedoria para a própria proteção da vítima. Adriana Salezze chama atenção para o fato de que é importante que a pessoa abusada tenha uma rede de apoio fortalecida.
A promotora Cláudia Garcia também ressalta que no momento certo é preciso agir. Ouça sem julgá-la e, no momento certo, encaminhe-a para os serviços de ajuda, aconselha.
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