É falso que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sofre de um câncer e que ele não tenha sido alvo de uma facada. O boato sobre a doença já havia viralizado outras vezes nas redes sociais e voltou a ser compartilhado após a cirurgia a que Bolsonaro foi submetido no domingo, 8.
A intervenção médica foi a quarta desde 6 de setembro de 2018, quando o então candidato à presidência da República foi vítima de uma facada durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). A cirurgia, para corrigir uma hérnia, foi realizada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo.
As informações foram checadas pelo projeto Comprova, coalizão que reúne 24 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações relacionadas a políticas públicas do governo federal. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de GaúchaZH, Jornal do Commercio, Estadão, Folha de S. Paulo e Poder360.
Em entrevista à revista Veja na sexta-feira, 6, o cirurgião geral responsável por esta e outras duas cirurgias no presidente, Antônio Macedo, refutou qualquer possibilidade de Jair Bolsonaro ter câncer. Vou acabar com qualquer dúvida. Não havia tumor nenhum dentro da barriga do presidente. O que tinha era trajeto de facada, afirmou.
No ano passado, o Comprova verificou o conteúdo de publicações que viralizaram após o médico falar, em tom de brincadeira e fazendo referência aos boatos que já circulavam na internet, sobre um câncer de intestino de Bolsonaro.
Um tuíte publicado no domingo, 8, alega que hoje foram 5h em uma cirurgia de hérnia, em um hospital especializado em câncer e 2 oncologistas participaram da cirurgia.
De fato, o procedimento levou mais tempo do que as duas horas que eram previstas; começou às 7h35 e terminou às 12h40. Apesar disso, o post exagera ao afirmar que a unidade de saúde é especializada em câncer. Ao Comprova, a assessoria de imprensa da instituição afirmou que trata-se de um hospital geral, referência em oncologia, cardiologia, neurologia e cirurgias.
Além disso, não há especialistas em oncologia na equipe médica responsável pela cirurgia. O cirurgião geral Antônio Macedo e o cardiologista Leandro Echenique são os mesmos que acompanharam outros dois procedimentos cirúrgicos no presidente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, um ainda em setembro de 2018 e o outro em janeiro de 2019.
Esta verificação do Comprova checou informações de uma publicação do perfil @robertabastosn no Twitter. A postagem foi feita no dia 8 de setembro, quando foi realizada a cirurgia de Bolsonaro. Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o Hospital Vila Nova Star, onde Bolsonaro fez a cirurgia, e com o Palácio do Planalto. Também consultamos os boletins médicos divulgados após as quatro cirurgias às quais o presidente foi submetido.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
Bolsonaro tem câncer?
O cirurgião Antônio Macedo negou que Bolsonaro tenha câncer na entrevista publicada pela revista Veja na última sexta-feira, 6. Em outubro do ano passado, em entrevista ao G1, o médico também desmentiu os boatos.
Ele não tem câncer nenhum. Ele sofreu uma facada, uma tentativa de assassinato, disse. Macedo enfatizou que ele nunca teve câncer e classificou como completamente ignorantes os autores dos rumores. Macedo destacou, à época, que não é oncologista, e sim cirurgião-geral do aparelho digestivo.
O médico foi gravado pela TV Record dias depois dessa entrevista, ao fazer uma brincadeira sobre as publicações que viralizaram. O cirurgião afirmava, aos risos, antes de fazer um exame na casa de Bolsonaro, que operou um câncer no intestino dele. Depois, como o Comprova mostrou, foram compartilhados no Twitter trechos do vídeo com legendas enganosas que diziam que o presidente realmente estava com câncer.
O assunto voltou a viralizar em fevereiro de 2019, quando Bolsonaro estava internado após passar por mais uma cirurgia. O porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, leu uma nota em que a equipe médica esclarecia que ele não tinha câncer.
O Palácio do Planalto foi questionado na segunda-feira, 9, pelo Comprova e respondeu, por e-mail: Sem comentários.
Esse boato foi publicado em contas no Twitter e no Facebook após a facada. Em julho de 2019, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em entrevista, questionou a veracidade do ataque sofrido pelo presidente por não ter visto sangue. Ao rebater, Bolsonaro perguntou: Alguém acha que eu teria grana e influência para armar isso?. À BBC, em agosto, Lula reafirmou que não acredita que o presidente foi esfaqueado.
A dúvida sobre a ausência de sangue fora do corpo de Bolsonaro após a facada foi levantada ainda no dia 6 de setembro de 2018. Não é um sangramento como se vê em televisão, que fica aquela roda de sangue. O que sangrará é para dentro do abdômen. Ele poderia ter perdido um volume muito maior, e não seria exteriorizado para o corpo, explicou ao Estadão o cirurgião Luiz Henrique Borsato, que operou o presidente na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora.
Ao contrário do que afirma a publicação, nenhum dos médicos responsáveis pelo procedimento é oncologista. Antônio Macedo, que chefiou três cirurgias, é presidente do Conselho de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, mas é cirurgião geral e todos os seus prêmios e publicações são nessa área. Ele também foi responsável por diversas cirurgias de pacientes com câncer, como Hebe Camargo, entretanto, esta não é sua especialidade.
Leandro Echenique é cardiologista. Antônio Antonietto, que também assina o boletim médico, é sanitarista e diretor do hospital. Além deles, aparece o nome do médico da presidência da República, Ricardo Peixoto Camarinha, que é cardiologista, segundo informou o Planalto ao Comprova.
Por que a cirurgia durou cinco horas?
Em coletiva de imprensa após a cirurgia deste domingo, 8, o médico Antônio Macedo explicou que as aderências ou seja, ligações devido às cicatrizes no intestino de Bolsonaro levaram a um tempo maior do que o previsto de cirurgia.
Normalmente uma hérnia não demora tudo isso que demorou, mas a gente não contava que tinha aderido tudo de novo em relação à cirurgia de 28 de janeiro. Isso que é que faz ir com muito cuidado, porque você não pode machucar o intestino sob hipótese nenhuma, afirmou.
A gente fala que vai durar duas horas. Mas vai durar o que é necessário. Se precisar durar quatro, que demore. O importante é ficar bem feito, disse ainda.
Por e-mail, o Hospital Vila Nova Star afirmou que conforme o cirurgião-chefe Dr. Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo disse na coletiva de imprensa, cada caso é único e deve ser avaliado separadamente. Neste caso, o procedimento durou o suficiente para ser bem-sucedido de acordo com a técnica utilizada e obter o melhor resultado no quadro clínico do paciente.
Por que Bolsonaro fez uma quarta cirurgia?
Após três cirurgias no abdômen (músculo que segura os órgãos dentro da barriga) em virtude do ataque a faca em Juiz de Fora (MG), a região ficou enfraquecida. Parte do intestino, então, escapou para fora da parede do músculo abdominal esse escape recebe o nome de hérnia. A quarta cirurgia foi feita para corrigir esse problema.
Macedo destacou que a hérnia incisional, caso de Bolsonaro, é considerada um evento relativamente prevalente após laparotomias (cirurgias no abdômen).
O presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia da Parede Abdominal (SBH), Christiano Claus, explicou em uma publicação no site da organização que esse tipo de hérnia aparece em cerca de 10% a 15% dos pacientes no mesmo lugar que uma cirurgia anterior.
Quais foram as outras cirurgias feitas por Bolsonaro?
Bolsonaro ficou internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, entre os dias 27 de janeiro e 13 de fevereiro, para realizar a cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal.
A primeira cirurgia à qual o presidente foi submetido ocorreu no dia do atentado, em um hospital em Juiz de Fora. Bolsonaro precisou receber quatro bolsas de sangue e implantou uma bolsa de colostomia.
A segunda cirurgia ocorreu dias depois, em São Paulo. Neste procedimento, os médicos reabriram o corte da primeira cirurgia e encontraram uma parte do intestino obstruída.
Em janeiro, o presidente realizou a terceira cirurgia, em São Paulo, para retirar a bolsa de colostomia e fazer uma ligação no intestino.
Após a cirurgia, Antônio Macedo afirmou que as chances de Bolsonaro voltar a ter uma hérnia são pequenas. As hernioplastias incisionais, como essa hérnia, têm um índice de recidiva, mas não é superior a 6%, explicou na coletiva de imprensa. O tecido que nós conseguimos unir e reforçar é um tecido já bem mais vivo do que na cirurgia de 28 de janeiro. Ele está bem mais musculoso, bem mais forte, bem mais nutrido, enfatizou.
Repercussão nas redes
O post do perfil @robertabastosn no Twitter tinha 2 mil retweets e 10,2 mil curtidas em 10 de setembro, dois dias após ter sido publicado.
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