A cor da pele ou a raça com a qual uma pessoa se reconhece pode carregar subjetividades, mas é curioso constatar que, num período de quatro anos, tantos candidatos tenham mudado a percepção sobre eles mesmos. Em um levantamento feito por A Gazeta, cruzando dados das eleições municipais de 2020 e 2024, ao menos 800 concorrentes, de 3.490 identificados em ambas as disputas junto à Justiça Eleitoral, mudaram a declaração de cor no Espírito Santo de um pleito para outro.
A alteração atinge um a cada cinco pessoas que tentam uma vaga nas prefeituras ou câmaras municipais capixabas. O número pode variar já que informações são adicionadas ou corrigidas na plataforma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com frequência. Ao todo, o Estado tem 9.856 registros de candidaturas neste ano.
Conforme apuração da reportagem, brancos passaram a se declarar pretos, e o contrário também acontece, somando 15 casos. Ainda apareceram dois indígenas entre candidatos que, antes, se diziam de outra etnia, e uma candidata na disputa para vereadora que mudou de branca para amarela, cor atribuída a pessoas de origem oriental. As fotos registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nem sempre revelam as características que, agora, esses postulantes a um mandato em prefeituras e câmaras municipais dizem ser inerentes a eles.
Das mudanças observadas, o maior volume é de candidatos que, em 2020, diziam ser pardos e, para esta eleição, se declararam brancos. Ao todo, chegam a 300. Há também uma quantidade expressiva no movimento contrário: 240 que se reconheciam como brancos e, agora, se identificaram como pardos. Entre pretos e pardos também houve alterações de um lado para o outro, mas ambos são classificados como negros.
Vale destacar que os candidatos negros têm o direito de usufruir de cotas eleitorais específicas, e ser identificado nesse grupo pode garantir esse benefício. Contudo, é bom lembrar que o TSE publicou uma resolução em fevereiro na qual determina que, caso mude sua declaração para preto ou pardo, o candidato seja intimado para confirmar a alteração. Se admitir erro ou não houver manifestação, ele não poderá receber os recursos destinados pelas cotas. Confira as mudanças de cor/raça registradas:
Esse movimento de mudança de cor não ocorre só no Espírito Santo. Dados do TSE de agosto, conforme informações levantadas pela Folha de S. Paulo, indicam que pelo menos 42 mil candidatos mudaram a declaração neste ano, em comparação com o pleito anterior, representando quase 10% de todas as candidaturas inscritas no país.
O doutor em Ciência Política Cloves Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e membro da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais), destaca que desde os anos 2000 a classificação racial se tornou um critério fundamental no acesso a políticas públicas.
"Não é algo subjetivo se classificar como preto, pardo, branco, indígena ou quilombola no Brasil hoje. Isso significa uma disputa por recursos e é nesse sentido que entram todos os debates que estão na ordem do dia sobre em que medida essas classificações raciais retratam a identidade social dessas pessoas", diz o especialista.
Para Cloves, enquanto a mudança de autodeclaração de branco para pardo indica "afroconveniência", a de pardo para branco significa um "ajuste de conduta para evitar danos de execração pública de ter declarado uma cor que não é reconhecida socialmente". Já a de pardo para preto aponta para a afirmação da identidade política.
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do livro "Raça e Eleições no Brasil", Carlos Machado faz uma leitura diferente sobre a autodeclaração. Para ele, a informação sobre raça é subjetiva e pode ser alterada tanto pelo reconhecimento de uma identidade quanto pela pressão de grupos ou também em busca de algum tipo de ganho.
"O fato de a maior parte dessas mudanças se dar de brancos para pardos indica que tem esse possível viés de algum tipo de ganho eleitoral, mas ainda assim é importante notar que tem pessoas pardas se identificando como brancos, ou seja, tem aí um processo que não é em um único sentido", observa o professor.
Machado diz ainda ser questionável a leitura de que a mudança visa ao acesso a recursos, já que a distribuição não tem sido cumprida pelos partidos.
Com informações de Folhapress
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