Nas salas de aula, as crianças aprendem logo cedo que o Espírito Santo tem 78 municípios. Mas os contornos do mapa político do Estado nem sempre foram assim desenhados. Os limites do território passaram por muitas mudanças ao longo do tempo. Uma das mudanças significativas aconteceu justamente com o movimento de Independência do Brasil, que completa 200 anos neste 7 de setembro.
São Mateus, uma das principais cidades do Norte capixaba, por exemplo, já pertenceu à Bahia e somente voltou ao Espírito Santo após a Independência do Brasil. Conceição da Barra não existia como é conhecida hoje e compunha o território mateense.
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Esse é apenas um recorte das celebrações do bicentenário da Independência. No momento em que o país reflete sobre os 200 anos que se passaram desde que deixou de ser colônia de Portugal, em 1822, A Gazeta resgata também a história capixaba.
À época da independência, segundo o professor de História Rodrigo da Silva Goularte, o Espírito Santo era formado pelas seguintes vilas:
Portanto, naquele período, São Mateus não fazia parte do Espírito Santo. Na verdade, desde 1764 o município integrava a capitania de Porto Seguro que, depois, passou à Bahia (com Conceição da Barra).
Segunda vila mais antiga do Estado, São Mateus foi fundada em 1544, mas os primeiros povoados surgiram apenas em 1774, no ciclo do ouro brasileiro, e quando a cidade já estava ligada administrativamente à capitania baiana. Mas, antes de falar desse movimento do município entre o Espírito Santo e a Bahia, é preciso entender o contexto em que o país vivia.
Doutor em Ciência Política, o historiador e professor da Ufes Ueber José de Oliveira conta que havia uma movimentação em Portugal, cujos indícios apontavam para a recolonização do Brasil. A elite portuguesa se considerava, naquela ocasião, menos privilegiada que a própria colônia.
Para tanto, entre outras exigências, os lusitanos queriam o retorno de Dom João VI a Portugal, que, segundo afirma o professor Ueber, relutou bastante antes de voltar com a família real para solo português, em 1821, mas manteve Dom Pedro I no Brasil como príncipe regente.
Naquele ano, foram convocadas as Cortes de Lisboa, uma assembleia constituinte por meio da qual Portugal procurava repactuar seu vasto império, explica Ueber. As antigas capitanias do Brasil foram elevadas à condição de unidade provincial e poderiam indicar seus representantes no parlamento português.
O Espírito Santo demorou um pouco a indicar seus representantes. Adriana Pereira Campos, professora de História da Ufes e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado (IHGES), lembra que o governador era português e tentou adiar ao máximo a eleição, mas houve um revolta das tropas de patentes mais baixas, por duas vezes, chamando a atenção da população para aquele movimento.
Mas, o que a princípio parecia para as províncias que seria um movimento constitucional, começou-se a se desenhar como uma estratégia para retirar a autonomia administrativa do Brasil, que se tornaria mais uma vez submisso. Segundo Adriana Campos, pegou os representantes brasileiros de surpresa.
"A discussão política evolui, não fica parada. Os deputados portugueses dizem que não é nada disso. Quando estava em negociação, o Rio de Janeiro, que vinha num processo de concentração de poderes dentro do Brasil como colônia, como reino que não queria abrir mão dessa autonomia, não queria a centralidade total em Lisboa. O Rio quer romper com esse debate, porque pode nos fazer voltar à situação anterior", pontua.
Isto é: enquanto Portugal pretendia recuperar seu poder sobre o Brasil, o Rio de Janeiro não queria perder a centralidade política do reino.
"Resumo da história: em julho de 1822, chegamos a um impasse. Lisboa e o Rio passaram a disputar o apoio das províncias, que tinham bastante autonomia. O Espírito Santo, por conta de vinculações com a praça do Rio de Janeiro e conexões de interesses comerciais fortes, tomou partido do Rio; algumas províncias resistiram e estavam com Portugal, como a Bahia", acrescenta Ueber.
E foi dessa divisão política de Portugal e Brasil que São Mateus voltou para o Espírito Santo após a independência. O professor Rodrigo Goularte diz que, mesmo pertencendo à Bahia, o município do norte capixaba possuía fortes laços comerciais com Vitória devido a sua estrutura portuária, de onde partiam embarcações tanto para a capital quanto para o Rio.
Assim, em 1823, São Mateus segue o Espírito Santo no processo de adesão à independência, enquanto o general Madeira de Melo, comandante das armas da Bahia, continuava fiel às cortes de Portugal.
"Portanto, os negociantes e vereadores de São Mateus acompanharam o Espírito Santo na decisão de seguir o projeto político de Dom Pedro. Para consolidar essa decisão política, as autoridades mateenses decidiram incorporar sua vila ao Espírito Santo em 1823. No mesmo ato em que os vereadores mateenses juraram fidelidade a Dom Pedro e à causa da independência, decidiram voltar para o Espírito Santo", reforça Rodrigo Goularte.
Importante ressaltar, porém, que não se tratou de uma iniciativa sem resistência. Adriana Campos conta que, a partir de 7 de setembro de 1822, todas as vilas do Espírito Santo fizeram um auto de aclamação da independência. São Mateus, pertencente à Bahia, se tornou um polo de relutância.
Como o Estado tinha um vínculo muito forte com a vila pelas comercializações feitas pelo porto de Vitória, e correspondências com São Mateus não tinham surtido efeito, o Espírito Santo envia forças militares para impor a aclamação dentro da Câmara da cidade. Desse modo, por lá a independência do Brasil só foi reconhecida em 1823, ano em que o município voltou a fazer parte do território capixaba.
Mas a configuração administrativa de São Mateus, como é conhecida hoje, somente ocorreu em 1848, quando foi elevada da condição de vila para município. Já Conceição da Barra era uma freguesia criada como Conceição da Barra de São Mateus, subordinada à cidade vizinha, em 1831. Dois anos depois, passou à categoria de vila — Barra de São Mateus — e, em 1891, tornou-se a cidade com o nome mantém até a atualidade.
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