Cinquenta e sete municípios e o governo do Espírito Santo deixaram de explicar como gastaram mais de R$ 56 milhões em recursos recebidos pelas emendas Pix em 2021 e 2022. Nessa modalidade, o dinheiro público, enviado pelos parlamentares, cai direto na conta das prefeituras, sem a necessidade de passar pelos ministérios e sem que o município informe com o que pretende gastá-lo.
Levantamento feito por A Gazeta mostra que dos R$ 63 milhões recebidos em 2021 e 2022 de transferências especiais, como são oficialmente chamadas as emendas Pix, apenas R$ 7,1 milhões — 11,3% do total — tiveram seu uso divulgado na plataforma TransfereGov, do governo federal. Esse site é destinado à informatização e à operacionalização das transferências de recursos do Orçamento federal.
O Tribunal de Contas da União (TCU) orienta que o uso do dinheiro seja detalhado na plataforma para que seja possível a fiscalização dos gastos pelos cidadãos e pelos órgãos federais de controle.
Das 151 emendas enviadas por parlamentares da bancada capixaba para cidades do Espírito Santo, só 14 contam com o relatório detalhando o uso do dinheiro.
Vila Velha foi a cidade que recebeu mais emendas Pix em 2021 e 2022: R$ 7 milhões no total. Porém só declarou o uso de R$ 2,8 milhões, aplicados na reforma da praça do bairro Jardim Guadalajara. Não há registro do que foi feito com o restante do dinheiro.
Em nota, a prefeitura também não deu detalhes, se limitando a dizer que “estão no planejamento da gestão municipal para 2023 e 2024, inclusive com obras já executadas, vide a Praça Agenor Moreira, em Itapuã”. A Gazeta pediu mais informações, mas não houve resposta.
Já a Prefeitura de Cariacica não prestou conta de nem um real dos R$ 5,5 milhões em emendas Pix que recebeu nos dois últimos anos. Questionado por A Gazeta, o município também não esclareceu o destino do dinheiro, dizendo que pretende fazer o detalhamento em “momento oportuno”, sem dar prazo para que isso ocorra.
Segundo o TransfereGov, a administração estadual recebeu R$ 3,3 milhões. Não há relatório com detalhamento das despesas na plataforma, mas, ao ser demandada por A Gazeta, a Secretaria de Controle e Transparência (Secont) afirmou que todas as despesas estão no portal da transparência do Estado.
Na aba “Despesas”, é possível filtrar por “Transferência Especial da União” e verificar os valores. Nos últimos dois anos, foram gastos, segundo informações do portal, R$ 1,4 milhão proveniente das emendas Pix.
Esse dinheiro foi utlizado para comprar computadores, financiar a feira Sabores da Terra (R$ 200 mil) em 2022, adquirir 70 impressoras para uso das associações de catadores de materiais recicláveis (R$ 150 mil), além de serem transferidos R$ 200 mil para a Escola de Samba Unidos da Boa Vista, entre outros gastos.
A Secont afirmou que está fazendo estudos para aprimorar a divulgação dessas informações. Esses estudos devem embasar demais órgãos estaduais na divulgação dos gastos na plataforma TransfereGov.
Embora diferentes, as emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto, e as emendas Pix têm a mesma problemática: a falta de transparência. Enquanto na emenda de relator não era possível saber quem enviou a emenda, na transferência especial não é possível saber com o que ela foi gasta.
O orçamento secreto foi extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado. Além da falta de transparência sobre os autores, os recursos eram divididos de maneira desigual entre os parlamentares, servindo como instrumento para angariar apoio político.
Contudo, desde então, a distribuição de emendas Pix explodiu. Em 2021, o Espírito Santo (considerando o Estado e os municípios) recebeu R$ 14,4 milhões; em 2022, foram R$ 48,8 milhões.
Diante do uso crescente dessa modalidade pouco transparente de transferência de dinheiro público, o TCU emitiu, em março deste ano, uma decisão designando os tribunais de contas locais como os responsáveis por fiscalizar esses gastos.
Contudo, o órgão federal poderá interceder caso seja identificada alguma irregularidade, exigindo uma tomada de contas especial. Essa irregularidade pode ser desde o desvio do dinheiro da emenda até a ausência de informação sobre ele.
Para A Gazeta, o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) afirmou que tem uma fiscalização em andamento e participa de um grupo de trabalho nacional, para estudar o assunto e definir métodos de controle desses recursos. Porém essa fiscalização no momento é considerada sigilosa.
Em nota, a Prefeitura de Alegre informou que não prestou contas sobre a emeda de R$ 3 milhões destinada pelo deputado Evair de Melo (PP) porque o recurso ainda não foi gasto. "Não há que se falar em prestação de contas até que o recurso seja efetivamente aplicado. A gestão municipal vem cumprindo rigorosamente com os princípios constitucionais da legalidade, publicidade e transparência de seus atos", diz a nota.
Este texto foi atualizado com a inclusão de uma nota enviada nesta segunda-feira (23) pela Prefeitura de Alegre sobre o recurso de emenda Pix recebido em 2022.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta