Há 89 anos, mais precisamente em 24 de fevereiro de 1932, foi publicada a primeira legislação eleitoral brasileira que reconhecia o voto feminino, fazendo com que as mulheres brasileiras fossem integradas à categoria de indivíduos capazes de expressar opiniões políticas próprias por meio do ato do voto. Uma capixaba de Guaçuí, que na época ainda era distrito de Alegre, no entanto, já havia conseguido, na Justiça, tirar o título de eleitor. Emiliana Emery Viana foi a terceira mulher do Brasil a obter o direito de votar, em 1929.
Naquela época, a Constituição não proibia mulheres de irem às urnas, mas também não assegurava a elas esse direito. Para se tornar eleitor, era preciso que os cidadãos solicitassem o alistamento eleitoral na Justiça. E foi isso que Emiliana fez. Viúva, ela era dona de um hotel da cidade, local onde aconteceram reuniões políticas importantes. O estabelecimento era frequentado por homens poderosos, entre eles Nestor Gomes, presidente do Estado do Espírito Santo – cargo que existia na época.
No final da década de 20, Emiliana era uma das que liderava um movimento de emancipação de Guaçuí, então distrito de Veado, e pertencente a Alegre. Para isso, viajou à capital para encontros políticos, com demandas de sua terra. Graças a essa mobilização, segundo historiadores, ela foi considerada a "mãe da independência de Guaçuí", que ocorreu em 1928. Com todo esse envolvimento, a capixaba considerou que deveria ter os mesmos direitos que os chefes de família de sua cidade.
"Ela nunca aceitou ter mais obrigações do que direitos. Por isso, o fato de não poder votar a incomodava. Falava que só seria uma cidadã completa com o título de eleitor na mão", lembra Lucia Emery, neta de Emiliana.
O direito de a mulher votar nas eleições no Brasil foi obtido somente três anos após a conquista da capixaba Emiliana Emery, por meio do Código Eleitoral Provisório, data lembrada nesta quarta-feira (24) como o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil. Mesmo assim, a conquista não foi completa. O Código permitia apenas que mulheres casadas – com autorização do marido –, viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar. A redação do decreto considerou eleitor "o cidadão maior de 21 anos sem distinção de sexo".
De acordo com Luciana de Oliveira Ramos, professora de pós-graduação e pesquisadora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, o argumento contra o voto de mulheres era de que as casadas não expressariam uma voz diferente da de seus maridos, o que geraria uma duplicação de votos.
As restrições ao pleno exercício do voto feminino só foram eliminadas no Código Eleitoral de 1934, mas garantindo-o somente para aquelas que tinham atividade remunerada, sem ser obrigatório, como era o masculino. O voto feminino, sem restrições, só passou a ser obrigatório em 1946.
Outro nome de destaque foi o da capixaba Maria Felizarda de Paiva Monteiro da Silva. Carinhosamente chamada de Neném Paiva, ela era professora de música e foi a primeira vereadora do Brasil, chegando até a se tornar presidente da Câmara Municipal de Muqui, eleita em dezembro de 1935 pelo Partido Social Democrático (PSD).
Hoje, 52,3% do eleitorado do Espírito Santo é composto por mulheres, o que significa 1.470.614 mulheres aptas a votar. De acordo com o último Censo do IBGE, as mulheres eram 50,75% da população capixaba total. Nas eleições de 2020, 33,7% das candidaturas do Estado foram de mulheres, o que significou 4.238 candidatas. Somente 92 foram eleitas, sendo 91 vereadoras e uma prefeita, a de São Domingos do Norte.
Hoje, após quase um século que as mulheres adquiriram o direito de eleger seus representantes, a iniciativa de Emiliana Emery se mostra importante historicamente para a construção da identidade da mulher, na avaliação da advogada, doutora em Direitos e Garantias Fundamentais e vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica, Elisa Galante.
"Mesmo com a cultura daquele tempo, algumas mulheres despertaram e perceberam que para se constituir como sujeito de direitos precisavam ter sua cidadania completa: com direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Nesse espírito de evolução, de que seria possível mudar a visão da época, mulheres começaram a entrar nos espaços políticos".
Ela lembra que ainda no século XIX, em 1910, mulheres do Rio de Janeiro também começaram a pensar nesse movimento de obter direitos políticos e fundaram o Partido Republicano Feminino. Criaram a entidade, mesmo sem poder registrá-la.
Elisa destaca que as mulheres também enfrentaram muita resistência dos homens e da cultura conservadora para que dessem novos passos. Para muitos deles, elas deveriam se dedicar somente à família.
Uma mostra disso é a manifestação do deputado José Moniz Freire, do Espírito Santo, durante as discussões da Constituição anterior, de 1891, como cita a advogada.
"Com o maior respeito que devo aos autores de semelhante ideia [de estender o voto às mulheres] e àqueles que a adotam, devo declarar, senhor presidente, que essa aspiração se me afigura imoral e anárquica: porque, no dia em que convertêssemos em lei pelo voto do Congresso, teríamos decretado a dissolubilidade da família brasileira", afirmou o deputado.
Elisa complementa que embora o direito ao voto já seja muito bem consolidado, a participação das mulheres na política ainda tem muito o que evoluir.
"O sistema político eleitoral brasileiro não prestigia a mulher. Há muitas barreiras para que elas ocupem espaço de poder político. Democracia se faz com homens e mulheres. Mas para isso, nós também precisamos votar com consciência, alçar espaços públicos, e participar da política. Não só se candidatando, mas estando no debate, ouvindo, buscando se informar sobre a política, pois ela norteia nossas vidas", defende.
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