A compra de R$ 6,3 milhões investigada pela Polícia Federal na Operação Volátil, deflagrada na última segunda-feira (7), passou por três análises diferentes no governo do Espírito Santo, antes de ser fechada. Em nenhum dos setores foram detectadas irregularidades, mesmo com valores acima de outras ofertas enviadas ao Estado, ainda de acordo com a PF. Documentos do governo estadual comprovam que desde julho a contratação já levantava suspeitas em órgãos internos de controle.
De acordo com a investigação da Polícia Federal, uma das principais suspeitas no contrato fechado com a Tantum, que foi alvo da operação, é a de fraude em um documento que comprovaria a capacidade da empresa em fornecer álcool em gel ao Estado em grande quantidade.
Na época, a Tantum enviou uma nota ao Estado indicando que vendeu para a empresa Forte Ambiental 400 mil frascos de álcool em gel – mesma quantidade que o governo estadual buscava –, no entanto, as duas empresas são administradas pela mesma pessoa, o empresário Wesley Ferreira Pessanha, um dos investigados pela Polícia Federal. No site da Receita Federal, em uma consulta ao CNPJ da Tantum, Pessanha aparece como sócio tanto da Tantum, que passou a se chamar Neural Investments, quanto da Forte Ambiental.
Nos documentos enviados pela Tantum ao governo do Estado, a empresa informa que Renan Santos da Silva era o proprietário. Apesar da informação estar disponível para ser checada em uma busca pela internet, o documento não passou por questionamentos nos três setores em que foi analisado, antes de fechar a compra.
A Tantum, vale ressaltar, também é investigada por superfaturamento, já que os preços estavam entre 297,5% e 52,1% mais caros do que compras realizadas pelo governo estadual no mesmo período.
Antes da assinatura, o processo de compra passou pelo Centro Integrado de Comando e Controle, criado durante a pandemia de Covid-19, que fez a busca pelos melhores preços; depois foi enviado à Gerência de Compras, Contratos e Convênios da Secretaria do Estado de Saúde (Sesa); e foi novamente analisado pelo Núcleo Especial da Subsecretaria de Atenção à Saúde. Todos os três setores consideraram a Tantum, que oferecia o 3º menor preço, como a mais habilitada a ser contratada.
Ofícios aos quais a reportagem teve acesso indicam que os órgãos de controle do Estado detectaram suspeitas de irregularidade no contrato somente em julho, dois meses depois de os R$ 6,3 milhões serem pagos integralmente pelo Estado à Tantum. Isso porque em maio a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Secretaria de Controle e Transparência (Secont) instituíram uma portaria para que todos os contratos emergenciais superiores a R$ 200 mil passassem por inspeção. Em julho, os órgãos solicitaram esclarecimentos aos setores que geriram o contrato.
De acordo com os documentos do processo de compra enviados pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa, seis empresas apresentaram propostas para fornecer os 400 mil frascos de álcool em gel que o governo pretendia comprar. As informações foram requeridas pelo Executivo a pedido da Frente Parlamentar de Fiscalização dos Recursos Federais no Combate à Covid-19, coordenada pelos deputados estaduais Sergio Majeski (PSB) e Theodorico Ferraço (DEM).
Como a compra foi realizada em um momento de escassez do produto, como destacou o próprio secretário de Saúde, Nésio Fernandes, em entrevista coletiva, o processo foi realizado de maneira emergencial, por dispensa de licitação. A procura por fornecedores pelo Centro Integrado de Comando e Controle foi feita por e-mails disparados às empresas entre 22 e 25 de março.
A Tantum foi uma das empresas procuradas mesmo sem ter a venda de produtos como álcool em gel entre suas atividades registradas ou ter feito qualquer negociação anteriormente com o governo estadual. Ela recebeu o e-mail do Centro Integrado de Comando e Controle no dia 25 de março.
Entre as seis ofertas, as três mais baratas foram selecionadas: a Tantum, com preço de R$ 31,80 por litro; a Klasyla, com oferta de R$ 25,80 por litro e a Nano4you, ao preço de R$ 17. De acordo com a análise técnica da Gerência de Compras, a Nano4you foi desclassificada por não ser capaz de atender a demanda inicial, enquanto a Klasyla não manteve as mesmas condições de venda, posteriormente, durante a negociação.
Os documentos que constam no processo de compra não demonstram por qual motivo a Nano4you foi desclassificada. Se a compra tivesse sido realizada pelo menor preço, a compra passaria de R$ 6,3 milhões para R$ 3,4 milhões, um valor R$ 2,9 milhões menor do que o que foi pago. No entanto, o relatório da gerência foi favorável à Tantum para ser escolhida pelo governo. Procurada pela reportagem, a Sesa informou que a Nano4you não tinha o estoque suficiente para atender a demanda da secretaria.
Dois dias depois, em um sábado (28 de março de 2020), já com alguns hospitais com estoques zerados de álcool em gel, o Núcleo Especial da Subsecretaria de Atenção à Saúde, atestou a Tantum como empresa habilitada. O relatório foi enviado às 16h04 para o subsecretário de Saúde para Assuntos de Administração e Financiamento da Atenção à Saúde, Rafael Grossi. Trinta e sete minutos depois, o subsecretário autorizou a emissão de reserva com os R$ 6,3 milhões para a compra com a Tantum. O contrato foi assinado quatro dias depois, concretizando o negócio.
Em junho de 2020, o então deputado estadual e hoje prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), junto com os deputados Carlos Von (Avante), Danilo Bahiense (sem partido), Torino Marques (PSL) e Vandinho Leite (PSDB), que formavam naquele período a oposição ao governador Renato Casagrande (PSB), protocolaram uma representação junto ao Tribunal de Contas e à Polícia Federal denunciando possíveis irregularidades no contrato com a Tantum.
Um mês depois, há um registro de uma resposta da subsecretaria responsável pela compra destinada à PGE e à Secont, que fizeram questionamentos sobre a contratação. Foram apontados seis itens que levantaram a suspeita dos órgãos de controle, em sua maioria questões técnicas no modelo de contratação.
Entre os pontos que mais chamam a atenção, a Secont pede para a subsecretaria "justificar as diferenças de preços nas aquisições do produto, em especial, esclarecer a escolha de comprar grande quantidade com a empresa que ofereceu valor bem acima das outras aquisições".
Em resposta, o subsecretário argumenta, anexando matérias de jornais, a falta de álcool em gel nas prateleiras de supermercados e comércios, que levou o produto a um preço vendido no varejo próximo do valor firmado em contrato.
Na segunda-feira, após a deflagração da Operação Volátil, a Secont disse que a investigação preliminar para apurar a conduta das empresas que apresentaram o atestado de capacidade técnica está em fase de conclusão. O Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) também apurou o contrato e, tanto pela Secont, tanto pelo TCES, não houve identificação de sobrepreço na compra.
Em nota, o governo do Estado informou que cada processo de compra analisado gera um relatório que é encaminhado para o órgão que fez a aquisição "para que faça suas considerações e justificativas, se for o caso". A inspeção da Secont levantou a necessidade de apresentação de alguns documentos; e solicitou justificativa para a variação de preços e para a aquisição da quantidade prevista no processo de compra.
Segundo o Estado, em relação à compatibilidade dos preços com os de mercado, foi constatado que o valor do litro do material da aquisição era inferior aos valores praticados em outras aquisições realizadas por órgãos/entidades do setor público nos dois primeiros meses da pandemia, não havendo indícios de sobrepreço.
A respeito da questão de habilitação técnica, a inspeção verificou, de acordo com a nota do governo, que os documentos apresentados pela empresa correspondiam ao estipulado pelo Termo de Referência. Mas, como haviam sido levantadas dúvidas sobre a veracidade dos atestados de capacidade técnica, a Secretaria de Controle e Transparência instaurou investigação preliminar, com base na Lei Anticorrupção Empresarial, para apurar a conduta das empresas.
A Secont e a Sesa frisam que, havendo confirmação de atos de corrupção, será instaurado um Processo Administrativo de Responsabilização em desfavor das empresas envolvidas. Caso as empresas sejam condenadas, poderão ser punidas com multa de até 20% do seu faturamento e suspensão do direito de participar de compras públicas, com inclusão no cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), como previsto na Lei Anticorrupção Empresarial.
O governo diz ainda que colabora com as instâncias de controle, estadual e federal, encaminhando regularmente documentos e informações ao Tribunal de Contas e Controladoria, tendo o TCU verificado aquisições e não detectado indícios de sobrepreço. E que tem colaborado com a PF.
A Gazeta tentou contato, novamente, com os responsáveis pela empresa Tantum, citada pela PF na Operação Volátil. Os canais utilizados foram telefones e e-mails registrados como pertencentes à empresa na Receita Federal. Não houve retorno.
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