A Tantum Solutions, empresa alvo da Operação Volátil, que investiga superfaturamento e fraude em compras de álcool em gel pelo governo do Espírito Santo, recebeu R$ 6,3 milhões dos cofres estaduais, entre março e maio de 2020. A empresa foi contratada para fornecer 400 mil frascos, de 500 ml de álcool em gel cada um, ao preço de R$ 15,90 a unidade.
Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Vitória e Vila Velha, em endereços de pessoas físicas ligadas a empresas investigadas.
Policiais federais também estiveram na sede do Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Espírito Santo (Prodest) para obter informações relacionadas à operação. O Prodest é responsável por armazenar dados referentes a contratos do governo.
Ainda, segundo a Polícia Federal, empresários ligados à Tantum fazem parte de uma organização criminosa investigada, também, pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), por superfaturamento em contratos de limpeza urbana no município de Carmo, na região Serrana do Rio.
No Espírito Santo, os valores da compra de álcool em gel chamaram a atenção dos investigadores, que apuraram que na mesma semana a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), responsável pela compra, adquiriu o mesmo produto por preços que variam de R$ 8 a R$ 20,90, embora fossem em embalagens de outros tamanhos – como frascos de 450 gramas, 4,5 quilos, 1 litro e 5 litros.
A diferença no valor oferecido pela Tantum varia entre 297,5% e 52,1% a mais do que as outras compras no mesmo período. A Polícia Federal investiga possível prática de superfaturamento na compra. De acordo com a PF, há indícios nas contas bancárias das pessoas ligadas à empresa que indicam operações financeiras típicas de lavagem de dinheiro.
Os valores já foram pagos pelo Estado, em um processo de compra emergencial, feito sem licitação. Os recursos são provenientes da verba federal encaminha aos Estados para o combate à Covid-19.
Além disso, há o indício de que a comprovação da capacidade técnica para a empresa fornecer álcool em gel foi fraudada. Segundo o registro do CNPJ da Tantum Solutions na Receita Federal, a atividade principal da empresa é "montagem e instalação de sistemas e equipamentos de iluminação e sinalização em vias públicas, portos e aeroportos", atividade que não é compatível com a venda de álcool em gel.
Para provar que era capaz de fornecer o produto em grande quantidade ao Estado, a Tantum anexou aos documentos exigidos pelo governo um contrato de compra de álcool em gel assinado pela Forte Ambiental. No entanto, a Forte Ambiental tinha, na época, como sócio-administrador o então dono da Tantum, Wesley Ferreira Pessanha, segundo consta nos registros da Receita Federal.
Ao governo do Estado, a Tantum apresentou um documento em que Renan Santos da Silva é indicado como dono da empresa. Porém, em e-mails trocados entre a Tantum e a Sesa, Renan assina, em março de 2020, como diretor comercial da empresa.
O "contrato” apresentado como comprovação técnica pela Tantum e a Forte Ambiental é de novembro de 2019, época em que Wesley Ferreira Pessanha era sócio, simultaneamente, das duas empresas. Ou seja, a compra teria sido realizada entre duas empresas de uma mesma pessoa, o que não é permitido como comprovação técnica em compras públicas.
Outro fato que levantou suspeitas durante a investigação foi o endereço apresentado pela empresa, localizada em São Fidélis, no norte fluminense. O local ficava em um prédio residencial, onde moradores vizinhos afirmam não terem visto movimentação compatível com a atividade exercida pela Tantum.
Em janeiro de 2021, a Tantum mudou de nome e passou a se chamar Neural Investments, com o mesmo CNPJ utilizado anteriormente. Também mudou de endereço, agora em um prédio comercial em São Fidélis.
A investigação, segundo a Polícia Federal, teve início a partir de relatórios do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) e da Controladoria Geral da União (CGU). Paralelamente, o mesmo contrato de R$ 6,3 milhões, entre a Tantum e a Sesa, foi alvo de denúncias por dois grupos de parlamentares.
Em junho de 2020, o então deputado estadual e hoje prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), junto com os deputados Carlos Von (Avante), Danilo Bahiense (sem partido), Torino Marques (PSL) e Vandinho Leite (PSDB), que formavam naquele período a oposição ao governador Renato Casagrande (PSB), protocolaram uma representação no Tribunal de Contas do Estado e na Polícia Federal denunciando possíveis irregularidades no contrato com a Tantum.
Os deputados Theodorico Ferraço (DEM) e Sergio Majeski (PSB) também encaminharam uma denúncia ao Ministério Público de Contas (MPC) com suspeitas sobre a compra de álcool em gel. O MPC informou, em nota, que abriu procedimento para investigar a denúncia, mas que o processo foi suspenso, já que o caso estava em análise pela PF e pelo TCES. O procedimento, após a operação desta segunda-feira, deve ser retomado.
Os fatos narrados nas duas denúncias foram checados pela Polícia Federal, mas não foram o pontapé da operação, segundo pessoas ligadas à investigação.
O sócio da Tantum, Wesley Ferreira Pessanha, é apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) como um dos empresários de um esquema criminoso, que envolve também as empresas Limpeza Urbana e Forte Ambiental, que são ligadas a ele. Somados, o grupo criminoso possui contratos de R$ 40 milhões com a Prefeitura de Carmo, na região Serrana do Rio.
A denúncia é de que houve superfaturamento em contratos da Limpeza Urbana e da Forte Ambiental para prestar serviços de limpeza pública na cidade. As investigações apontaram que os empresários investigados mantinham relacionamentos escusos com integrantes da prefeitura e com vereadores, a quem pagaria propinas para garantir aprovação de projetos de lei de interesse do grupo criminoso.
A reportagem tentou contato com Renan Santos da Silva e com Wesley Ferreira Pessanha, em telefones e e-mails registrados no cadastro da empresa na Receita Federal, mas não obteve retorno.
O secretário de Estado da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, em uma coletiva na tarde desta segunda-feira (7), disse que a secretaria não foi alvo da Operação Volátil e quem tem auxiliado a Polícia Federal em durante a investigação.
Segundo Fernandes, o contrato foi realizado em um contexto de "emergência e escassez de álcool em gel no mercado nacional".
A Secretaria da Saúde (Sesa) informa que seus procedimentos de compras observam regularmente a legislação e adotam a máxima transparência e colaboração com os órgãos de controle.
Os controles internos da Secretaria foram reforçados no período de enfrentamento à pandemia, justamente para diminuir riscos às aquisições, dentre eles o uso de sistema eletrônico de tramitação de processos, o que garante integridade.
Importante frisar que a Sesa colabora com as instâncias de controle, estadual e federal, encaminhando regularmente documentos e informações ao Tribunal de Contas e Controladoria, tendo o TCU verificado aquisições e não detectado indícios de sobrepreço.
A Sesa, até o presente momento, não foi notificada da operação, tampouco foi alvo de buscas, e seguirá colaborando com todas as investigações de todos os órgãos de controle, dentre eles a Polícia Federal.
Policiais federais estiveram no Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Espírito Santo (Prodest) apesar de a autarquia do governo não ser alvo de mandado de busca e apreensão. Segundo o Prodest, a PF esteve no local "em busca de informações sigilosas relacionadas à Operação Volátil".
"O Prodest é responsável por disponibilizar e proteger dados relativos a contratos firmados pelo Governo do Estado do Espírito Santo. Nenhum equipamento do órgão foi apreendido pelos policiais federais. O Prodest não tem nenhuma relação com os contratos investigados", afirmou o órgão, por meio de nota.
A Secretaria de Estado de Controle e Transparência também emitiu nota sobre a operação e afirmou que, a exemplo do TCU, não identificou sobrepreço na compra de álcool em gel agora na mira da PF.
A Secretaria de Controle e Transparência (Secont) informa que se encontra em fase conclusiva investigação preliminar para apurar a conduta das empresas quanto à regularidade da apresentação dos atestados de capacidade técnica, com base na Lei Anticorrupção Empresarial. A exemplo da apuração realizada pelo Tribunal de Contas da União por meio do processo TC 033.596/2020-4, não houve, até o momento, identificação de sobrepreço.
Todos os contratos estão disponíveis em www.coronavirus.es.gov.br, o que facilita inclusive a atuação dos órgãos de controle externo e permitiu ao Espírito Santo obter a primeira colocação em transparência nas três avaliações nacionais.
(Com colaboração de Iara Diniz)
O texto foi atualizado para incluir a informação de que policiais federais estiveram também no Prodest, órgão do governo do Estado, e o posicionamento do Prodest quanto à ação policial.
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