O município de Alegre deve receber mais de R$ 21 milhões em emendas Pix em 2023, um quarto do total previsto para todas as prefeituras e para o governo do Estado neste ano. É como se cada um dos 30 mil moradores da cidade recebesse R$ 740. A maior parte desse recurso, R$ 16 milhões, foi indicada pela ex-deputada federal Soraya Manato no final de seu mandato, em 2022. Segundo o prefeito de Alegre, Nirrô Emerick (PP), o dinheiro foi uma retribuição pela “expressiva votação que ela teve no município de Alegre”. Soraya não se reelegeu.
Na modalidade de emenda Pix, o dinheiro público, enviado pelos parlamentares, cai direto na conta das prefeituras, sem a necessidade de passar pelos ministérios e sem que o município informe previamente com o que pretende gastá-lo.
O repasse para Alegre é vultoso. Só as emendas Pix representam 20% da receita prevista pela prefeitura para todo o ano de 2023. Embora possa soar surpreendente o alegado motivo do recebimento — uma retribuição aos votos recebidos por Soraya Manato na cidade — não há ilegalidade na transferência.
Especialistas ouvidos por A Gazeta esclarecem, inclusive, que essa é uma prática comum entre parlamentares para agradar suas bases.
“A parlamentar seguiu o modelo de outros tantos deputados. O que chama a atenção é o volume de recursos em relação ao tamanho do município. É comum, e logicamente afeito à política, que os atores políticos tragam recursos para suas bases eleitorais”, ressalta o cientista político Rodrigo Prando.
A posição é compartilhada pelo especialista em Direito Eleitoral Ludgero Liberato. “Favorecer a própria base é bem natural da política. Os parlamentares querem defender suas bandeiras e seus locais”, diz. Segundo ele, mesmo que tenha havido promessa de envio de recursos durante a campanha, não é ilegal.
Rodrigo Prando critica, porém, o fato de as emendas Pix serem um modelo de transferência sem transparência: o município ou Estado não precisam designar uma finalidade para receber o recurso, como é feito em outras modalidades.
Oficialmente chamadas de transferências especiais, o uso delas explodiu em todo o país. No caso do Espírito Santo, somando todos os municípios e o governo do Estado, estão previstos para 2023 mais de R$ 80 milhões em recursos, quase o dobro do enviado em todo o ano passado.
Questionada por A Gazeta, a prefeitura de Alegre listou as obras que pretende fazer na cidade com os recursos das emendas Pix deste ano.
Ainda segundo a prefeitura, a deputada Soraya Manato não fez exigências quanto ao destino do dinheiro.
“O prefeito Nirrô e o vice-prefeito Silvani Monteiro Corrente definiram aplicar tais recursos em obras de contenção de encostas, sistema de drenagem e na construção da cobertura da Feira do Produtor Rural. As obras de contenção de encostas e sistema de drenagem foram colocados como prioridade pelo fato de o município de Alegre ter um relevo bastante acidentado e sofrer com os inúmeros deslizamentos e alagamentos. Já a cobertura da feira é um pleito antigo da população e dos feirantes”, esclarece.
Em 2022, Soraya Manato disputou a reeleição para deputada federal pelo PTB. Não se elegeu, mas foi a candidata mais bem votada em Alegre, com mais de 6 mil votos. O segundo mais votado para o mesmo cargo, Luciano Machado (PSB), que é natural de Alegre, não chegou a 2 mil votos.
Soraya nasceu em Linhares, mas o marido dela, o ex-deputado Carlos Manato, é de Alegre. Manato disputou em 2022 a vaga de governador do Estado contra Renato Casagrande.
A Gazeta tentou contato com Soraya, mas foi Manato quem respondeu aos questionamentos.
"Nós sempre tivemos compromisso com Alegre, foi a cidade onde tive a maior votação como deputado nas três eleições que disputei (como deputado). Soraya, em 2018 e 2022, teve a maior votação dela em Alegre. E nós temos compromisso de ajudar a cidade. Nós temos certeza que, a partir de agora, serão diminuídos esses recursos, então foi uma opção de ajudar a cidade."
Manato ressalta ainda que Alegre sofreu com enchentes e desmoronamentos e tem obras necessárias. Ele afirma que não houve indicação quanto à finalidade do dinheiro e que cabe ao prefeito, aos vereadores e à população definirem como o recurso será gasto.
"Não direcionamos em hipótese nenhuma (o recurso) para essa ou para aquela obra. O Nirrô (prefeito de Alegre) tem contas aprovadas no tribunal, não tem denúncia de corrupção, tenho certeza que esse dinheiro será bem empregado", afirma.
O ex-deputado disse ainda que é a favor das emendas Pix porque, segundo ele, desburocratiza e faz chegar o recurso mais rapidamente à população.
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