Todos os deputados do PSL estaduais e federais eleitos no Espírito Santo receberam dinheiro público do fundo eleitoral para custear a campanha de 2018. Ao todo, foram repassados R$ 198 mil aos cinco parlamentares o que equivale a 39,6% de toda a receita eleitoral declarada por eles naquele ano, de acordo com dados da Justiça Eleitoral.
Nas últimas eleições, R$ 1,7 bilhão em recursos do fundo foram distribuídos aos candidatos que disputavam o pleito. Agora, em 2020, já foi sancionado o valor de R$ 2 bilhões. No início deste mês, antes de aprovar o orçamento e incomodado com as críticas, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL e que tenta criar o Aliança pelo Brasil) pediu aos eleitores que não votassem em parlamentares que utilizarem o "fundão".
O maior valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) repassado a aliados do presidente no Estado foi para a deputada federal Soraya Manato: R$ 141 mil. Proporcionalmente, porém, essa quantia representa 47,7% da receita da campanha dela. Por isso, percentualmente, a liderança recai sobre o deputado estadual Capitão Assumção, com 100% do valor (R$ 33,6 mil) advindo do mecanismo.
Se os cinco deputados eleitos e os outros 18 candidatos aliados que usaram tal financiamento, mas que ficaram na suplência permanecerem com igual postura, a base do presidente poderia ser abalada pelo próprio pedido feito por ele. Entre todos os candidatos do PSL no Estado a cargos legislativos, só três não utilizaram a verba vinda do fundo especial nas últimas eleições: nenhum ganhou.
Apesar de se declarar contra o uso do fundo eleitoral, a deputada federal Soraya Manato confirmou que utilizou o dinheiro público em 2018. "Usei para várias coisas, principalmente material de campanha, como santinhos, adesivos, esse tipo de coisa. Utilizamos muito em materiais casados para ajudar a eleger o presidente também", explicou.
Questionada, ela explicou por que usufruiu da verba, apesar do posicionamento contrário. "Sou contra o fundo eleitoral porque esse dinheiro está sendo tirado de outras áreas nas quais a população brasileira ainda é carente, mas fui candidata de primeira viagem e esse dinheiro veio para ajudar, já que boa parte banquei com o meu próprio dinheiro", afirmou.
Sem apresentar uma explicação, mas com posicionamento bastante semelhante, o deputado estadual Alexandre Quintino também é contra o fundo, embora tenha utilizado o dinheiro proveniente dele nas últimas eleições. "Foi um gasto muito pequeno com adesivos e santinhos", resumiu.
Já o também deputado estadual Torino Marques justificou o valor gasto como proveniente de uma atitude partidária. "Não sou a favor do fundo, mas eu respeito. Os santinhos, os adesivos e os cartazes com esse dinheiro vieram de outros candidatos, das eleições majoritárias, com campanhas casadas", disse.
No entanto, é possível verificar pela prestação de contas do parlamentar, divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ele recebeu R$ 3 mil diretamente do fundo, sem envolver qualquer outro candidato. No entanto, não é possível saber a exata destinação dele. Confrontado com os dados da prestação de contas dele no site da Justiça Eleitoral, Torino reafirmou: "eu não utilizei o meu fundo eleitoral".
Por meio da assessoria, o parlamentar Danilo Bahiense defendeu que o fundo é um "mecanismo permitido legalmente para custear campanhas políticas" e que o dinheiro recebido por ele serviu para "custear gastos gerais da campanha" em 2018, "respeitando o erário e a coisa pública".
Capitão Assumção justamente o único que teve toda a receita proveniente do fundo, também com o segundo maior valor absoluto dentro os demais parlamentares eleitos no Espírito Santo não quis se manifestar a respeito.
Criado durante o governo de Michel Temer (MDB) e tipificado pela Lei nº 13.487 do ano de 2017, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) surgiu como uma compensação do fim da doação empresarial, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a interpretou como favorável a episódios de corrupção.
Na época, delações premiadas dos proprietários da empresa JBS (gigante do ramo de carnes) revelaram um esquema de propina que envolvia diversos políticos, incluindo o então presidente Temer, o político Aécio Neves e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, dos governos comandados por Lula e Dilma Rousseff.
Com a mudança no sistema de financiamento eleitoral, a quantia destinada para o fundo deve ser depositada pelo Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até o dia 1º de junho do ano da respectiva eleição; e o que não for utilizado nas campanhas deve ser devolvido integralmente, no momento de prestação de contas.
Também ficou estipulado a forma como é feita a distribuição do recurso aos partidos:
Para receber o valor ao qual tem direito, cada partido deve informar quais serão os critérios de distribuição aos candidatos, tendo estes sido deliberados pela Comissão Executiva Nacional da agremiação partidária e aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão da direção executiva da sigla.
Nas últimas eleições, o PSL definiu que caberia ao presidente do partido definir a distribuição dos recursos, levando em consideração, entre outras coisas, a reeleição dos atuais mandatários e a probabilidade de êxito, bem como estipulou a necessidade de os candidatos fazerem um requerimento formal ao partido para receber os recursos do fundo eleitoral.
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (conhecido como Fundo Partidário) é constituído por doações orçamentárias da União. Ao contrário do Fundo Eleitoral, ele tem valores distribuídos mensalmente com o objetivo de auxiliar o funcionamento dos partidos, embora parte desse valor também possa ser utilizada nas campanhas em anos eleitorais. Em 2018, o valor deste mecanismo foi de R$ 900 milhões.
Devido à forma como é feita a distribuição do fundo eleitoral, o cientista político Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), enxerga uma dissonância entre a demanda popular e o funcionamento do mecanismo. "O brasileiro tem apresentado uma tendência de renovação política, mas o fundo favorece quem está no poder."
A explicação é simples, já que partidos com maiores bancadas na Câmara e no Senado recebem a maior fatia do FEFC. "Hoje, por exemplo, o PSL, o PT e o MDB têm uma vantagem muito grande sobre os demais. Por isso, uma mudança que acredito que faria uma grande diferença é a uma divisão do dinheiro mais igualitária entre os partidos", afirmou.
Com dificuldade de enxergar um financiamento eleitoral sem dinheiro público no Brasil, Sérgio Praça fez o que considerou um difícil julgamento a respeito do atual mecanismo. "Dentro da realidade brasileira, o financiamento atual é bastante razoável. Prefiro uma eleição com mais dinheiro público e menos corrupção, do que o contrário", defendeu, referindo-se às antigas doações empresarias.
Em relação ao boicote sugerido pelo presidente Bolsonaro, ele afirmou que o discurso favorece a imagem que o próprio quer para si. "O PSL vai ter o maior financiamento eleitoral deste ano. Ele poderia ter ficado no partido e se aproveitado disso, mas ele saiu. É uma campanha que favorece a visão de que ele não se aproveita da máquina pública", explicou.
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