Apenas dois dos parlamentares – deputados e senadores – que compõem a bancada capixaba no Congresso Nacional votaram a favor da manutenção do veto do ex-presidente Lula (PT) que impediu servidores de nível técnico da Receita Federal de adquirir status de analistas fiscais, cargo de nível superior. O veto foi derrubado pela maioria, em um acordo que "uniu" governo e oposição. Entre os capixabas, apenas o deputado federal Felipe Rigoni (de saída do PSB) e o senador Marcos do Val (Podemos) votaram pela manutenção do dispositivo.
Sem o veto, servidores de nível técnico que atuavam na Secretaria de Receita Previdenciária – que existiu entre 2005 e 2007 – e foram transferidos para a Receita Federal vão passar a ter o status de analistas fiscais, cargo de nível superior que fornece as benesses conquistadas por quem presta concurso público, entre elas, um salário mais alto. O impacto previsto, de acordo com assessores legislativos, chega a R$ 2,8 bilhões.
Na justificativa, 12 anos atrás, Lula sustentou que a medida seria uma "tentativa de burla à regra do concurso público", uma vez que os servidores técnicos não passaram pela seleção e nem mesmo desempenham "atribuições idênticas às de analistas tributários". O texto ressalta, ainda, que a remuneração a ser recebida pelos novos analistas seria "bastante superior". Com a derrubada, especialistas destacam que os 1,8 mil servidores poderão, ainda, ir à Justiça em busca dos salários e benefícios retroativos.
No Senado, Marcos do Val foi o único entre os representantes do Espírito Santo a votar sobre o veto. Fabiano Contarato (Rede) e Rose de Freitas (MDB) não participaram da votação. Contarato justificou que "devido a um atraso de seis horas na sessão" precisou conciliar as agendas e não conseguiu chegar a tempo de votar. Disse, no entanto, que também teria votado pela manutenção do veto. Rose de Freitas e Marcos Do Val não responderam à reportagem.
Já o único deputado a votar contra a mudança, Felipe Rigoni, considerou o resultado da votação "muito grave" e ressaltou o cenário de crise sanitária enfrentado pelo país.
"É muito simples. Não dá para aumentar salário em um momento como este, com um custo estimado em R$ 2,8 bilhões, sendo que estamos lutando a cada centavo para conseguir recurso para auxílio-emergencial, combate à pandemia, simplesmente não dá para fazer isso em uma hora desta. Ainda mais para profissional de Receita Federal. É muito grave um negócio desse, principalmente com um orçamento totalmente irreal como o que foi aprovado. Vai pressionar ainda mais", disse.
O valor do impacto financeiro da medida corresponde a 18 milhões de parcelas do valor mínimo de auxílio-emergencial pago para brasileiros.
Vetos são analisados em sessões conjuntas, por isso senadores e deputados se posicionaram sobre o tema na mesma ocasião. Tanto parlamentares mais alinhados ao governo federal, como Soraya Manato (PSL) e Evair de Melo (PP), que é um dos vice-líderes de Bolsonaro na Câmara, quanto deputados com forte atuação oposicionista, como o petista Helder Salomão (PT), votaram pela derrubada do veto.
Aliada fiel ao presidente da República, Soraya Manato afirmou que votou seguindo o direcionamento que foi dado pelas lideranças partidárias. "O meu voto foi definido conforme o acordo firmado entre os líderes dos partidos para a votação dos vetos. Confio na gestão do governo Bolsonaro e sei que será feito o melhor para o nosso país. Estamos em plena crise sanitária e econômica. Não há uma interferência em nenhuma carreira de Estado. O foco agora é permitir que o país siga em frente, em todos os setores", afirmou, por nota.
Já do outro lado do espectro político, Helder Salomão afirmou que a mudança vai corrigir uma "injustiça", porque vai igualar os benefícios entre servidores que desempenham "as mesmas atividades".
"Na tarde de ontem foram apreciados 20 dispositivos vetados e eu votei pela derrubada de apenas um, o 007, que se refere ao cargo de analista da Receita Federal do Brasil. A instituição mantinha duas carreiras desempenhando a mesma função, porém com uma delas sendo prejudicada em sua remuneração", disse Helder, por nota. O petista acrescentou, ainda, que o acordo para a derrubada desse veto existe desde 2019.
"A questão de ter sido derrubado agora não pode ser considerada um prejuízo para o erário, pois esses trabalhadores foram prejudicados ao longo de 12 anos", completou.
Todos os outros sete deputados federais foram procurados pela reportagem para justificar o voto, mas até a publicação deste texto não deram retorno.
Para economistas e cientistas políticos ouvidos por A Gazeta, a derrubada do veto foi uma demonstração clara de que o Centrão – grupo de partidos que formam maioria e flutuam nas votações conforme a conveniência – está no centro das agendas do Congresso e o governo federal "perdeu o papel de dar as cartas" até mesmo em questões econômicas.
"O Centrão trabalha fundamentalmente promovendo e protegendo interesses locais, de corporações, de determinados setores econômicos, é um grupo que não tem um plano nacional integrado, ele trabalha no varejo. E essa é uma pauta característica dos partidos de que compõem o grupo. Como a agenda é do Centrão, que efetivamente comanda as duas Casas, as pautas dele vão prevalecer", analisa o cientista político e professor da UFPE Arthur Leandro.
Tanto presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), quanto o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), são membros de partidos do Centrão. Ao colocar a pauta em votação, o sinal claro é de que o governo ou mesmo a pasta da Economia não tem mais forças para sustentar pautas de reformas, uma vez que a mudança vai "totalmente na contramão" do que tenta a reforma administrativa que tramita na Casa.
"O governo está emparedado com a CPI da Covid e a aproximação do ano eleitoral e se torna fragilizado do ponto de vista pragmático. Está muito mais rendido aos interesses fisiológicos do Centrão, são eles que estão com as mãos nas cordas", completou o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino.
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