Um terapeuta foi convocado a depor à CPI de Crimes Cibernéticos, da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, por ter gravado um áudio com críticas ao deputado Capitão Assumção (PSL) e compartilhado a mensagem, via WhatsApp, em um grupo privado do condomínio em que mora.
Na gravação, em meio ao temor dos vizinhos quanto a um possível aquartelamento por parte de policiais no Espírito Santo, Paulo César dos Santos nega a possibilidade de paralisação dos militares e avalia que Assumção promove terrorismo psicológico. Nesta terça-feira (3) ele compareceu à CPI e teve que gravar um vídeo pedindo desculpas pelo que disse. Para especialistas, o homem não cometeu nenhum crime e os deputados inibiram a liberdade de expressão, e a postura pode até ser classificada como abuso de autoridade.
O áudio foi gravado no contexto dos ataques em Vitória, em 14 de fevereiro, quando criminosos quebraram veículos, colocaram fogo em ônibus e fecharam vias e comércios da capital.
Os parlamentares integrantes da CPI acusaram o terapeuta de promover notícias falsas e desonrar a imagem do deputado.
Ao ser chamado para depor, o homem disse que estava tentando evitar que seus vizinhos entrassem em pânico. Interrogado, ele pediu desculpas ao deputado e chegou a gravar um vídeo se retratando pela mensagem. Foi o próprio Capitão Assumção que levou o áudio até a CPI e pediu uma investigação.
Para especialistas em Direito Constitucional, contudo, não houve crime por parte do terapeuta. O professor de Direito da FDV e advogado Caleb Salomão Pereira acredita que os parlamentares tentaram inibir a liberdade de expressão de um cidadão. Ele chamou a acusação feita pelos deputados de estapafúrdia.
"Um cidadão emite uma opinião sobre um homem público, entendendo que a posição deste deputado cria alguma instabilidade social. Isso é uma opinião que ele colocou em um grupo privado de WhatsApp, em um contexto em que se discute segurança pública", afirma.
Para Caleb, houve abuso coletivo de autoridade, tanto do deputado que o convocou no caso o presidente da CPI, Vandinho Leite (PSDB) , como dos outros parlamentares que estavam na comissão. Ele critica ainda a medida sugerida pelo deputado Danilo Bahiense (PSL), que propôs que o homem gravasse um vídeo para se retratar, algo que foi acatado pelos outros parlamentares e pelo próprio terapeuta.
A professora de Direito Penal da Ufes Margareth Vetis também analisou o vídeo da sessão, a pedido da reportagem de A Gazeta. Para ela, há possíveis indícios de abuso de autoridade. Vetis explica que a nova lei de abuso de autoridade diz que membros do Legislativo também são passíveis de serem enquadrados.
No caso da CPI, a professora pontua que pode ser considerado abuso, se ficar comprovado que o homem tenha sido convocado sem um precedente judicial e que não lhe tenha sido informado o crime em que ele estava sendo acusado.
Durante seu depoimento, o presidente da CPI, Vandinho Leite, pergunta se ele sabia por que foi convocado. O terapeuta diz que não sabia e o deputado pede que seja reproduzido o áudio gravado por ele.
A nova legislação criminaliza desde uma condução coercitiva até mesmo uma convocação em CPI sem que o depoente possa ter direito de saber o que irá ser perguntado ou se deveria chamar um advogado. Caberia ao Judiciário aplicar este tipo de processo, caso o deputado tenha se sentido lesado. Uma CPI tem fins específicos. Neste caso, a própria pessoa atingida foi quem pediu a convocação. Ela se usou da comissão, analisa.
A ONG Transparência Capixaba também se manifestou sobre a convocação do terapeuta à CPI. Em nota assinada pela entidade, o caso foi considerado inócuo e espetaculoso, já que o depoimento, para a ONG, não se demonstrou importante para ser objeto de CPI.
Contudo, a Transparência não acredita que houve abuso por parte dos deputados. Ao fazer acusações sem provas contra o deputado, surge também o direito de pleitear uma investigação, mas entendemos que o assunto não deveria ter sido tratado no âmbito de uma CPI, aponta. Os parlamentares não demonstraram zelo com os recursos públicos e, ao fim, produziram apenas um espetáculo sem resultados efetivos, diz a nota.
O terapeuta foi procurado pela reportagem, mas um contato próximo disse que ele preferia não se manifestar. O espaço está aberto caso ele queira falar sobre o episódio.
A reportagem procurou os quatro deputados que participaram da CPI. Para Danilo Bahiense, relator da comissão, a convocação cumpriu a mais perfeita legalidade. Ele afirma que as pessoas precisam ter cuidado com o que dizem e sugere que mensagens publicadas em redes sociais não têm o mesmo caráter que uma opinião dada dentro de casa.
O que se diz pode ter uma proporção. As pessoas podem ter opinião, desde que não cometam crimes, argumenta. O parlamentar alegou que mesmo em delegacias as pessoas são chamadas a depor sem saber sobre o que vão ser interrogadas.
Os autos estavam disponíveis na CPI. Quem quissesse poderia se informar antes. As provas estavam todas ali, assim como o áudio que foi divulgado. Se ele quisesse, poderia ter ido com advogado. Não foi porque não quis, analisa.
Lorenzo Pazolini (sem partido) também saiu em defesa do procedimento adotado. O parlamentar conta que a honra do Capitão Assumção foi ferida e que o terapeuta impôs ao deputado uma conduta criminosa que não correspondia com a verdade.
Promoção de terrorismo é um fato criminoso. Foi uma fala infeliz, uma promoção de um áudio com conteúdo inverídico. Não foi uma condução coercitiva, ele foi notificado a prestar esclarecimento e sabia do que seria tratado. Ele reconheceu o erro, que era uma informação que não tinha embasamento, defende.
O presidente da CPI, Vandinho Leite, disse que não houve afronta ou violação a direitos e garantias constitucionais. Ele também sustenta que o investigado foi notificado dentro da legislação vigente. "Esta CPI se pauta na legalidade, respeitando sempre a dignidade da pessoa humana", ressalta.
O deputado Capitão Assumção também foi procurado por A Gazeta, na terça-feira (03), ainda antes da publicação desta reportagem. Na noite desta quarta, já após a veiculação, ele se manifestou sobre o assunto.
"Imagine quantos capixabas receberam aquele áudio dizendo que eu estava por trás daqueles atos criminosos por causa de vândalos que desceram a Leitão da Silva. Eu posso sofrer fake news dizendo que eu sou responsável por aquela a covardia que os bandidos fizeram e o cara que está errado agora virou vítima?", questionou.
No áudio, como transcrito mais acima, o terapeuta menciona "aquartelamento" (de PMs), não ataques ao comércio da Avenida Leitão da Silva, embora o compartilhamento do comentário tenha ocorrido naquele contexto.
"Esses pseudoespecialistas em Direito Constitucional aí fazem a interpretação que eles querem (...) Eu sofro fake news e agora eu sou o acusado?!", pontuou o deputado.
Assumção diz que, além da convocação à CPI, também procurou a Polícia Civil para passar a história a limpo. "Ele (o terapeuta autor do áudio) poderia fazer parte de uma rede. Nós estamos vivendo uma grande confusão de fake news. Na semana que vem você vai ver que os dois principais divulgadores de fake news, usando telefone institucional, estão correndo da raia", adiantou.
"É liberdade de expressão ofender um pai de família? (...) O país do politicamente correto acabou. Acabou o mimimi. Eu quero que esses caras que falaram que eu estou errado me processem."
No último dia 21, Assumção se livrou de uma eventual punição por parte da Corregedoria da Assembleia após ser alvo de procedimento devido a um discurso. O deputado havia oferecido R$ 10 mil para quem matasse o suspeito de cometer um assassinato.
Após o arquivamento, definido pelos colegas, Assumção defendeu o direito à livre expressão. "Prevaleceu a Justiça, falei o que a sociedade pensa e não me arrependo. Se calam a voz de um parlamentar, calam a voz de todos os outros deputados", afirmou, na ocasião.
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