Os 95 casos que estavam parados no Espírito Santo por causa da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de impedir o compartilhamento de dados fiscais e bancários obtidos por órgãos como Receita Federal e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que agora é Unidade de Inteligência Financeira, UIF), voltaram a tramitar normalmente.
Em outubro, levantamento do Ministério Público Federal (MPF) apontou que ao menos 700 investigações e ações penais estavam paralisadas em todo país como consequência da decisão do ministro, de julho. E 95 era o número no Espírito Santo. Mas, de lá pra cá, o cenário mudou.
O STF autorizou o compartilhamento de dados sem aval judicial prévio. Até Toffoli mudou de posicionamento. Assim, foi liberado o andamento do caso mais emblemático, o do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e investigado por um suposto esquema de rachid, ou "rachadinha", do tempo em que era deputado estadual.
A prática do rachid é quando o político com mandato fica com parte dos salários dos funcionários que contrata para o gabinete. E nem sempre esses funcionários trabalham mesmo. Isso configura, se confirmado, os crimes de lavagem de dinheiro e peculato.
A Procuradoria Geral da República explicou, ainda em outubro, que as investigações são sigilosas e não poderia dar detalhes sobre as 95 até então bloqueadas no Espírito Santo.
Contudo, informou que elas dizem respeito a potenciais crimes contra a ordem tributária, contrabando ou descaminho, contra o patrimônio, sonegação de contribuição previdenciária, falsidade ideológica, uso de documento falso, formação de quadrilha, estelionato e outros.
Já após a nova decisão do STF, o MPF-ES informou em nota que "com a revogação da liminar do ministro Tofolli, os processos e investigações voltaram a andar normalmente".
O período em que as investigações ficaram suspensas, no entanto, pode ter servido ao menos como um incentivo a quem pretendia descumprir a lei, como avisou, ainda em novembro, o procurador do Ministério Público Federal no Estado (MPF-ES), Julio de Castilhos.
"(Nesse período) é possível lavar muito dinheiro. Pode ter ocorrido uma série de evasão de divisas, podem ter operado instituições financeiras não autorizadas de forma veloz. Para criminalidade, são meses, eu diria, com um passe livre. É como se, de uma hora para outra, desligassem todos os radares de uma rodovia. Quem tem consciência vai continuar andando no limite. Mas quem não tem e não faz questão de ser... A oportunidade de acidentes é maior", comentou.
O STF decidiu, por 9 votos a 2, após uma longa novela, que órgãos financeiros podem compartilhar dados fiscais e bancários sobre suspeitas de crimes com autoridades responsáveis pelas investigações criminais. E, para isso, não precisam de autorização judicial prévia.
Em outro julgamento, no último dia 4, o Supremo abordou o tema novamente, para definir as regras para esse compartilhamento. A tese fixada foi a seguinte:
1 - É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (antigo Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados.
2 - O compartilhamento pela UIF e pela Receita Federal do Brasil, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meios de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Ou seja, pela tese fixada o antigo Coaf e a Receita podem compartilhar os dados com investigadores para ajudar na apuração de crimes, mas isso não pode ser feito informalmente, tem que haver registro dessa tramitação e as informações compartilhadas não podem vazar, porque são sigilosas.
Até se chegar a esse entendimento, vários casos em andamento que contaram com dados do Coaf e da Receita Federal ficaram parados. Isso porque a defesa do senador Flávio Bolsonaro acionou o Supremo. Toffoli decidiu que as investigações sobre o senador deveriam ser suspensas até o Supremo decidir se os dados fiscais e bancários obtidos pelo Coaf poderiam ou não ser usados. Foi o Coaf que identificou uma série de movimentações suspeitas na conta do filho do presidente e de servidores e ex-servidores ligados a ele, como Fabrício Queiroz.
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