Os juízes Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Gutmann se apresentaram, na noite desta quinta-feira (29), no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe, Vitória, onde estão presos em cela especial. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) na própria quinta, após um pedido do Ministério Público Estadual (MPES). Os magistrados foram denunciados corrupção no âmbito da Operação Alma Viva, que apura uma suposta venda de sentença proferida em 2017.
Os juízes já estavam afastados das funções, por decisão do TJES proferida no dia 15 de julho. Contudo, segundo a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, o afastamento não se mostra suficiente para impedir que Gutmann e Farina atrapalhem as investigações. Por isso, o órgão pediu a prisão preventiva dos juízes.
Gutmann e Farina se apresentaram no Quartel da PM por volta das 20h e chegaram acompanhados de advogados. No local há sala de Estado Maior, uma espécie de cela especial para quem tem prerrogativa de função, o chamado foro especial, como é o caso dos magistrados. A Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP) informou, na manhã desta sexta-feira (30), que os juízes são mantidos em ambientes separados, obedecendo à determinação judicial.
O TJES também ordenou a prisão preventiva do empresário Eudes Cecato e do ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) Davi Ferreira da Gama, denunciados pelo MPES. Eudes foi beneficiado pela sentença e, segundo o Ministério Público, pagou pela decisão. Já Davi foi responsável por intermediar as negociações, ainda segundo o órgão. De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), não há registro de entrada deles no sistema prisional até a manhã desta sexta.
Por unanimidade, a prisão preventiva foi determinada pelos desembargadores do TJES durante sessão do Pleno na tarde desta quinta-feira. No voto, a relatora, desembargadora Elisabeth Lordes, registrou que a medida visava a garantir a instrução processual, já que há indícios que os magistrados estavam atuando para "atrapalhar as investigações, constranger testemunhas e destruir provas".
"Para a garantia da instrução processual, que ora se inicia, com oferecimento de denúncia feita ontem, refutando que com a aplicação de outras medidas cautelares não seria possível impedir acesso ao processo dos investigados enquanto estiverem em liberdade. Assim, estou votando pelo acolhimento do pedido", registrou no voto.
O voto da desembargadora foi acompanhado pelos outros magistrados, que classificaram como "gravíssimo" o caso e compararam com a Operação Naufrágio, deflagrada em 2008 pela Polícia Federal e que prendeu desembargadores por suspeita de participar de um esquema de venda de sentenças.
"Este é o mais triste episódio do Poder Judiciário no Espírito Santo. Muito mais triste que a famigerada Naufrágio, que nos envergonhou perante o país. Este é o episódio mais triste e vergonhoso que o Poder Judiciário capixaba poderia enfrentar", afirmou a desembargadora Eliana Munhós durante a sessão.
A suspeita sobre a venda da sentença, que foi proferida pelo juiz Carlos Gutmann, em março de 2017, surgiu a partir de outra investigação, a da morte da médica Milena Gottardi. O ex-marido dela, o ex-policial civil Hilário Frasson, foi denunciado como mandante do crime.
O executor confesso, Dionatas Alves Vieira, afirmou que Hilário gostaria que o crime fosse cometido na Serra, onde teria "um juiz amigo". Em análise de mensagens e ligações feitas pelo celular de Hilário, o MPES chegou ao nome do magistrado Alexandre Farina.
Ainda de acordo com o MP, Hilário e Farina intermediaram a negociação de uma sentença, em 2017, sem relação com o caso Milena.
Hilário manteve contato com Eudes Cecato, interessado na titularidade de um terreno, e com Farina. Este, por sua vez, ainda segundo as investigações, atuou ao lado de Gutmann para garantir que a decisão judicial beneficiasse o empresário. Isso em troca de pagamento a ser feito por Cecato.
Nas mensagens a que o MPES teve acesso, a propina é chamada de "vacas" ou "rebanho" por Farina.
Ao todo, sete pessoas foram denunciadas por crimes de corrupção passiva e ativa: os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann: o ex-policial civil Hilário Frasson, que se encontra preso por envolvimento no assassinato da ex-mulher; Davi Ferreira; Eudes Cecato; além de Valdir Pandolfi e o advogado Luiz Alberto Lima Martins.
A denúncia foi apresentada pelo MPES na quarta-feira (28). Já a investigação começou em maio deste ano. Inicialmente, os autos do processo estavam sob sigilo, derrubado em julho deste ano pelo TJES.
A Corte ainda tem que analisar a denúncia. Se ela for recebida, os acusados tornam-se réus. Somente depois eles devem ser julgados e podem ser condenados ou absolvidos.
Por meio de nota, a defesa do juiz Alexandre Farina classificou a decisão da Corte como "descabida e desnecessária" e afirmou que "não há qualquer interferência nas investigações" por parte do magistrado.
"Apesar dos argumentos jurídicos apresentados pela relatora do caso, desembargadora Elizabeth Lordes, a defesa do juiz Alexandre Farina Lopes discorda integralmente da decretação de prisão preventiva. Isso porque, há menos de 15 dias, em sessão do Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), foram analisadas e deferidas medidas cautelares de natureza pessoal, ou seja, diversas da prisão preventiva. Desde então, não há qualquer interferência nas investigações por parte de dos investigados, em especial, do magistrado Alexandre Farina Lopes. Diante disso, a prisão preventiva neste momento é descabida e desnecessária, o que será demonstrado pela defesa em recurso próprio", diz a nota.
A defesa de Gutmann afirmou, por meio de nota assinada pelos advogados Israel D. Jorio e Raphael Boldt, que o juiz está sendo "massacrado" e desconhecia "tratativas ilícitas" a respeito da sentença que proferiu e que agora é alvo da Operação Alma Viva. Veja a nota na íntegra:
"Gutmann está sendo massacrado por ter examinado um processo e por ter dado uma decisão juridicamente fundamentada, a respeito da qual desconhecia, totalmente, a existência de bastidores envolvendo tratativas ilícitas – as quais repudia. O juiz tem se colocado à disposição das autoridades desde o início das investigações. Abriu mão de sua prerrogativa funcional de ser ouvido pela desembargadora relatora do caso e declarou toda a verdade na sede do GAECO/MPES, demonstrando seu claro e sincero desejo de provar sua inocência. Gutmann nunca trocou de aparelho celular ou de chip de telefonia. Não apagou mensagens, não destruiu evidências, não realizou qualquer ato de eliminação de provas ou de obstrução da Justiça. Mantendo a coerência, submeteu-se à decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo e se apresentou voluntariamente para o cumprimento da prisão preventiva decretada. Segue, apesar de tudo, com o firme propósito de cooperar e com a absoluta confiança de que a elucidação dos fatos trará a verdade e, consequentemente, levará à sua absolvição."
"O juiz Carlos Alexandre Gutmann emitiu nota na semana passada atestando sua inocência. Garantiu que não há e não surgirá uma única comunicação com os demais investigados que possa ser associada a tratativas, negociações, favores indevidos ou infrações de deveres funcionais. Disse também que tem confiança de que a Justiça vai apurar todos os fatos, considerando seu histórico pessoal e profissional de reputação ilibada. 'A Justiça, com competência e sensibilidade, vai chegar à verdade, distinguindo entre onde existem fatos e onde existem apenas aparências e conjecturas'", disse, por nota.
A defesa de Davi Ferreira disse que não vai se manifestar sobre o caso.
A reportagem não conseguiu falar com a defesa de Eudes Cecato. Na última semana, o advogado de defesa do empresário disse que, desde que ficou ciente dos fatos investigados, Eudes prontamente acatou todas as demandas indicadas e se colocou à disposição para colaborar com as investigações.
"Sendo assim, registra seu mais alto interesse em contribuir para o esclarecimento de todos os fatos, de maneira que a Justiça seja feita", escrevem os advogados Fernando Ottoni e Clécio Lemos em nota enviada à reportagem.
O advogado Luiz Alberto Lima Martins, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa, afirmou que " está seguro de que o prosseguimento do processo vai comprovar que a sua atuação foi estritamente profissional no caso. Garante que sempre pautou sua atuação dentro da legalidade, de forma ética e transparente no exercício da advocacia. Reforça que desconhece supostas negociações envolvendo quaisquer dos processos em que atuou e atua. Permanece à disposição da Justiça para prestar informações e acredita que toda verdade será esclarecida".
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