Eles se elegeram lado a lado em 2016. Deram as mãos, posaram para fotos. Quatro anos depois, o cenário é outro em nove municípios do Espírito Santo quando o assunto são as eleições. Nessas cidades, prefeito e vice agora estão em times opostos. Em seis deles, o embate será direto, com o prefeito buscando a reeleição, tendo o vice como adversário. Em outras três cidades, o prefeito não está entre os candidatos, mas apoia outro nome contra seu atual vice.
No momento em que as alianças eleitorais são fechadas, o mais comum é que o nome do vice seja escolhido de acordo com os interesses partidários em primeiro lugar, para formar uma chapa competitiva, e não necessariamente por haver alguma relação próxima entre ele e o candidato a prefeito. Em muitos casos, os integrantes da futura "dupla" inclusive mal se conhecem.
No entanto, após assumirem a prefeitura, não é raro que apareçam divergências de posicionamento político sobre determinados temas, além da queixa da falta de espaço dada para o vice atuar, por ficar sem participação sobre as principais decisões da gestão. Com isso, a aliança pode desmoronar ainda durante o mandato.
Foi o caso de Vitória, em que o atual vice-prefeito, Sérgio Sá (PSB), rompeu politicamente com o prefeito Luciano Rezende (Cidadania) em março de 2019. A briga mostrou-se evidente em fevereiro deste ano, quando Sá oficializou o interesse em ser pré-candidato à prefeitura. No dia seguinte, foi exonerado do cargo de secretário de Obras, que acumulava com a função de vice. Além disso, 22 servidores comissionados da pasta foram exonerados em seguida.
A partir de então, a relação entre Luciano e Sá passou a ser "institucional", segundo o socialista, e a própria exoneração não foi conversada entre eles. Para as eleições municipais, Luciano ajudou a construir e a lançar a candidatura do deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania). Isso significa que o prefeito e Sérgio Sá, que se confirmou candidato, estão em lados opostos do palanque eleitoral.
Em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, o embate é ainda mais direto: o vice-prefeito, Jonas Nogueira (PL), disputa contra o atual prefeito, Victor Coelho (PSB), que tenta a reeleição. Os dois já estão rompidos há quase dois anos, desde o final de 2018. Agora, enquanto um representa a continuidade, o outro é oposição à gestão da qual faz parte.
A mesma situação de Cachoeiro ocorreu em Alto Rio Novo, em que o prefeito Luís Borel (MDB) vai enfrentar seu vice, Matheus Oliveira (PP). Em Anchieta, o prefeito Fabrício Petri (PSB) vai disputar contra o vice, Carlos Valdir (MDB).
Outros municípios em que a situação se repete são Ibatiba, com o prefeito Luciano Pingo (Republicanos) contra o vice, Dr. Johnson (Podemos); em Mantenópolis, o prefeito Hermínio Hespanhol (MDB) contra o vice, Geraldo Magelo Xavier (PSB), e Sooretama, com o chefe do Executivo, Alessandro Broedel (Republicanos), contra o vice Aguinaldo Machado (Rede).
Já em Barra de São Francisco, a situação é semelhante à da Capital. O vice-prefeito, Denilson Ferreira Vanderlei (Solidariedade), será candidato, mas o Podemos, partido do atual prefeito Alencar Marim, com quem ele se elegeu, vai apoiar Enivaldo dos Anjos (PSD).
Em Presidente Kennedy, o vice-prefeito, Dorlei Fontão (PSD), é quem está no comando da cidade desde o afastamento da prefeita Amanda Quinta (sem partido), em maio de 2019. Agora, ele vai disputar o cargo de prefeito em novembro, mas sem o apoio da ex-aliada.
O levantamento foi feito por A Gazeta com base nas candidaturas e alianças confirmadas pelos partidos e registradas nas atas das convenções eleitorais, realizadas até 16 de setembro.
Embora seja muitas vezes esquecido pelos eleitores, o vice-prefeito pode definir muitos rumos no caso da ausência do prefeito. Em primeiro lugar, destaca-se que o vice assume o poder em situações de exoneração, cassação do mandato ou falta do prefeito por motivos de viagem, ou de saúde.
Enquanto nenhuma dessas situações acontece, o vice pode liderar tarefas administrativas e é o prefeito quem tem a competência para delegar suas funções e atividades.
Administrativamente falando, ele também responde pessoalmente por todos os atos tomados durante sua atuação, seja como vice ou como substituto, conforme a Lei Orgânica da prefeitura em questão.
Na prática, o vice pode ficar com um importante papel político de negociação junto ao Legislativo e fazer a interlocução com a sociedade civil em toda a gestão do prefeito. Também é comum que acumule a função de secretário municipal de alguma área.
Quando um vice rompe com o titular é possível também que ele assuma uma postura de fiscalizador, ou até uma espécie de opositor dentro da prefeitura, o que pode incomodar muito a vida do gestor.
Os vices que vão enfrentar o prefeito ou seus aliados políticos já irão largar na campanha com o desafio de tentar se desvincular da marca daquela gestão, da qual, mesmo que pouco, fizeram parte.
No caso de Sérgio Sá, ele lembra que a aliança com Luciano foi firmada em 2016 mais baseada no projeto político dos partidos Cidadania e PSB, que realizaram composições em todo o Estado, do que em uma grande sinergia entre os dois políticos. Sá havia sido secretário de Habitação de Luciano no primeiro mandato, mas mesmo assim diz que não tinha relação tão próxima com o prefeito.
Como vice, ele considera que nunca foi muito envolvido pelo titular nas discussões dos grandes temas de Vitória. "Nós temos propostas diferentes para a cidade. Viemos ouvindo a população, construindo e nos consolidando, e vimos que precisávamos apresentar a nossa alternativa para enfrentar os grandes temas, com a experiência que tenho no Executivo", afirma.
Nesta reta final do mandato, Sá diz que vem realizando seu trabalho respondendo a todas as demandas que chegam a ele. "A minha estratégia tem sido a de ter um relacionamento institucional, cumprindo minhas atribuições, pois eu também tenho uma responsabilidade com a cidade. E na campanha, vamos apresentar projetos que sejam realmente viáveis para Vitória", declarou.
O prefeito de Vitória, Luciano Rezende, foi procurado pela reportagem, via assessoria, mas não se manifestou até a publicação deste texto.
No caso de Cachoeiro, o rompimento entre Victor Coelho e Jonas Nogueira foi no final de 2018, quando o Jonas se posicionou contrário a um projeto da prefeitura sobre o subsídio ao transporte coletivo.
"A gente não era rompido, mas eu não tinha participação direta, não tive espaço, só era designado para o papel institucional, para representar o prefeito em uma ou outra agenda, em reuniões locais. Fiquei contra o projeto dele porque sou subordinado ao povo, não sou funcionário do prefeito. Depois do rompimento, não fui mais chamado para representá-lo em nada, mas vim atuando de outras formas, monitorando os equipamentos públicos. Passei a visitar e enviar demandas, fazer indagações sobre unidades de saúde, escolas", relata Nogueira.
A aliança dos dois também foi fechada por decisão estratégica em 2016, acreditando que se unindo a um mesmo projeto teriam uma chapa mais competitiva, em vez de "dividir os votos".
Para a campanha, embora se coloque como oposição, Nogueira diz que deve evitar os ataques. "Nesse período todo, não fiz crítica pessoal a ele, só mostrava os problemas. Vamos nos propor a apresentar propostas para melhorar a vida da população e não ataques. De minha parte, vai vir uma campanha propositiva, limpa", afirma.
O prefeito e candidato Victor Coelho foi procurado por meio de sua assessoria, mas não quis se manifestar sobre o assunto.
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