O arquivamento do projeto que reduzia de 15 para oito o número de assessores para cada vereador na Câmara de Vitória é considerado ilegal por pelo menos quatro juristas ouvidos pela reportagem de A Gazeta. De acordo com eles, essa atitude não poderia ter sido tomada após a aprovação do texto em plenário.
O projeto de resolução foi aprovado em maio pelos vereadores, por oito votos a quatro, e aguardava apenas a redação final, com a nova regra, para a publicação. No entanto, na noite de quinta-feira (17), o presidente da Câmara, Cleber Felix (DEM), arquivou o projeto.
Um parecer do procurador-geral da Casa, Tarcísio Corrêa, apontou vício de iniciativa na emenda substitutiva apresentada pelo vereador Max da Mata (Avante), acolhida pelo plenário, que modificou o projeto original. A autoria, de acordo com ele, deveria ser da Mesa Diretora.
O argumento é discutível, segundo especialistas na área de Direito Constitucional, mas não dá poder ao presidente da Câmara de arquivar um projeto que foi aprovado em plenário.
"A atribuição para manifestar pela validade e constitucionalidade de uma matéria é da Comissão de Constituição e Justiça", afirma o advogado constitucionalista Cláudio Colnago. Como o projeto já passou até pelo plenário da Casa, composto por todos os vereadores, o ciclo já está completo.
A fase de redação final é considerada meramente protocolar e visa apenas como o próprio nome diz sacramentar o texto segundo o que fora aprovado. Não é momento de debater sobre juízo de valor da norma, acrescenta o professor de Direito Constitucional da Ufes Ricardo Gueiros.
O problema de inconstitucionalidade havia sido detectado desde maio. A procuradoria-geral alertou que o projeto só poderia ser proposto pela Mesa Diretora. Mas o plenário, que tem a prerrogativa de acatar ou não o parecer da procuradoria, decidiu seguir com o projeto, que foi aprovado pela maioria dos vereadores.
Por causa disso, o correto, agora, segundo os juristas, seria promulgar, publicar o projeto, mesmo em caso de vício constitucional. Posteriormente, a resolução poderia ser questionada no Poder Judiciário.
Uma vez aprovado, o processo legislativo deve ser promulgado. A partir dessa promulgação, caso constatado vício, poderia imediatamente se fazer uma outra resolução para revogar essa anterior, ou utilizar os mecanismos judiciais, acionando o Judiciário, explica o professor de Teoria da Constituição na FDV, Anderson Sant'Ana Pedra.
No parecer do Procuradoria-Geral da Câmara de Vitória, o procurador Tarcísio Corrêa argumenta que houve vício de iniciativa na emenda substitutiva apresentada pelo vereador Max da Mata (Avante).
De acordo com Corrêa, o regimento interno é claro ao dizer que compete à Mesa Diretora propor projetos de resolução que criem, transformem e extingam cargos, empregos ou funções da Câmara. Assim, segundo ele, a emenda teria que ter sido proposta pela Mesa.
O procurador federal da Advocacia Geral da União (AGU) e professor mestre em Direito Constitucional Dalton Morais afirma que a consideração da procuradoria da Câmara de Vitória está correta. Contudo, o fato de a apresentação de um projeto caber à Mesa Diretora não impede que uma emenda substitutiva, por exemplo, seja apresentada por outros parlamentares, a não ser em casos que ela aumente a despesa ou apresente uma matéria diferente do projeto inicial.
No caso da emenda de Max da Mata, que é questionada pela procuradoria, há alteração na proposta original. No texto inicial, a redução era de 15 assessores para dez. Com a emenda, passou de 15 para oito.
Para Colnago, o argumento da procuradoria é fraco e desrespeita a decisão tomada em plenário.
Esse argumento é escandalosamente fraco e não deveria ser utilizado, é um desrespeito com os demais vereadores, que não deveriam aceitar isso. O plenário é soberano, não se pode simplesmente arquivar um projeto, afirma.
De acordo com Dalton Morais, é possível anular o arquivamento do projeto. Para isso, os vereadores têm que entrar com um pedido de liminar na Justiça.
Penso que os parlamentares interessados, principalmente os autores da emenda, podem impetrar mandado de segurança com pedido de liminar para ver assegurado o seu direito líquido e certo de ter a matéria continuada na atual legislatura, mediante a anulação do ato ilegal do presidente da Câmara, afirmou.
A Gazeta entrou em contato com os parlamentares da atual legislatura. Nenhum deles manifestou interesse em acionar a Justiça.
Em maio deste ano, por maioria de votos, a Câmara de Vitória aprovou um projeto que reduzia de 15 para oito o número de assessores que cada vereador poderia ter. A aplicação se daria a partir de 2021, quando começa a próxima legislatura.
Na época, a atitude foi comemorada pelos parlamentares e anunciada como uma medida de corte de gastos para enfrentar os efeitos da pandemia de Covid-19. A resolução representaria uma economia de até R$ 2,5 milhões por ano para os cofres municipais.
Durante a tramitação, o projeto aprovado recebeu uma emenda da Comissão de Finanças, de autoria do vereador Davi Esmael (PSD), que obrigava que ao menos 50% dos assessores tivessem curso superior. Como a proposta veio do colegiado de Finanças, em agosto, o projeto foi entregue a um integrante da comissão, Dalto Neves (PDT), para redigir a redação final. Contudo, passados mais de 90 dias, isso não foi feito.
O prazo era de 20 dias, prorrogáveis por mais 20 dias. Reeleito neste ano, Dalto havia votado contra a redução do número de assessores.
No início de dezembro, após o colunista Vitor Vogas alertar que a resolução não havia sido publicada e, por isso, não teria validade, Clebinho pediu a devolução do projeto à Mesa Diretora. Logo depois, o repassou a Dalto novamente e estabeleceu a última sexta-feira (11) como prazo para a redação final.
Dalto não redigiu e a batata-quente foi repassada para o vereador Luiz Paulo Amorim (PV) na terça-feira (15), que teria dez dias úteis, como determina o regimento, para cumprir com a etapa final de tramitação.
Nesta quinta-feira (17), Amorim pediu um parecer da Procuradoria da Câmara sobre a proposta, que apontou vício de iniciativa, pelo fato de o texto não ter sido proposto pela Mesa.
A partir disso, Cleber Felix, que havia apoiado o projeto em maio, decidiu arquivar a proposta. Ou seja, sete meses após ter sido aprovado em plenário o projeto foi arquivado.
Procurada pela reportagem, a presidência da Câmara de Vitória disse que seguiu o parecer da procuradoria-geral para arquivar o projeto. Ao ser questionada sobre a legalidade dessa atitude, a presidência informou, por meio da assessoria, que o regimento interno dá a prerrogativa ao presidente do arquivamento de projetos, encaminhando um desses artigos que diz:
"Art. 35 São atribuições do Presidente, além das expressas neste Regimento e das que decorram da natureza de suas funções e prerrogativas: d) dar-lhes o encaminhamento regimental, declará-las prejudicadas, determinar seu arquivamento ou sua retirada, nas hipóteses previstas neste Regimento;"
Contudo, o artigo não dispõe sobre o arquivamento de projetos após serem aprovados em plenário. Ao quer questionada sobre esse ponto, a Câmara não se manifestou.
A reportagem não conseguiu contato com o procurador-geral da Câmara, Tarcísio Corrêa.
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