Desde que o governo brasileiro confirmou o primeiro caso de infecção no país do coronavírus, no dia 4 de março, o presidente Jair Bolsonaro tem continuamente dado declarações avaliadas como inapropriadas ou contraditórias, sob o ponto de vista da saúde pública. Além das afirmações, ele próprio tomou atitudes que vão contra as recomendações de distanciamento social do Ministério da Saúde e de órgãos internacionais.
Em mais de uma oportunidade, tratou algumas medidas que estão sendo adotadas no exterior e por governadores no país como exageradas, e falou na existência de um clima de "histeria". A Gazeta procurou médicos especialistas em infectologia para esclarecer, do ponto de vista da saúde pública, se algumas posturas do presidente da República podem ser consideradas equivocadas.
Ainda com supeita de coronavírus e orientado a ficar em isolamento até refazer testes, Jair Bolsonaro cumprimentou apoiadores, tirou selfies e chegou a colar o rosto ao de apoiadores para fazer fotos, em frente ao Palácio do Planalto, enquanto ocorriam manifestações do dia 15 de março.
Em resposta, às críticas, ele declarou:
Na avaliação da infectologista Rúbia Miossi, a atitude do presidente foi imprudente. "Ele já tinha orientado no pronunciamento nacional a população a não comparecer. Se ele fala para as pessoas não irem, mas vai, é incorreto. Ele deveria ter cumprido o que as autoridades sanitárias orientaram. Não é porque é o presidente que pode agir da maneira que ele quiser. Assim como ele, qualquer liderança que tivesse tomado essa atitude estaria errada."
No último dia 15, data da manifestação, cinco pessoas que viajaram com o presidente para os Estados Unidos fizeram os exames e já tinham descoberto que pegaram coronavírus. Mesmo que seu exame tenha dado negativo, médicos e autoridades ligadas ao governo recomendaram que ele evitasse contato com aglomerações.
O professor da Ufes Crispim Cerutti frisou que atitudes como a do presidente têm sim um risco real. "O fato de você se deixar envolver em qualquer contato físico nessa época é temerário, principalmente tratando-se de alguém com suspeita de estar infectado, como o presidente. Isso coloca as pessoas em vulnerabilidade, anda na contramão do que recomendam as autoridades. A nossa responsabilidade é evitar o contato físico o máximo possível. É melhor que se comece a tomar providências agora, do que depois, quando o país não suportar dar assistência médica".
"Se eu trabalho em equipe, tenho que seguir o que a equipe define. Se a orientação é seguir um distanciamento social para evitar que o vírus se dissemine, é o que deve ser feito. Principalmente os cargos de liderança, pois suas condutas inspiram a população", concordou a infectologista Jacqueline Rueda, professora da UVV.
Bolsonaro comentou sobre as medidas que diferentes governadores adotaram nos últimos dias para diminuir a circulação de pessoas em seus estados, numa tentativa de reduzir a velocidade de disseminação do vírus.
A médica Jacqueline Rueda pontuou que qualquer tipo de aglomeração tem o potencial de disseminar o coronavírus. "Estamos em um momento que sabemos que o vírus tem alta contagiosidade, que quanto mais pessoas circulando, maior será o risco de contaminação. O perigo de eu me contaminar ocorre em qualquer ambiente, mas o risco é maior em locais em que ocorre aglomeração. É importante entender e diferenciar o perigo e o risco", explicou.
Em entrevista a uma rádio, Bolsonaro afirmou fará uma "festinha tradicional" para celebrar seus 65 anos, completados neste sábado dia 21, mesmo com todas as recomendações de que as pessoas evitem contato físico.
Pequenas festinhas, mesmo que em casa e com grupos pequenos e familiares, também devem ser evitadas neste período de combate ao coronavírus, reforçou a infectologista Rúbia Miossi. "Não é o momento para as pessoas fazerem festinhas, qualquer que seja o cunho. Estamos pedindo para desmarcarem festas. Não é hora de juntar pessoas, crianças, de fazer visitas aos amigos e parentes. É hora de cada um ficar na sua casa, para que a gente consiga evitar que esse vírus se espalhe de forma rápida."
O professor Crispim Cerutti endossou a recomendação. "A probabilidade de contato físico nesses eventos é grande. Não é hora de festa, temos que guardar as comemorações para quando superarmos essa fase. É hora de proteger os vulneráveis. Todo encontro que puder ser evitado ou adiado, deve assim ser feito".
Bolsonaro já deu declarações relativizando os riscos do coronavírus, pelo fato de que a população já convive com outros vírus que afeitam o sistema respiratório de forma grave, como a gripe.
Médicos infectologistas consideram que esta é uma visão equivocada. "Quando olhamos em números absolutos, a gripe comum pode matar mais, mas contamina menos. A infecção por coronavírus, por contaminar mais, faz com que o número de pessoas que vão precisar de assistência ou ir a óbito seja maior. A questão não é só a letalidade, é a alta contagiosidade", explica a médica Jacqueline Rueda.
O professor da Ufes Crispim Cerutti complementa: "A última doença respiratória que matou mais que essa foi a gripe espanhola, de 1918. De lá para cá, nenhuma chegou perto. O vírus influenza (gripe) sazonal tem um percentual de óbito de 1%. O coronavírus chega a mais de 3%, e nos grupos vulneráveis, a 15%. É um problema grave."
Nos últimos dias, em diversas oportunidades Bolsonaro afirmou que o coronavírus não deve ser motivo de histeria. Nesta quarta-feira (18), em entrevista coletiva, reafirmou este posicionamento.
A infectologista Rúbia Miossi avalia que as medidas drásticas contra o coronavírus estão de acordo com a gravidade que a pandemia pode atingir.
"Essa classificação como 'histeria' também foi feita por outros presidentes, como Donald Trump, e eles tiveram que voltar atrás nessa declaração. O que a gente quer, com esse pedido de manter as pessoas em casa, é evitar que a gente chegue a uma situação como a da Itália. As pessoas devem ficar em casa, em especial os idosos. Já é o momento deles se recolherem e não saírem mais, e isso não é histeria nem pânico. Essas informações que as autoridades em saúde estão passando têm base científica. Pânico e histeria são as informações falsas que estão sendo repassadas, pessoas estocando comida, e outras atitudes".
Em entrevista, o presidente afirmou que o Brasil só estará livre do vírus quando um certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos, que passam a ser barreira para não infectar quem não foi infectado ainda. Para isso, o ideal seria diluir a incidência do vírus ao longo do tempo.
O infectologista Crispim Cerutti faz ponderações a esta afirmação.
"Esse raciocínio não funciona, porque o vírus é um organismo que se multiplica. Onde ele acha campo para penetrar e se multiplicar, ele vai fazer isso. Ele cresce exponencialmente. Deixando correr solto, ele vai ser um problema crescente, como um fermento no bolo, que você não consegue conter depois. O raciocínio do presidente é equivocado, porque parte da premissa que o vírus é algo limitado, mas não é, ele vai aumentando progressivamente. A partir do momento que você tem o vírus, transmite ele para mais 3 pessoas", esclareceu.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta