Um ano depois das prisões ordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Espírito Santo, nenhum dos alvos foi ouvido. Até o momento, os pedidos de liberdade feitos pelas defesas do jornalista Jackson Rangel, do vereador de Vitória Armandinho Fontoura, do pastor Fabiano Oliveira e do radialista Maxcione Pitangui foram negados.
O deputado estadual Capitão Assumção e o ex-parlamentar Carlos Von também seguem usando tornozeleira eletrônica e proibidos de usar redes sociais.
Em 15 de dezembro de 2022, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão no Estado, também foram cumpridos mandados de busca e apreensão em diversos endereços, inclusive nos gabinetes dos parlamentares na Câmara e na Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
Investigações feitas no âmbito estadual foram anexadas ao 'Inquérito das Fake News', que apura ataques às instituições democráticas e aos ministros do Supremo.
A suspeita, apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) diretamente ao gabinete de Moraes, é de que os alvos formariam uma milícia digital para propagar fake news e que teriam promovido ataques às instituições democráticas, notadamente o STF, através de postagens nas redes sociais.
As medidas decretadas por Alexandre de Moraes naquela ocasião ainda estão valendo. Até hoje nenhum deles foi formalmente acusado ou julgado e, por se tratar de uma prisão preventiva e de medidas cautelares (tornozeleira), não há duração máxima.
As defesas de alguns dos acusados alegam que há abuso de autoridade e violação de direitos nas prisões e afirmam que o procedimento que levou à decisão de Moraes é inconstitucional. Isso porque a petição direta da Procuradora-Geral de Justiça do MPES ao ministro Alexandre de Moraes usurpa a competência da Procuradoria-Geral da República (veja detalhes do que diz cada defesa no fim da matéria).
O MPES protocolou em 2022 três petições no STF que envolvem, no total, 14 pessoas e uma empresa. As petições foram incorporadas ao inquérito 4.781, conhecido como 'Inquérito das Fake News', aberto em 2019 no STF e relatado por Moraes.
O ministro, na decisão de dezembro de 2022, alegou que os indícios que o Ministério Público estadual havia apresentado tinha semelhança àqueles investigados na Suprema Corte no âmbito do inquérito das Fake News e também no dos atos antidemocráticos.
Ao acatar os pedidos do Ministério Público Estadual, o ministro afirmou que há evidências de que eles possam integrar uma organização criminosa para “desestabilizar as instituições republicanas”, principalmente o Supremo. Disse ainda que, no caso de Jackson, Armandinho, Max e Fabiano, há indícios de que eles tenham cometido crimes de injúria, calúnia, difamação, incitação ao crime e milícia privada.
O ministro ressaltou ainda que a lei não permite a utilização da “liberdade de expressão” como escudo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, e todo o tipo de atividades ilegais.
O advogado Gabriel Coimbra representa atualmente o jornalista Jackson Rangel e o ex-deputado federal Carlos Von. Coimbra também foi um dos alvos de busca e apreensão em 15 de dezembro determinada por Alexandre de Moraes.
Segundo ele, disputas políticas estaduais foram “enxertadas” no inquérito dos atos antidemocráticos por ação da procuradora-geral do Espírito Santo, Luciana Andrade, que, na opinião do advogado, teria usado o inquérito para atingir alvos políticos dela.
Luciana teria ainda desrespeitado, disse a defesa, o Ministério Público Federal ao sugerir a ação diretamente ao gabinete do ministro visto que, segundo a lei, cabe à Procuradoria-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao STF.
“Após 12 meses de prisão, sem nem sequer serem ouvidos, tem-se manifesta violação de direito humanos e ao devido processo legal do estado democrático de direito, injustificável sob qualquer pretexto jurídico ou político”, disse o advogado em nota enviada para A Gazeta.
Coimbra destacou ainda que Jackson Rangel tem sérias comorbidades, como diabetes e pressão alta.
A advogada Valquíria Durães, que faz a defesa da Max Pitangui, afirmou que o procedimento contra o radialista é “completamente ilegal e inconstitucional”. Em nota, a defesa disse que Max só foi acrescentado às petições do MPES ao ministro Alexandre de Moraes após ter feito um vídeo em que citava a personagem infantil “Peppa Pig” ao fazer uma suposta denúncia contra a procuradora-geral de Justiça do Estado, Luciana Andrade.
O conteúdo do vídeo foi considerado misógino e repudiado pelos membros da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP). A procuradora processou Max por crime contra a honra e a Justiça estadual condenou o radialista a pagar R$ 7 mil em indenização por danos morais.
“Percebe-se claramente que a procuradora, inconformada com os vídeos e após mover ações privadas contra Max Pitangui, simplesmente pinçou postagens em suas redes sociais com críticas e denúncias contra o governo atual, como fizeram milhões de pessoas no país, para criminalizá-lo e atingir seu objetivo de vingança pessoal, travestido cinicamente de combate a atos antidemocráticos”, escreveu a defesa.
Pitangui está atualmente no presídio da Papuda, em Brasília, desde que foi preso pela Interpol em Cidade do Leste, no Paraguai, e entregue à Polícia Federal brasileira.
A advogada ressaltou que o radialista tem três filhos, de 1,3 e 7 anos, e um deles que requer cuidados especiais e se alimenta por sonda gástrica. “ A dependência financeira e emocional do pai provedor de família, hoje preso, levou a um súbito estado de piora da saúde do filho especial.”
A defesa de Capitão Assumção (PL) afirmou que já fez pelo menos quatro pedidos para a revogação das medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleira, e está aguardando posicionamento do STF. Nenhum dos pedidos foi apreciado pelo relator até o momento.
Já a defesa do vereador Armandinho Fontoura afirmou que não foi autorizado pelo cliente a conceder entrevista e ressaltou que o processo é sigiloso.
“Meu cliente permanece confiando no bom senso de justiça das autoridades em nosso país e que a verdade continuará sendo perseguida nos autos dos processos”, disse em nota.
O advogado Marcelo Brasileiro, que defende o pastor Fabiano Oliveira, também alegou que houve ilegalidade na prisão de seu cliente. Ele disse que o mandado só foi apresentado ao pastor quando ele já estava preso, em Viana.
Afirmou ainda que o pastor não tem foro e prerrogativa de função e, por isso, houve violação do princípio do promotor e do juiz natural. "Se, em tese, ele tivesse cometido algum crime, seria um promotor e não a procuradora-geral de Justiça a atuar. Seria um juiz de primeiro grau da Justiça Federal ou Estadual e não o STF. Tem várias nulidades na prisão do meu cliente".
Ele alegou, como outros advogados, ter tido dificuldades em acessar os autos do processo.
A Gazeta tentou contato com a procuradora-geral de Justiça por três semanas, mas ela não quis dar entrevista. Já o Ministério Público do Espírito Santo disse, em nota, que o procedimento tramita em segredo de Justiça no Supremo Tribunal Federal (STF) e que, por isso, não vai se pronunciar sobre o assunto.
Luciana já havia se pronunciado sobre o assunto em entrevista à colunista Letícia Gonçalves, em julho de 2023. Na ocasião, ela disse que o MPES tem legitimidade para atuar na questão. "O próprio Supremo já estabeleceu precedentes nesse sentido, de que podemos atuar. É compreensível eventual crítica porque é uma estratégia de defesa. Mas se o Supremo recebeu petições (do MPES), analisou e deferiu medidas..."
Ela comentou ainda o caso do radialista Max Pitangui. A procuradora-geral de Justiça do Espírito Santo afirmou que tomou providências quanto às ofensas proferidas em vídeo publicado por ele, mas disse que os fatos que envolvem o Supremo são "outra seara".
"O ministro da Suprema Corte não tomaria uma decisão com base em uma questão pessoal que envolve a procuradora Luciana. E as pessoas confundem, a Procuradoria Geral não é a procuradora-geral. Tem coisas que eu não necessariamente vou assinar, peticionar, tenho substitutos que têm autonomia e independência para atuar conforme o caso", disse.
O STF e a PRG também afirmaram que não vão se pronunciar por conta do sigilo aplicado sobre os autos.
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