A restrição à aglomeração e à circulação de pessoas, medida necessária para conter o avanço do novo coronavírus, tem efeito colateral sobre a economia e, principalmente, os trabalhadores informais. Um pipoqueiro, por exemplo, conta com o vaivém de possíveis clientes para garantir as vendas.
O auxílio emergencial de R$ 600 fornecido pelo governo federal está em vigor, com foco justamente nos informais. "Antes tarde do que nunca", frisa Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e professor associado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Defensor de medidas como essa, que possam impedir uma tragédia social, o economista é a favor do distanciamento social.
"Essas medidas de distanciamento são necessárias no momento, se não as mortes vão aumentar e isso também vai ser ruim para a economia", destaca.
Ele prevê que, sem medidas adequadas, o número de desempregados no país seria de cerca de 25 milhões. Em dezembro de 2019 eram 11,6 milhões os brasileiros sem emprego.
"Essa estimativa eu fiz antes da adoção de medidas como a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, a redução dos salários e o aumento do custo de demissão no setor formal. A projeção era se nada disso acontecesse. Agora vai ter aumento de desemprego, mas não vai chegar a 25% da população economicamente ativa", avalia.
A economia está parcialmente parada em vários Estados. No Espírito Santo o comércio, com exceção de supermercados, lojas de chocolate, de materiais de construção, concessionárias, restaurantes e farmácias, estão fechados. É possível projetar o quanto se perde com isso? Se durar três meses, por exemplo?
Há especulações. Tem uma grande parcela de trabalhadores que não têm carteira assinada, trabalham por conta própria e dependem da movimentação de pessoas na rua e da venda de serviços. Lojas, bares. Essas medidas de distanciamento são necessárias no momento senão as mortes vão aumentar e isso também vai ser ruim para a economia.
Pequenos negócios e trabalhadores informais não têm poupança, não têm como se sustentar se não venderem seus produtos. Se se prolongar por três meses, o desemprego poderia chegar a 25 milhões. Se não houvesse medidas como a de ontem (anunciada nesta terça-feira) de transferência de renda, haveria um caos social, não teriam como comprar alimentos e material de higiene. O auxílio de 600 ajuda.
O auxílio emergencial, de R$ 600, com cadastro via aplicativo e site, será pago, inicialmente, durante três meses. Será suficiente esse período?
Depende de quanto tempo o distanciamento social vai durar. Mas ajuda. Mesmo quem está no Bolsa Família vai poder receber, vão poder comprar coisas, sustenta um pouco dos empregos.
Todo mundo que está no CadÚnico vai poder receber. Quase metade da população vai receber esse beneficio, o que vai ajudar a frear até a recessão.
O governo demorou a adotar essa medida? Essa é uma crítica que tem sido feita.
Demorou, ainda não chegou às pessoas, que estão no limite.
As pessoas já estão relatando problemas com alimentação. As escolas estão fechadas, as crianças se alimentavam nas creches e pré-escolas isso é um peso a mais para as famílias.
Deveriam ter soltado logo pelo menos para as pessoas do Bolsa Família, que já são cadastradas. A crise já está aí há um mês, poderiam ter tomado medidas antes, mas antes tarde do que nunca.
E a forma de disponibilizar o auxílio, via cadastro por meio de aplicativo e site, foi a mais adequada?
A mais adequada. Não se podeira pedir para as pessoas irem aos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) por causa do contágio. Tem que evitar que elas se aglomerem.
Com o aplicativo vai ter problema, pessoas que não sabem usar vão ter que pedir ajuda, mas elas vão conseguir alguém para ajudá-las. Só têm que tomar cuidado com aplicativos falsos, golpes. E o governo também, para evitar fraudes, com cadastramento de dados de pessoas mortas, por exemplo. Mas foi a melhor maneira.
Que comparativo podemos fazer com a greve dos caminhoneiros?
Durou dez dias e o PIB tem estimativas de que diminuiu um ponto percentual. Uma crise que pode durar três meses vai ter impacto forte. Queda de 5% por cento ou mais no PIB. Vai até o fim do ano. A situação é muito crítica e precisamos de toda a ajuda.
A Câmara deve votar em breve o Plano Mansueto, possivelmente com alterações. A ideia original era ajudar os Estados, mas agora os Estados pedem uma ajuda redobrada. Até que ponto isso pode ser realmente bom? Nem todos os problemas econômicos surgiram com a pandemia.
Os Estados vão gastar com assistência social, saúde, hospitais e precisam de ajuda para cuidar dos doentes.
Mas não se pode emprestar dinheiro aos Estados a torto e a direito, tem que manter separado o orçamento para combater a pandemia, mas não se pode revogar toda a legislação que garante sustentabilidade às finanças estaduais.
Ou vai ter crises nos Estados daqui para frente. Tem-se que evitar contratação excessiva de servidores aproveitando o momento.
E o que os Estados podem fazer para estimular a economia? Há alguma margem para agir? No Espírito Santo, o governo oferece empréstimos a juros baixos ou zero e suspendeu alguns pagamentos para pequenas empresas, como a parte do Simples que cabe ao Estado.
Essas medidas são bem-vindas porque a situação vai ficar muito difícil para todos. Empresas não têm caixa para sobreviver um mês pagando todos os impostos, taxas etc.
Essas empresas têm capital investido, têm negócios novos ou têm um papel social e devem ser preservadas.
É um choque externo, não é devido a má gestão dos empresários. O governo deve realmente ajudar as pessoas em momento difícil.
Mas não pode haver brecha para aumentar salários, começar a contratar várias pessoas, isso não pode. Manter o quadro atual e usar o dinheiro vai para ajudar quem precisa.
Falamos aqui do papel do governo federal e dos Estados, mas tem também os municípios.
São bastante afetados. ISS, IPTU. Grande parte das pessoas não vai conseguir pagar e vai ter impacto. Novamente vão precisar de ajuda do governo federal para manter serviços em educação e saúde.
Vai ter que ter um pacote de ajuda para os municípios específico para a crise e com cuidado, digo mais uma vez, para que o dinheiro não seja desviado para outras rubricas ainda mais em ano eleitoral, em que os municípios estão loucos para fazer obras que às vezes nem têm finalidade prioritária.
O dinheiro é necessário, mas tem que ser usado onde precisa.
A arrecadação federal também deve diminuir com tudo isso. De onde o governo vai tirar dinheiro para ajudar empresas, informais, Estados, municípios?
O governo federal vai ter que emitir dívida ou imprimir dinheiro. É melhor a dívida. Mas no futuro alguém vai ter que pagar essa conta.
Deve-se aumentar impostos sobre os mais ricos. Uma alíquota de Imposto de Renda adicional para as pessoas mais ricas, por exemplo, taxar dividendos. Os Estados podem aumentar o imposto sobre herança. Ajudaria no longo prazo a pagar essa dívida.
As classes mais privilegiadas é que vão ter que pagar a maior parte.
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