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'Avenida aberta para caixa 2': projeto a ser votado blinda partidos

"Avenida aberta para caixa 2": projeto a ser votado blinda partidos

Proposta que reduz transparência sobre o uso de dinheiro público em campanhas eleitorais já que já passou pela Câmara e deve ir à votação no Senado até esta terça-feira (17)

Publicado em 16 de setembro de 2019 às 21:08

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Plenário do Senado Federal . (Roque de Sá)

Menos transparência sobre o uso de dinheiro público em campanhas eleitorais, empecilhos à fiscalização e blindagem de dirigentes partidários. Essas são apenas algumas das consequências, na avaliação de especialistas consultados pelo Gazeta Online, de um projeto de lei já aprovado pela Câmara dos Deputados e que está na pauta do Senado desta terça-feira (17) para votação a jato.

As novas regras, já apelidadas de nova minirreforma eleitoral e partidária, têm que ser sancionadas até um ano antes da eleição - no início de outubro - para passar a valer em 2020.

Um dos pontos mais problemáticos é o que permite o pagamento de advogados e contadores com dinheiro do fundo partidário. Além disso, eles também poderiam ser pagos com dinheiro doado por pessoas físicas sem estarem submetidos ao limite de 10% do rendimento bruto do doador.

"Isso abre uma avenida para prática de caixa dois e lavagem de dinheiro", avalia o coordenador do Movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa, que é advogado e cientista político. "Esses gastos ficariam à margem da contabilidade principal da campanha e não entrariam também no teto de gastos estabelecido para a campanha eleitoral", complementa. 

"O problema é que atividade de serviços de advocacia e contabilidade tem precificação subjetiva. Você tem advogados que cobram o piso e tem advogados que cobram muito caro. É um prato cheio. De acordo com os órgãos que atuam na prevenção à lavagem de dinheiro e caixa dois, é uma atividade sensível dese ponto de vista porque é propícia a destinação diferente", exemplifica. 

"Regulamenta esse gasto (com advogados e contadores) de maneira abrangente. Permite não só aumentar os gastos como dá margem a caixa dois", concorda o doutor em Direito e professor da FDV Adriano Sant'ana Pedra

"Não quer dizer que todos os advogados estão dispostos a realizar esse tipo de ilícito. Em todas as categorias há bons e maus profissionais. Mas a natureza subjetiva da precificação da atividade a deixa vulnerável a esse tipo de prática", pontua Issa. "E esses gastos nem seriam informados no sistema que permite a sociedade acompanhar os gastos de campanha", alerta.

Os advogados a serem bancados pelos partidos com dinheiro público poderiam atuar, ainda de acordo com o projeto, em casos de "interesse direto e indireto do partido, bem como nos litígios que envolvam candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados ao processo eleitoral, ao exercício de mandato eletivo ou à possibilidade de acarretar reconhecimento de inelegibilidade".

Isso é quase qualquer processo envolvendo candidatos. Daria margem, por exemplo, a que advogados dos ex-presidentes Lula (PT) e Michel Temer (MDB) sejam pagos com recursos do fundo partidário. 

TRANSPARÊNCIA

"Diminui a transparência sobre as contas de campanha, na medida em que determina que as informações inseridas no sistema que permitem acompanhamento da imprensa e da sociedade possam ocorrer com atraso e de maneira incorreta sem que isso signifique qualquer sanção para o candidato", afirma o presidente da Transparência Partidária. 

Por aí poderiam passar despercebidas, por exemplo, as candidaturas laranjas, temas de constantes reportagens com base em dados das prestações de contas dos partidos inseridos no sistema do TSE e disponíveis para consulta pública.

Presidente da Comissão de Direitos Políticos e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Espírito Santo, Helio Deivid Maldonado, chama a atenção para outro ponto controverso, a mudança de prazo para prestação de contas. Hoje partidos e candidatos têm 30 dias após as eleições para apresentar os números e documentos à Justiça Eleitoral. 

"Quando você alarga para quase um semestre inteiro a apresentação da prestação de contas isso dificulta muito o controle externo das eleições", afirma.

É SÓ MUDAR

Outro ponto grave, de acordo com Adriano Pedra, é que os partidos poderiam apresentar as contas de um jeito e, se apontada alguma irregularidade, simplesmente mudar depois, desde que antes do julgamento do processo. 

"A irregularidade de uma ponta poder ser acertada até a data de julgamento e com isso aquele candidato não seria punido. Isso é ruim porque inibe o controle social.O controle feito pela imprensa, pela sociedade", frisa.

LARANJAS 

E, voltado às candidaturas laranjas, as denúncias e investigações têm como foco as candidatas, por vezes utilizadas apenas para cumprir a cota de gênero de 30%. Os recursos em tese destinados às candidaturas delas, acabam, assim, nas mãos de candidatos. O projeto, de acordo com Maldonado, abre a possibilidade de que os dirigentes partidários não sejam responsabilizados por casos desse tipo. 

"Em relação àqueles 30% de recursos que devem ser destinados às mulheres, a gestão passa a ser para um ente despersonalizado, uma instituição ou fundação, para tirar a responsabilidade dos partidos", destaca. 

MULTAS

"E outra coisa: o pagamento de multas com fundo partidário. A pessoa, o dirigente partidário, fez uma coisa errada e quem está pagando a multa no fundo é a sociedade. Vai poder usar o fundo partidário, que é dinheiro público, para isso", alerta Pedra.

PASSAGENS AÉREAS

Marcelo Issa critica a autorização para "uso quase indiscriminado do fundo partidário". Como exemplo, cita as passagens aéreas. O texto do projeto diz que "os beneficiários deverão atender ao interesse da respectiva agremiação e, nos casos de congressos, reuniões, convenções, palestras, poderão ser emitidas independentemente de filiação partidária segundo critérios interna corporis, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro documento para esse fim".

"É uma previsão inadequada, a pessoa não precisa nem ser filiada, como vai se dar o controle da Justiça Eleitoral sobre esse gasto com passagens aéreas?", questiona.  

BLINDAGEM

"É uma blindagem partidária, na contramão do que a sociedade precisa", resume o professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie Diogo Rais.  

"A parte mais sensível é a que envolve a transparência de recursos. De uma certa maneira há várias formas de blindagem aos próprios dirigentes partidários. Por exemplo, a prestação e contas deixaria de ser jurisdicional e passa a ser administrativa, passaria a produzir menos consequências", elenca. Esse processo administrativo ainda tramitaria na Justiça Eleitoral.

E AGORA?

O senado quase votou, na semana passada, o projeto a toque de caixa. Mas ficou para esta semana. O Espírito Santo, como os demais Estados tem três senadores. Por aqui, são eles Marcos do Val e Rose de Freitas, ambos do Podemos, e Fabiano Contarato (Rede). 

Por meio de nota, Do Val afirmou que “o projeto apresenta algumas mudanças que são um retrocesso e irão dificultar a fiscalização da Justiça Eleitoral, como a possibilidade de o partido prestar contas apenas no ano seguinte às eleições. Alguns pontos, porém, são positivos e possibilitam a ampla defesa dos candidatos. Com equilíbrio e ponderação, irei analisar a proposta e decidir como votar.” Contarato e Rose não se posicionaram até a publicação deste texto.

Se Projeto de Lei n° 5029/2019 ganhar o aval do Senado sem nenhuma alteração em relação ao jeito que veio da Câmara, vai para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Ele também pode, em tese, vetar alguns pontos. Se o Senado mudar o texto, ele tem que voltar para a Câmara.

VEJA OS PRINCIPAIS PONTOS

Propaganda de rádio e TV

A propaganda partidária, que havia sido extinta em 2017 como contrapartida pela criação do fundo eleitoral, mais verba pública para campanhas, volta.

O formato é semelhante ao que vigorava antes da revogação, mas serão usadas apenas as inserções, de 15 ou 30 segundos e de 1 minuto em três faixas de horário ao longo do dia.

Sede do partido

Atualmente, os partidos são obrigados a manter suas sedes nacionais em Brasília. Se o texto aprovado for sancionado, os prédios poderão ser em qualquer unidade da federação. Os aluguéis fora da Capital podem ser mais baratos. O projeto também permite o uso do Fundo Partidário para pagar o aluguel de imóveis.

Advogados

Além dos imóveis, o projeto prevê que os partidos possam usar o fundo para financiar os honorários de advogados que defendem políticos. Hoje, há gastos desse tipo, pagos com o fundo, que são questionados na Justiça porque a lei é omissa.

Limite de gastos

Quanto ao limite de gastos para as campanhas eleitorais, o texto propõe que fiquem de fora os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários relacionados à prestação de serviços em campanha ou em processo judicial em que figura como parte o candidato ou seu partido político.

Multas

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As multas aplicadas aos partidos por irregularidades e prestação de contas serão limitadas a 50% dos repasses mensais à sigla. 

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