A principal base da Funai (Fundação Nacional do Índio) de proteção a indígenas isolados em um santuário ecológico na Amazônia, o Vale do Javari, voltou a ser atacada a tiros na madrugada deste sábado (21). Os indígenas já falam em perda de controle e situação "insustentável".
>>Relatório aponta assassinatos e impunidade na Amazônia
Um grupo estimado em cinco invasores foi surpreendido quando tentava invadir a terra indígena e respondeu com disparos na direção da base no rio Ituí, no Amazonas. Eles conseguiram fugir pelo rio e ninguém ficou ferido na base, onde estavam indígenas e servidores da Funai.
Foi o quinto ataque do gênero à mesma base desde o ano passado. Ela funciona como guardiã de uma das principais entradas por rio no Vale do Javari.
>>Bolsonaro diz que errou ao insistir em demarcação de terras indígenas
No último dia 6, o colaborador da Funai e funcionário da mesma base atacada no sábado, Maxciel Pereira dos Santos, foi assassinado a tiros enquanto guiava sua moto na rua mais movimentada de Tabatinga (AM), na fronteira com o Peru e a Colômbia. O crime até agora permanece sem solução.
"A situação na base vigilância e com os servidores da Funai se tornou uma situação de insegurança", disse à Folha neste sábado o líder indígena marubo Manoel Barbosa, o Chorimpa, que confirmou o ataque da madrugada do sábado. "A Funai não tem efetivo, não tem combustível para dar apoio à fiscalização. Os funcionários e os indígenas estão sob ameaça. Os invasores agora estão se aproveitando dessa situação", disse o líder marubo.
Chorimpa é membro da organização indígena Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), que representa indígenas das etnias marubo, mayoruna (matsés), matis, kanamari, kulina , korubo e tsohom-djapá. No Vale do Javari estima-se a presença de 16 grupos de indígenas isolados, considerada a região com maior registro de grupos do gênero em todo o país.
O Vale do Javari tem sido atacado com frequência cada vez maior por garimpeiros, ladrões de madeira e caçadores que buscam quelônios e peixes sob risco de extinção, como o pirarucu. Logo após o assassinato de Santos, a Univaja divulgou, no ultimo dia 9, que as quatro bases da Funai na região (localizadas nos rios Ituí, Curuçá, Quixito e Jandiatuba) "são, literalmente, vitais aos índios de recente contato e aos isolados que necessitam da proteção do governo federal, em conformidade com leis específicas e vigentes na atual política indigenista oficial".
Segundo a Univaja, nos últimos meses "o nível de invasão em nossa terra tem sido sistemático e com um grau de degradação ainda maior, assim como a ousadia dos criminosos". A entidade disse que até o começo de setembro já havia denunciado à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal os quatro ataques à base do Ituí, porém "sem que fossem dada alguma resolução até a presente data [9 de setembro]".
A Univaja explicou, na nota, que a maior parte das pessoas que atua nas bases da Funai é "formada por indígenas, um esforço das nossas aldeias com a finalidade de mantê-las funcionando, haja vista a falta de funcionários dos quadros da Funai". "Nesse sentido, toda agressão contra essas unidades afeta, também, os indígenas das demais etnias, além dos poucos servidores que prestam serviços nesses locais."
A entidade indígena denunciou ainda, na nota, que "nos últimos anos a Coordenação Regional da Funai no Vale do Javari tem sido o reflexo da situação do órgão em nível nacional, funcionando mais pela garra de seus servidores do que a atuação de Estado; boa parte das vezes sem nenhuma garantia de respaldo pelas chefias superiores, a maioria indicações políticas e sem nenhum compromisso com a causa indígena".
A Folha procurou neste domingo (22) as assessorias do Ministério da Justiça e de Segurança Pública e da Funai, mas não houve retorno até o fechamento deste texto.
A reportagem indagou que medidas estão sendo tomadas para garantir a segurança de indígenas e funcionários da Funai nessas bases, se a Polícia Federal já está investigando o ataque registrado no final de semana e qual o resultado das investigações feitas até agora sobre os quatro ataques anteriores e o assassinato do colaborador da Funai Maxciel Santos.
Quando ocorreu o quarto ataque à base, noticiado pela Folha em 9 de agosto passado, a Funai não forneceu explicações, preferindo terceirizar a resposta para a Polícia Federal. Na ocasião, outro líder indígena, Kora Kanamari, afirmou à Folha que o foco dos invasores "é acabar com a base do Ituí".
"Já tentaram três ou quatro vezes invadir, acabar com a base. Principalmente agora que os direitos dos povos indígenas estão sob ataque, com esse governo, que fala que vai liberar garimpo", afirmou Kanamari, que é assessor da Akavaja, associação dos kanamaris, e vereador em Atalaia do Norte (AM) pelo PT.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta