O pagamento de auxílios, gratificações, verbas por ajuda de custo, e outros benefícios a servidores públicos do Espírito Santo, chega a responder por 31,4% de tudo o que Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas e Executivo estadual gastam com pessoal. Só em setembro, os famosos penduricalhos custaram R$ 47,7 milhões aos cofres do Estado.
Em um momento em que há a cobrança de que o poder público, em todos os níveis, corte privilégios, o Gazeta Online analisou os dados dos portais da transparência, para levantar quanto é gasto com esses adicionais pagos além do salário. Em muitos casos, por serem considerados indenizações, não sofrem qualquer desconto e fazem com que os contracheques somem valores acima dos R$ 33,7 mil estabelecidos pela Constituição Federal como teto salarial do serviço público em todo país.
Os Poderes que mais gastam, proporcionalmente, com benefícios, são o Legislativo e o Judiciário. Na Assembleia Legislativa, dos R$ 15,2 milhões gastos em setembro com a folha de pagamento, 31,4% foi só para pagar benefícios.
Ao contrário dos demais poderes, neste cálculo da reportagem também estão contabilizados benefícios garantidos pela Constituição, como 13º salário e férias, pois a base de dados disponibilizada pela Assembleia não dispõe, de forma detalhada, quais são os pagamentos. Ela divide apenas em "salário-base" e "outras remunerações".
Já no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), dos R$ 60,4 milhões das despesas com magistrados e servidores, R$ 18,6 milhões (30,7%) foram despendidos com benefícios. Entram nessa conta gratificação por tempo de serviço, por assiduidade, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, gratificações especiais por participar em comissões e o polêmico auxílio-moradia, pagamento concedido a juízes e desembargadores, de R$ 4,3 mil por mês, mesmo para quem possui residência própria e trabalha na mesma cidade onde mora.
CARREIRAS
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que tem carreiras equiparadas, também registra um índice neste patamar: 26,6%. O Tribunal de Contas do Estado (TCES), por possuir um número menor de membros, gasta 19% da folha com benefícios, enquanto o Executivo, que tem cerca de 52 mil servidores ativos, desembolsa 7,28%.
Embora a promessa de "cortar penduricalhos" e "enxugar a máquina pública" tenha estado muito presente na campanha eleitoral, o doutor em Direito e professor da UNB, Paulo Henrique Blair, ressalta que eventuais cortes não poderiam ser determinados de forma vertical, pois cada um desses entes possui autonomia administrativa em relação aos seus servidores. "Se certos auxílios forem considerados salários, não podem ser reduzidos. Se for uma verba indenizatória, é necessário que o motivo da indenização não exista mais."
LEGALIDADE
Embora o pagamento de todos esses benefícios esteja dentro da legalidade, o jurista avalia que há uma linha tênue entre o que pode ser considerado essencial e o que é excesso, e que deve ser analisado caso a caso.
Sobre o montante de gastos com benefícios, o governo do Estado afirmou, por nota, que desde o início desta gestão adotou medidas para conter e otimizar os gastos públicos, com a redução de servidores em cargos de provimento em comissão e em designação temporária, por exemplo.
"Essas ações representaram uma economia na ordem de R$ 1,1 bilhão em três anos de gestão, permitindo inclusive o alcance do equilíbrio fiscal. Isso sem comprometer os serviços prestados aos cidadãos e garantindo o pagamento em dia dos salários dos servidores e de seus direitos, como promoção e progressão na carreira", disse.
O TJES afirmou que os pagamentos são efetuados por força da legislação e de direitos adquiridos, e que qualquer corte nesse sentido precede de alteração na lei. O TCES também frisou que todos os pagamentos são baseados no Estatuto dos Servidores Públicos, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e em regramentos próprios.
O MPES e a Assembleia Legislativa não se posicionaram sobre o assunto.
ANÁLISE
O que são privilégios?
Celso Bissoli, economista e professor da Ufes
"Quando se fala em combater privilégios, o primeiro passo é mapear e definir quais são esses privilégios. Em muitos casos, para se ganhar a opinião pública, quase tudo é taxado assim. A segunda parte do desafio é político, para conseguir apoio para implementar reformas que tirem alguns desses benefícios, o que teria que ser acordado com os outros poderes, não pode ser feito na canetada. Mas é urgente repensar a estrutura administrativa do país e corrigir distorções."
Diárias e auxílio para comprar terno e livros
Em seu primeiro discurso após eleito, Jair Bolsonaro (PSL) afirmou: "O governo federal dará um passo atrás, reduzindo a sua estrutura e a burocracia, cortando desperdícios e privilégios, para que as pessoas possam dar muitos passos à frente".
Por mais que haja uma expectativa popular para este corte de "penduricalhos", especialistas analisam que enquanto eles forem tratados de maneira genérica, dificilmente vai resultar em avanços. É preciso apontar o quê e quanto pode ser cortado.
Os tribunais de Justiça de São Paulo e do Maranhão, por exemplo, garantem o pagamento de um auxílio para que os juízes e desembargadores comprem livros. Em São Paulo, cada magistrado tem direito a R$ 5 mil por ano para adquirir obras literárias, softwares e hardwares para consumo próprio. No Maranhão, a "bolsa-livro" é de R$ 1.300.
Em Minas Gerais, cada deputado estadual recebe duas parcelas iguais ao salário no início e no final do mandato para ajuda de custo na compra de terno e gravata. Ao final dos quatro anos, o total extra será de R$ 50.644,50. A Câmara Municipal de Belo Horizonte também possui o benefício.
No Tribunal de Contas de Minas Gerais há uma licença remunerada para os membros estudarem no exterior, com direito a diárias de US$ 400.
No Espírito Santo não é pago nenhum desses benefícios consideravelmente atípicos. Há somente aqueles que existem em outros Estados do país.
Uma tentativa de enxugar alguns desses privilégios está em andamento na Câmara dos Deputados. O projeto de lei que promete pôr fim aos "supersalários" no serviço público já passou pelo Senado, em 2016, e o parecer está pronto para ser votado na comissão especial. Depois que for analisado, vai ao plenário.
De acordo com o relator, Rubens Bueno (PPS-PR), a União e os Estados poderão economizar R$ 2,3 bilhões ao ano pelo menos com o fim de penduricalhos nos salários dos servidores. Neste montante, R$ 1,16 bilhão corresponde aos gastos só com o auxílio-moradia, e R$ 1,15 bilhão com o fim do pagamento da venda de 30 dias de férias por integrantes do Judiciário e Ministério Público, da União e Estados.
As novas regras valeriam para servidores federais, municipais e estaduais, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, integrantes das Forças Armadas e das polícias militares, além de aposentados e terceirizados.
ARTICULAÇÃO
Segundo o IBGE, são 11,5 milhões de empregados no setor público, 5,5% da população. Por conta disso, a aprovação de um projeto como esse enfrenta diversas frentes de pressão e resistência.
A quantidade de entidades existentes dificulta a tentativa do governo de se blindar contra a pressão. No Executivo são 267 sindicatos e associações com os quais precisa negociar.
O doutor em Direito e professor da UNB, Paulo Henrique Blair, destacou que quando se fala em privilégios, é preciso separar "o joio do trigo". Algumas gratificações, como a de assiduidade, e a por tempo de serviço, por exemplo, são ferramentas importantes para tentar evitar que os servidores públicos não troquem seus cargos pela iniciativa privada, comprometendo a continuidade da administração.
"Um bônus por assiduidade pode parecer um excesso, pois isto é uma obrigação de todo funcionário. Mas os anos passam, e nem sempre há reajuste. Esses benefícios cumprem uma função estratégica de demonstrar um estímulo à permanência. Senão haveria muito mais rotatividade", disse.
Já o professor de Direito Administrativo da FDV, Anderson Pedra, considerou que seria mais eficaz vincular essas gratificações à produtividade. "A administração pública deve premiar pelo resultado. Estabelecer metas, critérios. É muito melhor do que simplesmente por tempo", afirmou.
ANÁLISE DO EDITOR
Dados sem padrão nos portais
Samanta Nogueira, editora de Política de A Gazeta
"Sancionada em 2009, a Lei da Transparência obriga a União, os Estados e os municípios a divulgarem os gastos na internet. A legislação é fundamental para que a sociedade, de forma direta ou por meio da imprensa, veja como o dinheiro público é gasto. Mas quase dez anos depois, sites de Poderes e instituições fornecem dados com padrões diferentes, muitas vezes incompletos ou pouco detalhados. Lacunas que prejudicam a fiscalização do poder público e que precisam, urgentemente, serem sanadas."
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