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Bolsonaro se desgasta ao minimizar coronavírus e pede 'panelaço a favor'

Bolsonaro se desgasta ao minimizar coronavírus e pede "panelaço a favor"

Presidente brasileiro repete os passos de líderes mundiais da direita, como Donald Trump, que minimizaram o risco do coronavírus

Publicado em 18 de março de 2020 às 19:33

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Jair Bolsonaro, Donald Trump e Boris Johnson: líderes em seus países minimizaram coronavírus e sofreram desgaste eleitoral. (Reprodução)

Uma semana depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar que o coronavírus havia atingido o status de pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou o tom ao falar sobre a doença. Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (18), um dia após dizer que havia “histeria” ao lidar com o vírus, Bolsonaro afirmou que é preciso redobrar os cuidados com a Covid-19 e que o estado de calamidade pública trará impactos negativos para as atividades econômicas. 

A mudança no discurso acontece após o presidente ter sofrido críticas da sua própria base de apoiadores ao minimizar os efeitos da pandemia. Desta forma, Bolsonaro repete os passos de outras lideranças mundiais identificadas com o pensamento mais conservador de direita.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, precisou rever sua postura após dizer para os americanos “apenas relaxarem” diante dos primeiros casos de contágio em seu território. Logo após a OMS anunciar o estágio de pandemia, o presidente baixou o tom, recomendou que idosos evitem multidões e restringiu viagens da Europa para os Estados Unidos. 

O mesmo aconteceu com Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido. Ele já agendou uma visita ao Parlamento britânico para responder às acusações de que estaria agindo com atraso no país. O Reino Unido está entre os dez países com mais afetados pela doença fora da China, com 1.960 casos confirmados até a noite da última terça-feira (17).

Para especialistas, Bolsonaro está diante de uma das maiores crises desta geração, com impactos na saúde e na economia. No entanto, ao entrar em rota de colisão com outras instituições – e até o próprio governo –, o presidente se desgasta entre sua base eleitoral, os pedidos de impeachment começam a ganhar voz no meio político. O país, em um momento que precisaria de unir forças, carece de um chefe de Estado.

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores em manifestação. Atitude contraria orientação do Ministério da Saúde. (Pedro Ladeira/Folhapress)

PRESIDENTE DIVERGE DO PRÓPRIO GOVERNO

Ao cumprimentar apoiadores durante a manifestação do dia 15 de março, contrariando as orientações da OMS, Bolsonaro divergiu do próprio ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que havia recomendado a população a evitar grandes aglomerações. Mandetta, quando questionado sobre a atitude do presidente, procurou não fazer críticas, mas reforçou que é preciso se afastar de multidões.

Para o cientista político João Gualberto Vasconcellos, Bolsonaro age de maneira inadequada, parece não compreender a influência que tem sobre seu eleitorado, nem seu papel como Chefe do Estado.

“Da forma como ele está agindo, ele está atrapalhando o seu próprio governo. Os ministérios da Saúde e da Economia (comandado pelo ministro Paulo Guedes) estão atuando de forma adequada, orientando, buscando medidas que amenizem o contágio e os impactos. O presidente precisa parar de atuar como animador político”, analisa.

Sem gordura para queimar, nova recessão mundial deixaria o país ainda mais vulnerável. (Marivaldo Oliveira/AE)

ECONOMIA PODE DEMORAR A SE RECUPERAR

Para a economista Arilda Teixeira, a situação que a economia brasileira está é como um navio enfrentando uma tempestade imperfeita. A “navegação” já tinha dificuldade de encontrar seu caminho, mas, com a tempestade gerada pelos últimos acontecimentos, perdeu de vez o rumo. Para ela, o conflito entre o Executivo e o Congresso, além da instabilidade do governo, levou ao afastamento de investidores.

“Antes do coronavírus, já tínhamos perdido em intenção de investimentos quase 50% do que se tinha no ano anterior. Saímos do radar dos investidores externos. O mundo inteiro quer negociar com o Brasil porque somos produtores e consumidores em potencial. Só que o investimento não vem pela instabilidade política disseminada pelo presidente da República”, conta.

Na última terça-feira (17), o presidente admitiu que as projeções do PIB devem diminuir. Em entrevista ao apresentador José Luiz Datena (MDB-SP), da rádio Bandeirantes, Bolsonaro disse que “se a economia afundar, acaba o governo”. “Há disputa de poder nisso daí”, argumentou.

O tamanho da crise, para João Gualberto Vasconcellos, só ficará nítido nos próximos 30 dias. “É preciso saber como o coronavírus vai impactar a economia americana. Precisamos acompanhar se lá as medidas adotadas por Trump, como oferecer US$ 1 mil para cada americano, vão fazer efeito. Caso contrário, se houver uma recessão como houve em 2008, no estágio que o Brasil está, sem gordura para queimar, estaremos diante de um problema muito maior”, projeta.

Janaína Paschoal: cotada para ser vice do presidente, deputada pediu afastamento de Bolsonaro. (Fotos Públicas/Geraldo Magela)

EX-ALIADOS FALAM EM AFASTAMENTO

Se por um lado, Bolsonaro satisfez seu eleitor “raiz”, ao minimizar os efeitos do coronavírus e apoiar, em mensagens e presencialmente, a manifestação a seu favor no último domingo (15), por outro, criou desgaste entre o empresariado que o apoiava.

O episódio soou como irresponsabilidade do chefe de Estado, que participou de comitiva nos Estados Unidos e, naquele dia, deveria estar em isolamento, para evitar contagiar outras pessoas. Da comitiva presidencial, 17 pessoas já testaram positivo para o vírus.

Um dos exemplos mais simbólicos do desgaste do presidente no setor produtivo é uma alfinetada do dono da Havan, Luciano Hang, um dos empresários bolsonaristas mais conhecidos.

Em mensagem em suas redes, no dia seguinte às manifestações, Hang disse que o país tinha um inimigo oculto, o coronavírus, e que não era hora de “deixar o ego falar mais alto”. “A conta mais cara vai cair para os mais pobres. Precisamos de bom senso. Chega de jogar para a torcida, está na hora de jogar pelo Brasil. Por isso, o povo e os poderes têm que se unir”, escreveu, em uma publicação com a foto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM); e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.

Outras forças políticas que se aliaram a Bolsonaro, mas romperam com ele, como a deputada estadual em São Paulo Janaina Paschoal (PSL), já passaram a defender o afastamento do presidente. 

Para o cientista político Leandro Consentino, ainda é prematuro se falar em impeachment, ainda mais em meio a uma pandemia. Contudo, fica claro que a erosão da imagem de Bolsonaro entre seus apoiadores tem ganhado mais força.

“Algumas alas que apoiaram o presidente, como é o caso da Janaina, já mostraram ter se arrependido do voto. Estamos falando de alguém que foi fortemente cotada para ser vice dele. Os panelaços que estão sendo convocados também são exemplos dessa erosão. Ele fala hoje para uma bolha de convertidos, que não é suficiente para manter sua estabilidade e que vem diminuindo cada vez mais”, afirma.

Após ser alvo de panelaços, na última terça-feira (17), o presidente viu crescer um movimento nas redes sociais convocando outra manifestação neste estilo, de "fazer barulho" para demonstrar descontentamento. A partir de então, apressou-se para convocar ele mesmo, via Twitter, um "protesto a favor" do próprio governo.

Presidente Jair Bolsonaro já foi alvo de panelaço, marca registrada dos eleitores anti-PT que agora volta-se contra o líder da extrema direita. (Alan Santos/PR)

O QUE RESTARÁ AO PAÍS APÓS A PANDEMIA?

Para os especialistas, a expectativa é de que a mudança de postura do presidente seja contínua e que ele deixe no passado os dias de agitador político.  "Acabou este momento de polarização. É uma crise grave de saúde, que exige uma posição madura do presidente. Não há outro caminho", afirma o cientista político João Gualberto Vasconcellos.

A estratégia de alimentar sua bolha eleitoral, com os eleitores mais à direita que são a base mais forte do bolsonarismo, não é suficiente para manter alguma estabilidade para Bolsonaro, na opinião de Consentino. "É uma estratégia eleitoral que não se sustenta em um momento como esse. O país carece de lideranças, não estamos diante de um desafio trivial, mas um dos maiores problemas que nossa geração já enfrentou", alerta.

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