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Bolsonaro x China: uma guerra verbal com o principal parceiro comercial do Brasil

Bolsonaro x China: uma guerra verbal com o principal parceiro comercial do Brasil

Presidente subiu o tom nas críticas ao país asiático que é o principal parceiro econômico do Brasil e fornecedor do insumo para a vacina mais aplicada no Brasil. Veja frases

Publicado em 7 de maio de 2021 às 18:52

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Xi Jinping e Bolsonaro apertam as mãos em frente a bandeiras chinesas e brasileiras.
Jair Bolsonaro e Xi Jinping, presidente chinês. (Divulgação/Palácio do Planalto)

Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), insufla a tensão entre Brasil e China insinuando que o país asiático teria se beneficiado economicamente da pandemia e comparando o coronavírus a uma arma biológica, membros do governo tentam "colocar panos quentes" nos ânimos dos chineses para alimentar a relação de parceria entre os dois países que já dura mais de 20 anos. Principal parceiro econômico do Brasil, durante a pandemia a China assumiu um papel ainda mais importante, por ser o fornecedor do insumo para a fabricação da Coronavac, vacina mais aplicada em território brasileiro.

Nesta sexta-feira (7), por exemplo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o chanceler, Carlos França, vão se encontrar com o embaixador chinês no Brasil. Durante depoimento na CPI da Covid, nesta quinta-feira (6), ao ser questionado sobre a interferência que as declarações de Bolsonaro poderiam ter no suprimento de vacinas, Queiroga evitou criticar o presidente e garantiu que o ministério tem uma "excelente relação" com o governo chinês.

Para especialistas consultados por A Gazeta a declaração de Bolsonaro pode ter sido mais uma estratégia para tentar tirar a atenção da mídia, e principalmente de seus apoiadores, da CPI da Covid, instalada no Senado para apurar a condução do combate à pandemia por parte do governo federal.

Embora a possibilidade de retaliação exista, os cientistas políticos e internacionalistas acreditam que a China é um país mais pragmático e vai reagir com cautela para não sacrificar avanços econômicos alcançados pela parceria sino-brasileira.

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Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês

Jair Bolsonaro
Presidente da República, em evento no Palácio do Planalto no dia 5 de maio de 2021
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Essa não é, no entanto, a primeira vez que a tensão entre os dois países se acirra devido a declarações de autoridades brasileiras. Ao longo dos dois anos de mandato, a relação entre as duas nações tem sido de altos e baixos, passando por momentos críticos durante a pandemia de Covid-19. País que registrou os primeiros casos da doença no mundo, a China foi alvo de ataques tanto de membros do governo federal quanto do próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ).

O filho 02 do presidente fez publicações no Twitter atribuindo ao governo chinês a culpa pela pandemia e chegou a trocar farpas diretamente com o embaixador chinês na rede. "Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa", escreveu o deputado.

"As suas palavras são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares. Não deixam de ser uma imitação dos seus queridos amigos (norte-americanos). Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos", respondeu a embaixada. 

Bolsonaro precisou ligar para o presidente chinês, Xi Jinping, para amenizar a crise institucional. Mais recentemente, o ministro da economia, Paulo Guedes, foi gravado assumindo o mesmo discurso em uma reunião ministerial.

RELAÇÃO ECONÔMICA SÓLIDA

Bolsonaro é o primeiro presidente, em mais de 40 anos, a assumir uma postura tão crítica à China, o que não significa que os outros mandatários tivessem uma admiração pela política chinesa, mas sim a capacidade de enxergar o quanto a parceria entre os dois países era estratégica.

Mesmo antes de ser eleito, o mandatário distribuía críticas ao país asiático e elogios aos Estados Unidos, numa espécie de "escolha pessoal" de alinhamento, conforme aponta o cientista político e professor de Relações Internacionais da UERJ Maurício Sartoro.

U$ 10,35 BILHÕES
Exportação feita para a China de janeiro a abril de 2021, 55% a mais que o mesmo período em 2020

"Bolsonaro chega ao poder com uma visão crítica da China e incorpora uma visão que coloca os EUA como prioridade para o Brasil, em um momento que os dois países estão em uma guerra econômica e política. Ele fez uma opção preferencial pelos EUA, em especial pelo governo Trump. Mas embora ele tivesse essa postura, a política externa não mudou de maneira substancial. O comércio entre os dois países, inclusive, cresceu", ressalta.

E cresceu muito. O economista Felipe Storch Damasceno, professor da Fucape, ressalta que a China compra um terço do que é exportado pelo Brasil, principalmente a produção de soja. O segundo lugar no ranking de exportações do país, ocupado pelos Estados Unidos, não compra nem 10% da produção, ou seja, é muito clara a dependência econômica que o Brasil vive.

Gráfico mostra a comparação da exportação brasileira em abril de 2021
Gráfico mostra a comparação da exportação brasileira em abril de 2021. (Ministério da Economia)

Durante o tempo de campanha, em agosto de 2018, Bolsonaro criticou o avanço de compra de terras brasileiras por parte da China e disse ser preciso "brecar" o país. Em novembro de 2019, já eleito, disse em entrevista à Band, que "todos os países podem comprar no Brasil, mas não comprar o Brasil". A declaração foi feita logo após um encontro entre o presidente e o embaixador chinês.

Durante a maior parte do mandato, no entanto, Bolsonaro evitou fazer críticas diretas ao país asiático, mas também não desautorizou membros do governo que fizeram, como o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o ex-ministro da Educação Abraham Weitraub e seu próprio filho, Eduardo Bolsonaro.

"O que mudou com a chegada de Bolsonaro foi que pessoas muito próximas a ele começaram a se manifestar publicamente de maneira critica à China e essas criticas começaram a preocupar os chineses. Nas conversas que tive com jornalistas, diplomatas e acadêmicos chineses eles sempre ficavam com dificuldade de entender se elas (críticas) representavam a posição do governo brasileiro ou se eram opiniões pessoais. Mas se não eram a posição oficial, então por que Bolsonaro não desautorizava essas pessoas? Isso era uma dúvida, uma preocupação", relata Sartoro.

TENSÃO SE ACIRROU DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

A pandemia de Covid-19, que teve início em terras chinesas, trouxe mais tensão entre a China e alguns países ocidentais. O Brasil não é o único a atacar o governo chinês e a culpá-lo pela pandemia, declaração que também foi feita pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e líderes europeus. Acontece, ressalta o professor, que dentre os críticos o Brasil é o país que mais depende da nação asiática.

"A China está sensível a isso, qualquer líder político que fizer essas declarações pode sofrer retaliação. O grande problema é que o Brasil é um país importante para China, mas não é fundamental. Os mais importantes para eles são os países vizinhos, ali que ela concentra as atenções. A importação de soja tem uma importância para a segurança alimentar chinesa, mas ela não é tão forte a ponto de a China aceitar qualquer desaforo do Brasil", assinala.

A importação de soja, inclusive, poderia dar preferência a outros países, como Argentina e até Estados Unidos, segundo o economista Damasceno. "Não descarto a possibilidade, ainda, de uma produção de soja na África, continente que tem recebido largo investimento chinês. Com a melhoria das sementes para produção de uma soja que suporte temperaturas mais altas, eles poderiam investir por lá", aponta. Por isso, não seria uma boa estratégia apostar em uma "dependência" a médio e longo prazos.

E não foi só a tensão que cresceu. A importância da China para o Brasil também tomou grandes proporções com o agravamento da pandemia. Apostando em uma "diplomacia da vacina", o país asiático é o principal fornecedor de insumos para a produção da Coronavac, vacina que está sendo aplicada em alguns países e, em grande escala, no Brasil. A vacina produzida em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, foi o principal objeto dos ataques de Bolsonaro.

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A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá

Jair Bolsonaro
Outubro de 2020, em entrevista à Jovem Pan
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Inicialmente, ainda em julho, os esforços do Executivo estavam voltados para comprar a vacina produzida pela Oxford. Naquele mês, em uma transmissão ao vivo, Bolsonaro falou em tom de desprezo sobre a vacina desenvolvida com insumos da China, enquanto comemorava o fato de ter assinado o contrato para receber doses da Astrazeneca.

Jair Bolsonaro em Cerimônia de Inauguração do Pavilhão de Feiras e Exposições do Centro de Convenções do Amazonas
Jair Bolsonaro em Cerimônia de Inauguração do Pavilhão de Feiras e Exposições do Centro de Convenções do Amazonas. (Alan Santos/PR)
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Não é daquele outro país não, tá ok, pessoal? É de Oxford

Jair Bolsonaro
Julho de 2020, em live
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Em outubro, quando o Ministério da Saúde, sob comando de Eduardo Pazuello, já havia firmado o contrato de compra de 46 milhões de doses do imunizante, Bolsonaro respondeu a uma seguidora, nas redes sociais, que o país não compraria a vacina "chinesa".  Na época, tanto Bolsonaro quanto membros do governo investiram em uma narrativa para ligar a Coronavac – e consequentemente a China – ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político do mandatário.

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Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós. Não sei se o que está envolvido nisso tudo é o preço vultoso que vai se pagar por essa vacina para a China

Jair Bolsonaro
Outubro de 2020 em visita ao interior de São Paulo
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No mês seguinte, os estudos para o desenvolvimento da Coronavac foram suspensos devido a um evento adverso grave, a morte de um voluntário que havia tomado a vacina. Comentando a decisão, o presidente comemorou que tinha "ganhado". O óbito, contudo, foi por suicídio e não tinha relação com o uso do imunizante. Os testes logo foram retomados.

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Morte, invalidez e anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todo paulistano a tomar

Jair Bolsonaro
Comentando suspensão dos testes de Coronavac nas redes sociais
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"CORTINA DE FUMAÇA"

A declaração de Bolsonaro dada na quarta-feira foi mais dura. Foi a primeira vez, enquanto presidente, que o mandatário assumiu o discurso de que o vírus poderia ter sido "criado" na China para que o país se beneficiasse economicamente. A Organização Mundial da Saúde já se posicionou de que "é extremamente improvável" que o coronavírus tenha sido fabricado em laboratório.

A crítica, no entanto, pode ter sido com o intuito de desviar a atenção da mídia, e principalmente de seus apoiadores, do que está sendo dito na CPI da Covid, que já ouviu três dos quatro titulares que passaram pelo Ministério da Saúde desde o início da pandemia, muitos confirmando interferências de Bolsonaro nas decisões da pasta e uma insistência em desrespeitar as autoridades sanitárias.

"Ele joga com a ideia de desviar o foco da CPI, uma cortina de fumaça. Essa semana nós tivemos algumas cortinas de fumaça por parte dele, não só a da China. Mas isso pode se voltar contra ele, na medida que a fala pode atrapalhar na garantia de insumos para a produção da mais vacina mais aplicada no Brasil", aponta o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino.

Logo após a declaração do presidente, o Instituto Butantan anunciou um atraso na entrega do IFA, insumo para a produção da vacina, relacionando a demora com a posição de Bolsonaro. Os especialistas destacam, no entanto, que não houve um posicionamento oficial por parte do governo chinês, por isso, não é correto interpretar que a demora seja uma retaliação política.

Sartoro concorda que a declaração é uma uma estratégia, mas destaca que em toda a conjuntura de ataques, os chineses podem não ter interpretado dessa forma. "Não acho que a declaração tenha resultado numa mudança de política externa, mas não foi assim que os chineses interpretaram. A fala ultrapassou a linha de civilidade e do que é adequado politicamente", assinala.

PRAGMATISMO CHINÊS SALVA PARCERIA

Embora sejam muito negativas, as declarações de Bolsonaro não têm um peso danoso a longo prazo, para o internacionalista e economista professor da Unicape, Thales Castro. O especialista sustenta que, culturalmente, a China é um país mais pragmático que sabe separar os interesses econômicos e políticos de fatos isolados.

"A China sabe que o governo Bolsonaro tinha uma relação visceral com Trump por vias ideológicas, mas sabe, também, que a democracia ocidental é feita de governantes que passam. Bolsonaro pode até ser reeleito, mas líderes passam, diferente do que acontece lá, onde as relações de governo são longas, a mais atual está posta desde 2013. O país mantém, por isso, um olhar para o longo prazo e, por mais que esteja conturbada a relação no momento, pode existir ainda uma melhora", pontua.

Série histórica desenvolvimento relacionamento comercial Brasil/China - Em verde a exportação e em azul a importação
Série histórica desenvolvimento relacionamento comercial Brasil/China - Em verde a exportação e em azul a importação. (Ministério da Economia)

Castro também destaca que na América Latina o Brasil é um aliado estratégico dos países orientais. "É a maior economia, tem o maior território e se comunica com outros países. Eu acho que no curto prazo existe um desconforto mas eu não vejo como acontecer algo mais grave e dinamizador do relacionamento bilateral", completa.

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