O "casamento" entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro durou apenas 16 meses, mas foi marcado por atritos. O início do relacionamento, que parecia favorável a ambas as partes, começou em novembro de 2018, quando o então juiz federal, famoso por conduzir processos da Operação Lava Jato em Curitiba (PR), anunciou que assumiria o cargo de Ministro da Justiça.
À frente do ministério, Moro endossava o discurso de anticorrupção do governo Bolsonaro, que prometia carta-branca ao ministro, o que não aconteceu. O primeiro conflito ocorreu em janeiro de 2019, quando Moro teve que revogar a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária. A cientista política era considerada "esquerdista demais" pelo presidente. Logo depois, episódios que envolveram uma tentativa de troca do comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro por parte de Bolsonaro, sem o apoio do ex-ministro, e a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da guarda de Moro para o Banco Central acirraram os conflitos.
A relação ficou ainda mais estremecida com a falta de interesse demonstrada por Bolsonaro diante do pacote anticrime, elaborado por Sergio Moro. O presidente pediu prioridade da Câmara para votar outras reformas, como a da Previdência. Após a aprovação do pacote, modificado no Congresso, Bolsonaro sancionou o projeto sem veto à implementação do juiz de garantias, algo que Moro era contra.
Apesar dos constantes desgastes, a demissão de Maurício Valeixo da Polícia Federal, em abril deste ano, foi determinante para o fim da relação entre ministro e presidente. Com a exoneração do diretor-geral da PF, Moro pediu demissão. Confira, em 10 episódios, os principais embates registrados desde o anúncio de saída de Sergio Moro do governo Bolsonaro.
Em pronunciamento no dia 24 de abril, Sergio Moro informou que deixava o cargo de ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. A decisão foi tomada, segundo o ex-juiz, após o presidente não fornecer uma justificativa para demitir o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo. Em seu discurso, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir no trabalho da PF e afirmou que o presidente queria ter uma pessoa que pudesse ligar para colher informações e relatórios de inteligência. Ele também acusou Bolsonaro de fraude, alegando que não assinou a exoneração de Valeixo.
Após o pedido de demissão de Moro, Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional. Em um discurso confuso e voltado para questões pessoais, ele negou ter interferido em investigações da Polícia Federal, apesar de ter admitido que pediu informações sobre casos que envolviam pessoas ligadas a ele. O presidente também fez críticas a Moro, dizendo que ele era movido pelo ego e que chegou a negociar a saída de Maurício Valeixo da PF depois que o ex-juiz fosse indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Após ser acusado pelo presidente de ter negociado uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Moro usou sua conta no Twitter para rebater a acusação. O ex-ministro afirmou que a permanência de Valeixo no comando da PF nunca foi utilizada como moeda de troca.
Na noite em que anunciou sua demissão, o ex-juiz divulgou trocas de mensagem com o presidente e também com a deputada Carla Zambelli (PSL). O conteúdo das mensagens foi exibido pelo Jornal Nacional. Em uma delas, Bolsonaro cobra de Moro a troca da Polícia Federal. Já Zambelli pedia que o ex-ministro fizesse a mudança, dizendo que ajudaria a levá-lo ao STF. Moro respondeu que não estava à venda.
Após as acusações de Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para apurar a ocorrência de crimes que poderiam ter sido cometidos pelo presidente, entre eles falsidade ideológica e corrupção passiva. A abertura do inquérito foi autorizada pelo ministro Celso de Mello, no dia 27 de abril. Ele determinou que Moro fosse ouvido dentro de cinco dias.
No dia 02 de maio, Moro prestou depoimento na sede da Polícia Federal em Curitiba. Em seu depoimento, que durou cerca de oito horas, o ex-ministro reafirmou as acusações que fez contra Bolsonaro. Moro ainda disse que, no começo de março deste ano, o presidente havia pedido a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro, onde correm investigações ligadas à família dele. O ex-juiz também mencionou que o assunto foi abordado em uma reunião ministerial, que havia sido gravada em vídeo.
Após Moro citar a existência de um vídeo de uma reunião ministerial, que confirmaria a tentativa de Bolsonaro de trocar a PF para atender assuntos pessoais, o ministro Celso de Mello determinou que o Planalto entregasse a gravação para análise da Polícia Federal. Além disso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou que fosse colhido o depoimento de três ministros da ala militar que Moro mencionou ter participado do encontro: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil).
Na segunda-feira (11), o ex-diretor-geral da Polícia Federal, Alexandre Valeixo, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), delegado Alexandre Ramagem prestaram depoimento. Segundo depoimento de Valeixo, Bolsonaro decidiu exonerá-lo por querer alguém com mais afinidade. Já Ramagem, que chegou a ser nomeado novo diretor-geral da PF, mas teve indicação suspensa pelo STF por ser próximo da família Bolsonaro, negou ter qualquer intimidade com o presidente e seus filhos. Ramagem também acusou Moro de tentar desqualificá-lo.
Na última terça-feira (12), foi a vez da Polícia Federal ouvir os ministros Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Braga Netto. Eles prestaram depoimento no Palácio do Planalto, no mesmo horário. Em seus depoimentos, os ministros disseram que, durante reunião ministerial, Bolsonaro disse que queria interferir em todos os ministérios. No depoimento de Heleno, há interpretação de que o presidente falou em proteger familiares ao se referir a troca da superintendência da PF no Rio de Janeiro. Já Braga Netto diz que não ouviu Bolsonaro relatar interesse e Ramos informou que não se lembrava do episódio.
O vídeo da reunião ministerial, em que Bolsonaro teria deixado claro interesse em realizar trocas na Polícia Federal, foi exibido pela PF nesta terça-feira (12) a um grupo de autoridades permitidos pelo ministro Celso de Mello, que inclui o ex-ministro Sergio Moro. Após a exibição do vídeo, Moro voltou a reafirmar uma tentativa de interferência do presidente e se manifestou favorável a divulgação do vídeo. Já Bolsonaro se manifestou dizendo que não há no vídeo menção à Polícia Federal. A retirada de sigilo do vídeo está sendo analisada pelo STF.
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