Mais de 30 anos após a redemocratização do Brasil, a participação feminina na política ainda é baixa e poucas são as mulheres que se candidatam ao cargo mais alto do Poder Executivo. Desde as eleições de 1989 até as eletivas de 2018, apenas oito concorreram ao cargo de presidente da República e, delas, a única a vencer pleito foi Dilma Rousseff (PT), que governou de 2011 a 2016, até ser afastada do cargo em seu segundo mandato.
No mesmo período, foram 82 candidatos homens. Isto é, menos de 9,75% das candidaturas à Presidência foram de mulheres. Agora, outras três entram na disputa em 2022: a senadora Simone Tebet (MDB), Sofia Manzano (PCB) e Vera Lúcia (PSTU), oficializadas candidatas na última semana.
É apenas a segunda vez na história em que três mulheres se candidatam no mesmo ano. O primeiro registro ocorreu em 2014, quando Marina Silva, Luciana Genro e Dilma concorreram.
A primeira a tentar a vaga foi a mineira Lívia Abreu, que concorreu ao cargo pelo Partido Nacionalista (PN), em 1989. A advogada recebeu somente 0,26% dos votos válidos naquela época, tendo ficado em 16º lugar na disputa que elegeu Fernando Collor (PRN), afastado do cargo no final de 1992.
Com participação tímida nas urnas, outras mulheres também tentaram alcançar o cargo nos pleitos posteriores, como a administradora de empresas Thereza Ruiz (1998), a cientista política Ana Maria Rangel (2006) e a professora e enfermeira Heloísa Helena (2006), que foi a primeira a romper a barreira de 1% dos votos. Ela chegou a ser a terceira colocada na disputa, com 6,5 milhões de votos (6,85% dos válidos).
Quatro anos mais tarde, a petista Dilma Roussef tornou-se a primeira mulher eleita presidente do Brasil, competindo também com Marina Silva (na época PV), que chegou à terceira colocação. As duas concorreram novamente em 2014, junto a Luciana Genro (PSOL). Mesmo com a reeleição de Dilma (posteriormente afastada), Marina fez uma terceira tentativa em 2018, disputando, também, com Vera Lúcia (PSTU).
Mesmo com três candidatas confirmadas nas Eleições de 2022, a participação feminina nas disputas políticas ainda é pouco usual no país. Fernanda Wolski, diretora de Articulação Política do Elas no Poder – organização que busca aumentar a participação das mulheres na política e fortalecer suas atuações nos espaços de poder –, observa que essa baixa adesão às candidaturas se deve a uma série de motivos, sobretudo ao machismo e à violência política de gênero.
Além disso, muitas candidatas à presidência da República lidam, ainda, com a falta de apoio partidário e capital político, o que dificulta que performem de forma mais competitiva.
A legislação prevê que pelo menos 30% das candidaturas partidárias seja de mulheres, o que influencia, por exemplo, na distribuição do fundo eleitoral.
“Para fazer campanha, você precisa de dinheiro. Mas muitos partidos não incluem mulheres, não as incentivam e, na hora de lançar as candidaturas, não têm candidatas. Até a mulher chegar a esse ponto, precisa ultrapassar uma série de barreiras. Alguns partidos chegam a lançar candidatas laranjas, mulheres que não têm qualquer trajetória, que não terão qualquer voto, apenas para dizer que cumpriram a cota, para receber", aponta Fernanda Wolski.
Ela observa que, mesmo quando as mulheres conseguem viabilizar uma candidatura, a própria sociedade dificulta a eleição, porque há uma noção errônea de que uma mulher é incapaz de desempenhar as funções tão bem quanto um homem em posições de poder.
“Quando as mulheres começarem a ocupar esses espaços, a visão da sociedade tende a mudar. Mas é difícil que cheguem lá, porque falta dinheiro para campanha, falta apoio, a estrutura partidária dificulta... e isso tudo se soma a questões estruturais, como a síndrome de impostora, que não lhes permite enxergar que são capazes”, comenta Wolski, citando o sentimento de insuficiência ou incompetência, além da tendência à autossabotagem, que acomete algumas mulheres devido ao constante descrédito de parte da sociedade, o chamado machismo estrutural.
A professora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e doutora em História Social das Relações Políticas Catarina Gazele observa que esses desafios não são exclusivos da disputa pelos cargos mais altos, mas estão ligados à participação feminina na vida pública de modo geral.
“A concepção de que mulheres não se interessam por política é um mito. A maioria das mulheres gosta do assunto, tanto que se engaja."
A especialista observa que, diante das barreiras, muitas mulheres se afastam da luta por espaços no poder, até mesmo como forma de autopreservação, porque têm ciência de que a violência política de gênero é algo que enfrentarão.
Assim, muitas apenas observam de longe, sem tentar se candidatar, e até sem se filiar, pois também encontram nos partidos ambientes pouco acolhedores, em que são deixadas às margens.
“A violência política de gênero tenta excluir quem considera mais vulnerável. Essa violência vai deslegitimar a mulher que já está no mandato, vai assustar uma mulher que queira um mandato. É por isso muitas dizem ‘vou lá’ e, na hora de ir, não vão. Pulam fora. Veja o quanto já debocharam de Marina Silva, por exemplo. Veja o que foi feito com Dilma, quando tivemos uma alta no preço dos combustíveis. São coisas absurdas”, lembra Catarina Gazele, em referência a um adesivo misógino que era colado na porta do tanque de combustível.
É um situação replicada também nos cargos menores, conforme observa a professora, que pondera que boa parte das mulheres na política já foi mandada calar a boca, já teve seu papel questionado, não apenas no âmbito nacional, mas também no Espírito Santo.
“A gente espera que outras mulheres estejam preparadas para assumir essas funções, até mesmo para podermos alcançar uma democracia plena, e não apenas democracia. A presença feminina nos espaços de poder é importante para todas nós. A gente precisa disso. Mas as mulheres precisam estar preparadas para enfrentar problemas, vão ter que trabalhar mais, vão ter que ser um modelo para outras mulheres e ser um modelo é difícil", acredita Catarina.
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