Onze ministros, exposição midiática constante e o fogo cruzado das críticas, que surge também nas redes sociais, num tom bem distante da retórica jurídica. É nesse contexto que o livro Os Onze retrata bastidores e crises do Supremo Tribunal Federal (STF).
Da leitura, que também percorre o passado, extrai-se que a ministra Cármen Lúcia, então à frente da Corte, evitou ser fotografada ao lado de Michel Temer (MDB) ou a cumprimentar com beijos os colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski no velório de Teori Zavascki. Descobre-se que o ministro Luiz Fux é bastante sensível à opinião pública, a ponto de lamentar sinceramente a publicação da carta de um leitor no jornal com uma avaliação pouco abonadora do voto dele no caso da aplicação da Lei da Ficha Limpa (ele entendeu que a norma somente poderia valer a partir da eleição seguinte à de 2010, ano da aprovação da lei).
Fux também chorou ao ser informado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que havia registros, no âmbito da Operação Lava Jato, nada grave de encontros sociais dele com o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, condenado por corrupção.
À parte rusgas internas e preferências pessoais dos ministros, Os Onze é uma radiografia de temas caros ao Judiciário e à própria noção de República. Afinal, até que ponto um tribunal fragmentado em que alguns dos ministros, a exemplo de Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes mal se cumprimentam pode resistir a pressões que vão muito além do que é postado em perfis anônimos no Twitter?
Em entrevista para o Gazeta Online, um dos autores do livro, o jornalista Felipe Recondo, falou ainda sobre a relação entre os presidentes do Supremo e da República. Ele avalia que o contato entre os ocupantes dos dois cargos sempre existiu, com menos repercussão. Mas nem sempre o que representa o Poder dos onze teve tanta influência. Houve um tempo em que o presidente do STF nem definia a pauta do que iria a julgamento. Hoje não é mais assim. E agora os holofotes estão ligados.
Sempre houve conversas, mas talvez por essas agendas individuais, a capacidade de definir pautas e o comportamento pessoal dos presidentes, isso foi gerando dúvidas, afirma Recondo.
O atual presidente do Supremo, Dias Toffoli ironicamente indicado pelo então presidente Lula (PT) e o presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) têm dado cada vez mais sinais de proximidade. A própria atuação dos ministros também foi moldada por mudanças de perfil, políticas e jurídicas, com destaque para as chamadas decisões liminares monocráticas concedidas por apenas um deles.
A partir de quando os ministros passaram a agir mais individualmente do que coletivamente?
Pré-2002, 2003, havia mais colegialidade. Mudanças legislativas, mudanças de perfil do Supremo e o aumento do número de processos levaram ao aumento das decisões monocráticas (individuais). Nas décadas de 1980 e 1990 era um tribunal de colegiado, dificilmente havia agendas individuais. Tinha liminar em habeas corpus, em mandado de segurança, mas liminar individual impedindo o governo de fazer determinada coisa ou afastando um parlamentar.
Mas não são muitos processos? Se fossem todas decisões colegiadas iria demorar muito.
O ministro pode não decidir monocraticamente se achar que é muito complexo. Poderia levar determinadas decisões ao plenário para decisão colegiada. O ministro Fachin fez isso, por exemplo, no caso da transferência do Lula. Ele poderia ter resolvido monocraticamente, mas decidiu levar ao plenário.
Pelo que o livro mostra, os ministros, além de distantes quanto à atuação profissional na Corte, também são pessoalmente distantes, alguns deles.
É salutar que haja divergências. Ou os argumentos seriam sempre os mesmos. No passado houve divergências entre ministros também, mas era difícil ver discussão descambar para algo pessoal. Esses conflitos hoje acabam tendo como combustível agendas pessoais e políticas diferentes.
As contrariedades em torno de temas também são comuns, mas a gente vê que determinados ministros nem se cumprimentam no plenário e em locais públicos. Barroso e Gilmar já não têm uma boa relação. Marco Aurélio já se declarou inimigo de Gilmar e suspeito de julgar processos em que decisões de Gilmar sejam contestadas.
Qual o conceito de ilhas citado no livro?
Quando se fala de ilhas, quem cunhou essa metáfora foi o ministro Pertence (Sepúlveda Pertence, ex-presidente do STF). Perguntei a ele o que quis dizer e ele falou que as pessoas não se frequentavam, não eram necessariamente amigas, mas tinha a conclusão para a frase: elas ainda formavam um arquipélago. Hoje a gente não percebe esse arquipélago mais. São quase Estados independentes, que podem fazer alianças com nações externas e defender suas próprias pautas.
No período democrático, o Supremo alguma vez esteve mais exposto à mídia e às críticas do que hoje?
É mais fácil você falar com o presidente do Supremo do que com um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é o que um ministro disse, um exemplo que ele usou. A exposição é brutal e nunca aconteceu. Até por questões tecnológicas, tem a TV Justiça e isso permite que cada pessoa conheça os ministros, assista às sessões em tempo real e passe a acompanhar as idiossincrasias em cada colegiado. Cubro também (como jornalista) o STJ (Superior Tribunal de Justiça), e tem situações dessas, mas não reverbera. Lá a sessão não é transmitida ao público.
O comitê de imprensa do Supremo tinha sete pessoas, hoje tem 40 pessoas credenciadas. A atenção da imprensa mudou. O Supremo do passado não aceitava discutir certos assuntos. O caso Roberta Close (ex-modelo transexual), por exemplo, na década de 1990, final da de 1980. Ela pediu para fazer alteração do registro do nome no documento para não passar por constrangimento, porque o registro era com nome de homem. E o STF negou formalmente, nem aceitou discutir o mérito da ação. Tantos anos depois, o STF decidiu com repercussão geral que isso pode ser feito. São momentos diferentes.
E como é, via de regra, a relação do presidente do STF com o presidente da República? A proximidade de Toffoli é atípica?
Uma das coisas fundamentais é a relação do presidente com o colegiado (os outros ministros). Antes era mais parlamentarista, o presidente era um igual, nem definia as pautas. Os ministros liberavam os votos e isso formava a pauta automaticamente. Ele representava o tribunal nas relações com os demais Poderes, mas era mais um.
Hoje ele define a pauta, a agenda. Se o presidente do Supremo não quiser pautar um tema, ele tem esse poder. O colegiado pode até contestar isso, como no caso da execução provisória da pena (prisão após condenação em segunda instância). Cármen Lúcia se recusou a pautar e não havia o que fazer. Os presidentes (do STF) do passado dizem que o presidente do Supremo representava a opinião majoritária, não expunha sua posição pessoal em temas complexos. Desde Nelson Jobim é diferente. Isso faz com que os presentes tenham relações diferentes com a política. Relação entre presidente do STF e presidente da República sempre houve e era menos questionada do que é hoje. Na presidência do ministro Gallotti, na década de 1990, houve uma crise entre Executivo e Supremo e Marco Maciel convidou Galotti para jantar no Jaburu. Os jornais deram uma linha, ninguém questionou pauta, agenda, se era coisa republicana ou não, e a crise se dissipou. Sempre houve conversas, mas talvez por essas agendas individuais, a capacidade de definir pautas e o comportamento pessoal dos presidentes isso foi gerando dúvidas.
Há, ou houve recentemente, risco de crise institucional?
A gente não sabe o que isso significa. As instituições estão funcionando, podem estar em conflito. Isso haverá. No Congresso está sendo votada uma medida para impedir que o Supremo conceda liminares monocráticas. Isso não deixa de ser uma possível fonte de conflito ou reação do Congresso ao Supremo.
Os outros Poderes vão se adequando a essa retórica. Alguém acha que o inquérito aberto por Toffoli era para combater fake news? É uma arma para o Supremo usar caso seja atacado.
Se alguns ministros são tão sensíveis ao que é publicado sobre eles, algum sensibilizou-se com a publicação de Os Onze?
Recebemos algumas mensagens, mas tudo dentro do esperado na democracia, em que a liberdade de imprensa tem seu valor. Um ministro foi ao lançamento e fez uma piada: Vim porque ainda não li.
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