Uma bronca do governador João Doria (PSDB) no deputado estadual Major Mecca (PSL-SP) está na raiz do racha do PSL na votação de projeto de enxugamento de estatais do estado e reforçou a resistência de membros da chamada bancada da bala ao Palácio dos Bandeirantes.
Para deixar clara a insatisfação com a falta de acenos de Doria a servidores da segurança pública, área que o governador elegeu como prioridade, parlamentares egressos da carreira policial ou que foram eleitos com o apoio dessa base já estavam dispostos a votar contra a proposta do PSDB.
A reprimenda do tucano azedou de vez o clima. Mecca ficou magoado e espera um pedido público de desculpas.
Durante a votação, na quarta-feira (15), quando o projeto foi aprovado, o PSL se dividiu: seis deputados que queriam emparedar o governador sob a justificativa do descaso com a segurança votaram contra, e oito se apegaram a ideais liberais da legenda para fundamentar voto favorável. Um membro do partido votou pela obstrução.
A rusga entre governador e deputado eclodiu na semana anterior à votação, quando Doria, durante a visita mensal que faz à Assembleia, pegou o microfone para expressar seu descontentamento com Mecca por causa de discursos dele com críticas à remuneração e às condições de trabalho dos agentes de segurança.
"Não dá para ter dois comportamentos, um pessoal e depois outro aqui colocado na tribuna da Assembleia. Se o senhor tiver crítica, faça diretamente a mim, estando comigo, olhando nos meus olhos", falou Doria ao parlamentar, diante de outros deputados.
"Não me cumprimente, não me abrace, e depois no momento seguinte venha aqui para fazer críticas ao governador do estado. Ou não participe de encontro comigo, ou, se participe, me trate com a mesma forma com que me tratou lá no Palácio dos Bandeirantes. Duas formas eu não aceito. Escolha uma delas", arrematou Doria, com a voz firme.
Uma semana antes, o tucano tinha recebido na sede do governo 13 dos 15 membros da bancada do PSL, a mais numerosa da Assembleia. O PSDB, que no passado era o partido com mais cadeiras, caiu para o terceiro lugar nesta legislatura, empatado com o PSB, o que criou um cenário mais pedregoso para o Executivo.
Mecca estava no grupo que participou do encontro, descrito por Doria como "um almoço muito positivo, construtivo". No dia seguinte, porém, o deputado foi para a Assembleia com uma camiseta escrito "Policial nota 10, salário nota zero" (uma indireta a uma premiação do Governo de SP para policiais) e soltou o verbo no plenário.
"Tivemos a oportunidade de externar ao governador [no almoço] o sentimento que tem hoje o nosso soldado, os nossos praças, os nossos oficiais. O sentimento é de abandono, é de que o Estado não se importa com eles e com seus familiares", discursou Mecca.
Embora Doria tenha sido eleito com uma plataforma de combate à criminalidade e tenha anunciado iniciativas na área, a recusa em pautar o aumento salarial impede o alinhamento desses deputados ao governador. "O sentimento dos policiais é que o governo está fazendo marketing com a farda da PM", diz Mecca.
O pito de Doria foi gravado em vídeo e viralizou em grupos de WhatsApp. A gravação chegou aos quartéis, com cobranças imediatas das bases aos deputados do PSL.
"Criou a sensação na tropa de que nós agimos como amigos dóceis do governo nos bastidores e só esbravejamos em defesa da pauta na tribuna, o que não é verdade", diz à reportagem o líder da bancada do PSL, deputado Gil Diniz, que votou pela rejeição do projeto das estatais.
O partido de Jair Bolsonaro é o que concentra mais deputados identificados com a causa da segurança na Assembleia --nove são oriundos de carreiras policiais ou têm ligação estreita com o tema.
Por 57 a 26, a aprovação do texto que abre caminho para extinguir estatais, uma das bandeiras de campanha do governador tucano, foi considerado uma vitória para Doria, desde já visto como candidato a presidente em 2022.
Deputados da bancada da bala distribuídos por outros partidos tiveram comportamentos distintos. Alguns deles também se colocaram contra o projeto. Foi o caso de Adriana Borgo (PROS) e Sargento Neri (Avante), ambos infelizes com o tratamento dado à área que representam.
Outros porta-vozes frequentes de demandas dos policiais, como Delegado Olim, Coronel Telhada e Conte Lopes (todos do PP), votaram a favor, embora mantenham as reivindicações em prol da categoria.
Lopes foi um dos que demonstraram solidariedade a Mecca. "Mesmo que o governador não goste, a gente tem que cobrar neste plenário a solução", afirmou na tribuna.
Edna Macedo (PRB) também saiu em defesa do colega de Legislativo e comparou Doria a um "deusinho" de quem "não se pode falar nada".
Mecca, que na campanha do ano passado apoiou o outro candidato do segundo turno, Márcio França (PSB), diz que o tucano mandou uma mensagem de WhatsApp para ele depois do entrevero, mas não pediu desculpas. "Ele escreveu que não me quer mal. Mas qualquer pedido de retratação precisa ser em público."
Procurado, o governo evitou comentar diretamente o atrito com a bancada da bala.
O Bandeirantes diz que o governador "abriu um canal de diálogo inédito com o Legislativo" para conversar "com todos os membros, sem distinção de filiação partidária ou alinhamento com o governo".
"Discordâncias são naturais e fazem parte do processo democrático do país", afirma o texto enviado pela assessoria.
Em fala direcionada a "alguns parlamentares mais preocupados em fazer discursos emblemáticos, partidários e ideológicos", Doria reiterou em rede social que mantém a promessa de incrementar o salário dos policiais. "Só não vamos precipitar e fazer de forma ansiosa, comprometendo o Orçamento do estado."
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