A mesa diretora da Câmara da Serra protocolou, na última segunda-feira (25), um projeto de resolução que prevê 200 litros de combustível por mês e acesso a carro aos 23 vereadores. A medida foi lida na sessão de quarta-feira (27) e justifica que os veículos oficiais têm por finalidade dar suporte às atividades parlamentares, sendo vedada a utilização para fins particulares.
Apesar de conferir uma autorização para esse gasto, o projeto é vago e não explica, por exemplo, os impactos aos cofres públicos ou a partir de quando passaria a valer.
O presidente da Casa, Rodrigo Caldeira (PRTB), afirmou à reportagem de A Gazeta que a resolução não significa a compra de veículos, mas sim da definição de regras para os quatro carros alugados já disponíveis na Câmara e outros que podem vir a ser locados.
Atualmente, para usar um dos quatro carros alugados pela Casa, os vereadores têm que entrar em uma fila e solicitar o uso. Caso não haja disponibilidade, o parlamentar faz o uso do seu próprio veículo.
"O que o vereador tem hoje é apenas o salário, não tem auxílios, nada", frisa Caldeira. Segundo dados do Portal da Transparência da Câmara da Serra, o valor pago mensalmente a cada vereador é de R$ 9.208,33.
Além de Caldeira, assinaram a medida os vereadores Cleber Serrinha (PDT), 1º vice-presidente; Teilton Valim (PP), 2º vice-presidente; professor Alex Bulhões (PMN), 1º secretário; e Adriano Galinhão (PSB), 2º secretário.
O projeto não explica se os veículos seriam adquiridos ou locados, quais os tipos de carro serão utilizados, nem se haveria contratação de motoristas para conduzi-los.
Um dos artigos do texto evidencia que a decisão sobre a compra ou locação vai depender do presidente da Câmara. O artigo seguinte diz que os veículos serão econômicos, exceto o carro para a presidência, que poderá ser de luxo.
Caldeira afirma que a resolução é voltada a estabelecer regras para o uso dos veículos, o que não significa a locação de um veículo para cada vereador após a aprovação. Por esse entendimento, caso o projeto seja aprovado, ele daria uma espécie de autorização para ser feito esse gasto, mas sem a dimensão do seu tamanho.
"Essa resolução é para os deveres do vereador caso a gente alugue um veículo. Eu não estou dizendo que eu vou alugar. Caso, no futuro, eu vier a alugar o veículo, cada vereador sabe a sua responsabilidade quanto ao veículo. Depois de votado isso, aí eu começo a conversa se é para este ano ou não. Eu nem comecei a fazer tomada de preço ainda, eu só falei para eles [vereadores] que sem essa resolução eu nem olhava valor de veículo", explica.
O parlamentar evidencia ainda que há uma demanda dos vereadores e cita a quantidade de bairros e a geografia do município como justificativa para o uso dos veículos.
A intenção dos vereadores em ter veículos e gasolina para as atividades no município resultaria em gastos para a Casa. Questionado por A Gazeta sobre os valores, Caldeira afirmou que não sabe o custo e sugeriu que a própria reportagem fizesse a conta, multiplicando a quantidade de combustível pelo quantitativo de vereadores.
Fazendo o cálculo sugerido, chega-se ao total de consumo de 4,6 mil litros mensais. A quantidade multiplicada por R$ 6,70 – o valor médio da gasolina comum na Serra nesta quinta-feira (28), divulgado pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) – resultaria em um custo mensal de R$ 30,8 mil. Anualmente, o impacto seria de R$ 369,84 mil, sem contar a locação dos veículos, que não teve o valor divulgado pela Câmara.
Na avaliação do auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e professor da Fucape Business School João Eudes Bezerra Filho, a regulamentação da Câmara da Serra é legal desde que esteja no limite das despesas da Casa estabelecido na Constituição Federal.
"Se essas despesas estiverem no limite orçamentário, elas não são ilegais. Legalmente pode sim acontecer", frisa o professor. Mesmo vendo a medida como legal, Bezerra Filho ressalta que, moralmente, a iniciativa causa indignação.
"Os vereadores são servidores públicos como qualquer outro, então eles não têm que ter direito a essas verbas, essas despesas indenizatórias, além de qualquer outro servidor público, ou seja, moralmente, no princípio da moralidade previsto também na Constituição, isso não é aceitável. Eles [vereadores] recebem, muito provavelmente, o suficiente para bancar suas despesas de transporte e outras, como qualquer outro servidor", evidencia.
Para o professor, se há um recurso que a Câmara não está utilizando, deve devolvê-lo ao Poder Executivo, ao final do ano, para outras políticas públicas em saúde, educação, segurança pública e investimentos municipais, por exemplo.
Para o advogado e presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Raphael Câmara, as Câmaras municipais podem regulamentar benefícios para os seus vereadores, no entanto, embora legal, também seria imoral.
"Não há o menor sentido em estabelecer verba para combustível e determinação de carro oficial para o Poder que deve ser o mais exemplar de todos. Os vereadores devem ser o maior exemplo de austeridade em qualquer país, porque é o Poder que está mais próximo do povo. Se há esse tipo de distinção para vereadores você acaba fomentando o distanciamento desse Poder da própria realidade social", avalia.
"Quando os vereadores se candidataram, já sabiam o tamanho do município, então a questão geográfica não tem o menor sentido. Em uma época em que as tratativas, as reuniões, os encontros podem ser facilmente virtuais, esse argumento também não se sustenta. Não precisa onerar a sociedade, ainda mais com esses benefícios completamente dissociados da realidade social a qual o país atravessa", completa.
O advogado ainda evidencia a necessidade do bom uso dos recursos públicos. "É importante que o dinheiro público seja bem gasto, que tenha uma destinação moral. O que não se pode admitir é custeio do combustível ou do veículo, esse é um exemplo do dinheiro público mal gasto, ainda que a Câmara tenha orçamento para tanto. É uma destinação imoral do dinheiro público", finaliza.
A Gazeta procurou outras Câmaras da Grande Vitória para saber como funciona o uso de carros e consumo de combustível por parte dos vereadores.
Por nota, a Câmara de Vila Velha informou que a Casa conta com quatro veículos, somente utilizados nos setores administrativos e legislativo. "Nenhum dos 17 vereadores tem veículo para uso pessoal ou para suas ações ou qualquer auxílio combustível", afirma o texto. A Casa ainda evidenciou que parlamentares só são autorizados a utilizarem os carros para a entrega de documentos e que não há cota de combustível, pois os vereadores não utilizam os veículos em suas ações.
A Câmara de Vitória afirmou que não há auxílio combustível ou carros cedidos, tampouco projetos em tramitação sobre o tema.
O presidente da Câmara de Cariacica, Lelo Couto (DEM), informa que a Casa dispõe atualmente de apenas um veículo, o qual é utilizado exclusivamente pelos setores administrativos para fins institucionais.
"Os vereadores utilizam seus próprios carros para realização das suas atividades e não recebem qualquer tipo de auxílio combustível. Não há nenhum requerimento e/ou projeto em tramitação sobre a concessão de cota de combustível em favor dos vereadores", disse em nota.
Já a Câmara de Viana não enviou retorno até o fechamento do texto.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta