O projeto de lei 174/2021, de autoria do vereador Gilvan da Federal, que proíbe a exigência do “passaporte da vacina” contra a Covid-19 em estabelecimentos públicos e privados da Capital, continua tramitando Câmara de Vitória. Mais cedo, A Gazeta informou, de forma equivocada, que a proposta havia sido arquivada após consultar o site do Legislativo municipal. No entanto, o órgão esclareceu, em nota, que houve um "erro de fluxo" no sistema da Câmara e que o projeto foi, na verdade, encaminhado para análise de comissões.
"A Câmara Municipal de Vitória esclarece que não houve arquivamento do projeto que quer proibir o passaporte da vacina. Por um erro de fluxo, que já foi corrigido, o projeto está tramitando normalmente nesta Casa de Leis. O projeto agora segue a votação na Comissão de Saúde, prevista para acontecer no próximo dia 14", diz a nota.
Questionada sobre o que seria o "erro de fluxo", a Câmara completou a nota, dizendo que "o fluxo é um procedimento de tramitação regular e, quando alguém faz de forma diversa, é que ocorre um erro de fluxo no sistema", isto é, houve um erro no lançamento da informação sobre a tramitação no site, que depois foi corrigido.
O texto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa, mas, segundo juristas, é inconstitucional.
O projeto prevê que o cidadão de quem for exigida a vacinação contra o coronavírus, ou a apresentação do cartão de vacinação com a comprovação da imunização para acesso a qualquer espaço na Capital, poderá registrar reclamação junto à Prefeitura de Vitória, podendo o estabelecimento ser multado.
À reportagem de A Gazeta, Elda Bussinguer, especialista em Direito Constitucional e da Saúde, esclareceu, no último dia 22, que o projeto é inconstitucional e que a liberdade individual não pode se sobrepor à saúde coletiva.
"Pensando sempre que temos uma questão de saúde pública, o interesse público nesse caso é maior que o interesse individual. Ninguém está obrigando ninguém a tomar a vacina, mas se não quiser tomar, vai ter as restrições de quem não quer tomar. A Constituição é rica em princípios e nenhum direito é absoluto. O direito de não se vacinar existe, mas a pessoa não pode colocar em risco a vida do outro. Nesse sentido, o projeto não atende à Constituição."
O advogado constitucional Caleb Salomão destacou ainda que, como o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, normas sobre o combate à pandemia são de competência do Poder Executivo - federal, estadual ou municipal. Ou seja, um projeto desse tipo não poderia partir da Câmara Municipal, a quem não compete legislar sobre o assunto, e teria que ser proposto pelo próprio prefeito, o que, na avaliação do especialista, "seria um contrassenso diante das práticas de combate à pandemia no Brasil e no mundo", sobretudo diante do surgimento de uma nova variante do vírus.
A proposta na Câmara, que tenta determinar a “vedação à exigibilidade de vacinação contra a Covid-19, bem como de sua respectiva comprovação, não podendo a esta ser condicionado o acesso aos locais públicos e estabelecimentos públicos ou particulares”, inclusive escolas, contraria ainda outras diretrizes do STF, que já decidiu que a vacina pode, sim, ser exigida.
A decisão do Supremo abrange inclusive as empresas, que têm respaldo até mesmo para demitir por justa causa os funcionários que optarem por não se vacinar. A vacina não pode ser forçada, mas a empresa tem como dever zelar por um ambiente de trabalho seguro, o que significa, entre outros pontos, adotar medidas para evitar a contaminação dos trabalhadores com uma doença capaz de causar a morte ou deixar sequelas.
As exceções são os casos em que, por alguma justificativa legal, o trabalhador não pode receber a vacina, como alguma alergia ou outro fator agravante.
O PL também contraria as mudanças no formato do Mapa de Risco, anunciadas pelo governo do Estado. Esse novo modelo permitirá que regiões que alcançarem a recém-criada classificação de "risco muito baixo” retomem a vida de forma praticamente “normal”, mediante a adoção de alguns protocolos de segurança básicos em determinados locais, entre eles a apresentação do passaporte da vacina, isto é, o comprovante de que o cidadão tomou as doses do imunizante contra a Covid-19.
Embora o município ainda não tenha legislado sobre o tema, o texto também caminha em direção contrária a projetos recentes da Prefeitura de Vitória, que lançou, em setembro, um clube de benefícios por meio do qual moradores de Vitória e de outros locais que foram imunizados contra a Covid-19 poderão obter descontos em bares e restaurantes da cidade. O projeto de incentivo, segundo informações da própria PMV na época, visa “mobilizar toda a população para alcançar a vacinação do maior número possível de pessoas”.
Na sessão da comissão que votou o projeto, no dia 22, o vereador Gilvan da Federal, autor do texto, afirmou que a cobrança do passaporte era discriminatória. "O passaporte de vacina é discriminatório, ele cria uma cidadania de segunda classe. Ou seja, aquele que está vacinado pode tudo, e aquele que não está vacinado não pode frequentar estabelecimentos e não pode, inclusive, matricular seus filhos na escola", argumentou.
Ele ainda levantou a discussão sobre o direito às liberdades individuais. "O artigo 5º da Constituição Federal, que toda hora é rasgado, é bem claro: todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Não pode ter uma cidadania A e outra B, é sem distinção de qualquer natureza. Além de garantir o direito de ir e vir, a nossa liberdade e a nossa igualdade. Portanto, o passaporte de vacina fere o direito da igualdade, da liberdade, do direito de ir e vir".
Na publicação original desta reportagem, A Gazeta afirmava que a proposta havia sido arquivada, uma vez que essa informação constava no site da Câmara Municipal. No entanto, após a publicação, o órgão entrou em contato afirmando que houve um erro no lançamento de dados sobre a tramitação e, na verdade, o projeto que prevê a proibição de cobrança do passaporte da vacina em Vitória continua tramitando. O texto e o título foram atualizados.
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