A Câmara de Vitória tenta aprovar uma regra que proíbe a exigência do “passaporte da vacina” contra a Covid-19 em estabelecimentos públicos e privados da Capital. Segundo juristas, o Projeto de Lei (PL) 174/2021, de autoria do vereador Gilvan da Federal, é inconstitucional.
O texto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça, Serviço Público e Redação da Câmara, por 4 votos a 1, nesta segunda-feira (22). Ele ainda precisa ser votado pelos demais vereadores e ser sancionado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) para virar lei.
Ainda de acordo com o projeto, o cidadão de quem for exigida a vacinação contra o coronavírus ou a apresentação do cartão de vacinação com a comprovação da imunização para acesso a qualquer espaço na Capital poderá registrar reclamação junto à Prefeitura de Vitória, podendo o estabelecimento ser multado.
A especialista em Direito Constitucional e da Saúde, Elda Bussinger, pontua que o projeto é inconstitucional e que a liberdade individual não pode se sobrepor à saúde coletiva.
"Pensando sempre que temos uma questão de saúde pública, o interesse público nesse caso é maior que o interesse individual. Ninguém está obrigando ninguém a tomar a vacina, mas se não quiser tomar, vai ter as restrições de quem não quer tomar. A Constituição é rica em princípios e nenhum direito é absoluto. O direito de não se vacinar existe, mas a pessoa não pode colocar em risco a vida do outro. Nesse sentido, o projeto não atende à Constituição."
No caso da exigência do "passaporte" por escolas, ela explica, inclusive que já existem diversas leis brasileiras que exigem a comprovação da vacinação para acesso às escolas. "Se os pais não protegem a criança, o Estado deve fazê-lo, por isso há essa exigência."
O advogado constitucional Caleb Salomão destaca ainda que, como o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que normas sobre o combate à pandemia são de competência do Poder Executivo, seja federal, estadual ou municipal. Ou seja, um projeto desse tipo não poderia partir da Câmara Municipal, pois seria inconstitucional, e teria que ser proposto pelo próprio prefeito, o que "seria um contrassenso diante das práticas de combate à pandemia no Brasil e no mundo", segundo o especialista.
A proposta em análise na Câmara, que tenta determinar a “vedação à exigibilidade de vacinação contra a Covid-19, bem como de sua respectiva comprovação, não podendo a esta ser condicionado o acesso aos locais públicos e estabelecimentos públicos ou particulares”, inclusive escolas, contraria ainda outras diretrizes do STF, que já decidiu que a vacina pode sim ser exigida.
A decisão do Supremo abrange inclusive as empresas, que têm respaldo até mesmo para demitir por justa causa os funcionários que optarem por não se vacinar. A vacina não pode ser forçada, mas a empresa tem como dever zelar por um ambiente de trabalho seguro, o que significa, entre outros pontos, adotar medidas para evitar a contaminação dos trabalhadores com uma doença capaz de causar a morte ou deixar sequelas.
As exceções são os casos em que, por alguma justificativa legal, o trabalhador não pode receber a vacina, como alguma alergia ou outro fator agravante.
O PL também vai contra as mudanças no formato do Mapa de Risco, anunciadas pelo governo do Estado. Esse novo modelo vai permitir que regiões que alcançarem a recém-criada classificação de "risco muito baixo” retomem a vida de forma praticamente “normal”, mediante a adoção de alguns protocolos de segurança básicos em determinados locais, entre eles a apresentação do passaporte da vacina, que é o comprovante de que o cidadão tomou as doses do imunizante contra a Covid-19.
Embora o município ainda não tenha legislado sobre o tema, o texto também caminha em direção contrária a projetos recentes da Prefeitura de Vitória, que lançou, em setembro, um clube de benefícios por meio do qual moradores de Vitória e de outros locais que foram imunizados contra a Covid-19 poderão obter descontos em bares e restaurantes da cidade.
O projeto de incentivo, segundo informações da própria PMV na época, tem como objetivo “mobilizar toda a população para alcançar a vacinação do maior número possível de pessoas”.
Na sessão da comissão que votou o projeto, o vereador Gilvan da Federal, autor do texto, afirmou que a cobrança do passaporte é discriminatória. "O passaporte de vacina é discriminatório, ele cria uma cidadania de segunda classe. Ou seja, aquele que está vacinado pode tudo, e aquele que não está vacinado não pode frequentar estabelecimentos e não pode, inclusive, matricular seus filhos na escola", argumentou.
Ele ainda levantou a discussão sobre o direito às liberdades individuais. "O artigo 5º da Constituição Federal, que toda hora é rasgado, é bem claro: todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Não pode ter uma cidadania A e outra B, é sem distinção de qualquer natureza. Além de garantir o direito de ir e vir, a nossa liberdade e a nossa igualdade. Portanto, o passaporte de vacina fere o direito da igualdade, da liberdade, do direito de ir e vir".
Ainda não foi estabelecida uma data para votação do PL 174/2021 no plenário da Câmara de Vitória.
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