A Câmara de Linhares, no Norte do Espírito Santo, aprovou, em sessão realizada nesta segunda-feira (3), um projeto que aumenta os salários dos vereadores da cidade. Com exceção do presidente da Casa de Leis, cujo salário é maior e deverá ser reajustado em 38%, os parlamentares do Legislativo linharense deverão ter um incremento de mais 100% no contracheque.
A aprovação do reajuste do salário dos vereadores é fruto de um Termo de Compromisso em Gestão (TCG) assinado com o Ministério Público Estadual (MPES), que obrigava a Casa de Leis a apresentar e votar a matéria, conforme revelou a reportagem de A Gazeta.
Além do reajuste salarial, a Câmara de Linhares também aprovou, ainda com base no acordo firmado com o MPES, projeto que concede 13º e férias aos vereadores do município. Todos os benefícios aprovados na sessão desta segunda (3) só terão validade a partir da legislatura iniciada em 2029, após as eleições municipais de 2028.
Com a aprovação, os vencimentos dos vereadores de Linhares saltarão dos atuais R$ 6.192 para R$ 12.500, o que representa um aumento de 101%. Para o presidente da Câmara, o percentual será de 38%, partindo de R$ 11.692 e ficando em R$ 16.250.
Ainda fazia parte do acordo firmado com o MPES a aprovação de proposta que eleva de 7 para 10 o número de assessores por gabinete na Câmara de Linhares. O projeto também foi aprovado na sessão desta segunda (3).
Depois de terem sido votados e aprovados em plenário, todos por unanimidade de votos, os projetos agora seguem para análise do prefeito da cidade, Lucas Scaramussa (Podemos), que decidirá pela sanção ou pelo veto às propostas.
O MPES impôs multa de R$ 10 mil, por vereador, caso os projetos não fossem pautados e apreciados em plenário, conforme o documento assinado no último dia 28 com o promotor Danilo Raposo Lírio, da 4ª Promotoria de Justiça Cível de Linhares, ao qual a reportagem de A Gazeta teve acesso.
O termo, no entanto, não esclarece os motivos pelos quais o órgão ministerial impôs tais condições, como o aumento dos salários. Apenas indica que a assinatura do acordo está no escopo de um inquérito civil aberto em 2015, sobre atos de improbidade administrativa.
Procurado pela reportagem para explicar o termo firmado com a Câmara de Linhares, bem como as determinações contidas nele, o Ministério Público manifestou-se por nota. No texto, informou ter atuado para que "os projetos sigam parâmetros de transparência, responsabilidade fiscal, legalidade e anterioridade relativamente à fixação de recomposição de perdas vencimentais, que somente terão vigência para a próxima legislatura".
Já em segunda nota encaminhada nesta terça-feira (4), um dia após a publicação desta reportagem, o órgão ministerial afirma que o termo "não determina aumento salarial obrigatório nem concede qualquer outro benefício aos vereadores, uma vez que a definição do mérito da proposta cabe exclusivamente ao Legislativo municipal". Diz ainda que o documento teria sido "firmado após solicitação da Câmara Municipal de Linhares para revisão do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) estabelecido em 2019". Confira ao final desta matéria a íntegra das duas notas encaminhadas pelo MPES.
As perdas vencimentais a que se refere o texto do MP dizem respeito à ausência de reajuste nos subsídios dos vereadores de Linhares. Desde janeiro de 2009, o valor está fixado nos mesmos R$ 6.192. A inflação acumulada no período, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), é de 145%.
A concessão de reajuste, no entanto, não estava nos planos dos vereadores, que assumiram seus mandatos na Câmara de Linhares em 1º de janeiro. No texto da resolução votada nesta segunda (3), o presidente da Casa de Leis, vereador Roninho Passos (Podemos), cita como justificativa da medida o termo assinado com o MPES.
"Pretende-se com a presente proposição dar cumprimento à obrigação assumida por esta Câmara Municipal no âmbito do Termo de Compromisso em Gestão, formalizado junto ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo", diz o texto.
Apesar de exigir a fixação de novos valores para o subsídio dos vereadores a partir da legislatura que se inicia em 2029, o Termo de Compromisso de Gestão não impõe o percentual de reajuste a ser aplicado. Mas indica que deve haver atualização inflacionária com base no período que vai de 2009 a 2024.
Para fins de contextualização, em apenas uma cidade do Espírito Santo que tem entre 100 mil e 200 mil habitantes – caso de Linhares –, o subsídio dos vereadores passa de R$ 12.500. É o caso de Guarapari, na Região Metropolitana, em que o valor é de R$ 15 mil, aprovado em 2023 para a atual legislatura. São Mateus tem valor próximo, com R$ 12 mil.
Na sequência vêm Cachoeiro de Itapemirim, com R$ 10.514; Aracruz, com R$ 10.420; e Colatina, em que os vereadores recebem R$ 8.600.
Membros do MPES consultados por A Gazeta, sob condição de anonimato, apontam que a medida adotada pelo promotor é "atípica". Com anos de atuação no órgão ministerial, as fontes foram procuradas pela reportagem para comentar qual seria a finalidade das exigências presentes no Termo de Compromisso de Gestão firmado com a Câmara de Linhares, especialmente a que trata sobre o reajuste dos subsídios e a concessão de 13º e férias dos parlamentares.
O dispositivo, conforme explicaram dois promotores de cidades distintas, funciona como um acordo visando a evitar a judicialização de ações que envolvem a administração pública. Entretanto, apesar de não apontarem irregularidade na assinatura, os mesmos membros do MPES destacaram que a prática é pouco comum no Ministério Público.
O órgão normalmente atua para minimizar os gastos nas cidades, a exemplo dos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta). Já o acordo firmado entre a promotoria de Linhares e a Câmara de Vereadores gera, automaticamente, despesa aos cofres públicos e beneficia diretamente os vereadores, não a coletividade. A atualização do salário dos parlamentares na cidade tem impacto financeiro previsto de R$ 1,2 milhão por ano, segundo o projeto protocolado pela Mesa Diretora da Casa.
Já o MPES alega que o procedimento é de praxe. "Trata-se instrumento amplamente utilizado, regulado e fomentado pela Política Nacional de Resolutividade do Ministério Público, alinhado ainda com as premissas autocompositivas do Código de Processo Civil, privilegiando a atuação não adversarial do MP".
O acordo firmado entre o MPES e o Legislativo linharense substitui um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pela Casa de Leis em 2019, fruto de inquérito civil que investigava, após denúncia anônima, suposta irregularidade nas nomeações de cargos comissionados na Casa de Leis.
A tramitação do inquérito começou em 2015. A investigação foi arquivada quatro anos depois, mediante o TAC firmado com os vereadores da época. Os documentos anexados já não estão disponíveis para consulta.
O TAC celebrado em 2019 impôs à Câmara várias medidas visando à contenção de gastos. Os vereadores, por exemplo, tiveram de reduzir de 11 para 7 o número de assessores por gabinete, segundo noticiou a própria Casa de Leis, na ocasião, em seu site oficial.
Já o acordo firmado entre o MPES e os vereadores no último dia 28 volta a aumentar a quantidade servidores comissionados por gabinete. Pela proposta aprovada nesta segunda (3), cada um dos 17 parlamentares da Câmara terá direito a mais 3 assessores, saltando de 7 para 10 o total de servidores à disposição dos gabinetes.
Em novembro de 2019, os vereadores de Linhares chegaram a aprovar projeto que aumentava em 70% seus próprios salários, fazendo com que a verba saltasse, à época, de R$ 6.192,00 para R$ 10.918,10. A medida ainda incluía férias remuneradas.
No entanto, antes mesmo de ser enviada para apreciação do então prefeito, Guerino Zanon (PSD), a matéria foi arquivada pela própria Câmara. A decisão foi tomada após órgãos de controle da gestão pública, entre eles o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), terem orientado cautela ao Legislativo municipal, tendo em vista o cenário econômico da cidade na ocasião, segundo consta do histórico de tramitação do projeto na Casa de Leis.
O promotor da 4ª Promotoria Civil de Linhares, Danilo Raposo Lírio, que assina o documento com os vereadores, foi procurado para dar mais informações sobre o Termo de Compromisso Gestão e sobre a multa imposta aos parlamentares, caso os projetos não fossem aprovados.
As respostas aos questionamentos feitos pela reportagem foram encaminhadas pela assessoria do MPES, na última sexta-feira (31). Veja abaixo, na íntegra, o que o Ministério Público respondeu acerca da iniciativa:
Sim, conforme Resolução CNMP N° 179/2017 e Resolução Colégio de Procuradores Nº 006/2014.
O Termo de Compromisso não concede benefício algum, pois o mérito (conteúdo do projeto) é fixado pela Câmara. O MPES atuou para que os projetos sigam parâmetros de transparência, responsabilidade fiscal, legalidade e anterioridade relativamente à fixação de recomposição de perdas vencimentais, que somente terão vigência para a próxima legislatura.
Porque as Resoluções CNMP n. 179/2019 e COPJ Nº 006/2014, preveem de forma expressa. Caso os projetos não atendam parâmetros fixados na Constituição, nas leis e no Termo de Compromisso, torna-se passível a aplicação da multa.
Trata-se instrumento amplamente utilizado, regulado e fomentado pela Política Nacional de Resolutividade do Ministério Público, alinhado ainda com as premissas autocompositivas do Código de Processo Civil, privilegiando a atuação não adversarial do MP.
Veja abaixo a íntegra de nova nota enviada pelo MPES nesta terça-feira (4):
"O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) esclarece que o Termo de Compromisso em Gestão (TCG) firmado com a Câmara Municipal de Linhares, pelo 4º Promotor de Justiça Cível de Linhares no bojo de sua autonomia e independência funcional, não determina aumento salarial obrigatório nem concede qualquer outro benefício aos vereadores, uma vez que a definição do mérito da proposta cabe exclusivamente ao Legislativo municipal. O compromisso firmado pelo MPES tem como objetivo garantir que eventuais projetos relacionados à recomposição de perdas vencimentais sejam conduzidos dentro dos princípios da transparência, responsabilidade fiscal, legalidade e anterioridade, respeitando o prazo de vigência para a próxima legislatura, em 2029. O acordo foi firmado após solicitação da Câmara Municipal de Linhares para revisão do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) estabelecido em 2019, no contexto do Inquérito Civil Público nº 2015.0006.6710-49. Importante ressaltar que o TCG não fixa valores ou prazos para a votação de qualquer proposta de subsídio. O Termo de Compromisso em Gestão é um instrumento autocompositivo regulamentado pela Política Nacional de Resolutividade do Ministério Público, buscando alternativas à judicialização. No caso específico, sua aplicação se deu para disciplinar o processo de eventual atualização dos subsídios dos vereadores, congelados desde 2009, entre outras providências".
Após publicação desta reportagem, o Ministério Público do Espírito Santo enviou nova nota a respeito do Termo de Compromisso em Gestão (TCG) firmado com a Câmara Municipal de Linhares. O texto foi modificado para acrescentar esse posicionamento.
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