A frase a política está no sangue resume bem um cenário curioso nas eleições municipais de 2020 no Espírito Santo. Pais e filhos, marido e mulher e irmãos de diferentes partidos e cidades vão disputar simultaneamente o pleito em novembro, alguns pela primeira vez. Há casos em que eles não estão lado a lado. Ao contrário, vai ter enfrentamento nas urnas, como em Cariacica e Cachoeiro de Itapemirim.
A política brasileira sempre foi marcada por famílias com mais de um representante no poder. "Isso era muito comum antigamente, com os clãs familiares, e adquiriu novas formas ao longo dos anos", comenta o cientista político João Gualberto Vasconcellos.
"O que eu vejo de diferente é que pessoas da mesma família passaram a disputar cargos por partidos diferentes e até se enfrentando, o que chega a ser curioso", declarou.
Em alguns casos, essa presença de familiares no processo eleitoral pode ser explicada por meros ideais e influência, mas também é usada como forma de perpetuar o poder da família na política, o que, para especialistas, não é saudável.
"Quando um candidato não possui dependência de um familiar para viabilizar a candidatura, é saudável, mas quando depende de um cargo, aquilo se traduz como continuidade de um legado e é nefasto. Porque aí vende-se mais a imagem de alguém do que ideias e programas do próprio candidato", analisa Fernando Pignaton.
A Gazeta listou alguns casos curiosos de familiares que vão disputar as eleições deste ano. Confira:
Experiente nas urnas, o ex-prefeito de Vitória João Coser (PT ) iniciou a vida partidária na década de 80 e assumiu o primeiro cargo político em 1987, como deputado estadual.
Nos 40 anos em que está filiado ao PT, Coser já ocupou a cadeira de deputado estadual, federal e também prefeito de Vitória por dois mandatos (2004-2012). Este ano concorre novamente à Prefeitura da Capital e encontra um cenário novo nas urnas. Pela primeira vez vai disputar ao lado da filha: Karla Coser.
Karla é advogada, tem 30 anos e estreia no pleito como candidata a vereadora. A participação dela na política contou com a influência do pai, com quem sempre trabalhou em eleições. Em 2018, foi ela quem cuidou da coordenação da campanha de João Coser a deputado federal.
Segundo a advogada, a candidatura a um cargo público era um desejo antigo, mas que só foi viabilizado este ano, algo que não agradou muito o pai. Em um primeiro momento, foi um choque pra mim, porque ele não reagiu bem e foi contra. Mas depois eu o convenci", conta Karla.
"Eu não estou disputando só por ser a filha do João. Em alguns espaços eu até me apresento como Karla, antes de dizer meu sobrenome. Tenho muito orgulho de ser filha dele e sei que isso abre portas, mas quero construir a minha própria história", completa.
Entrar para a vida pública foi algo natural para o vereador de Laranja da Terra Gilsinho Gomes (Rede). Filho do ex-deputado estadual Gilson Gomes e da ex-vereadora da Serra Sandra Gomes (Rede), ele conta que o interesse pela política foi cultivado desde cedo, quando acompanhava os pais em comícios pelo Estado.
A primeira candidatura veio em 2016, quando, aos 26 anos, Gilsinho disputou as eleições municipais e conquistou uma cadeira no Legislativo de Laranja da Terra, cidade onde possui raízes paternas.
Quando somos filhos de político, é natural que a gente surfe no prestígio e nas portas que abrem para gente. Eu disputei sabendo que teria que conviver com essa realidade. Agora, depois do mandato, as pessoas já podem me avaliar como vereador e não mais como o 'menino do Gilson', como me chamavam, diz.
Enquanto vereador, Gilsinho foi presidente da Câmara. Em 2018 chegou a concorrer a deputado estadual, mas não obteve êxito. Este ano ele disputa sua segunda eleição municipal, a primeira como candidato a prefeito e tendo a mãe também candidata, mas a vereadora da Serra.
Sandra Gomes já foi vereadora do município por dois mandatos, de 2005 a 2012. Em 2014 foi candidata a deputada estadual, mas não foi eleita. Em 2016 chegou a cogitar lançar candidatura a prefeita de Laranja da Terra, mas acabou desistindo.
Em 2017, foi nomeada secretária de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer da Serra, na gestão de Audifax Barcelos (Rede). Foi o prefeito, inclusive, um dos responsáveis pela filiação de Sandra e de Gilsinho Gomes à Rede Sustentabilidade. Este ano, a ex-vereadora volta a disputar uma cadeira na Câmara. "Ela conta com toda certeza com o meu apoio e eu com o apoio dela. Estamos no mesmo partido, temos bandeiras diferentes, mas o DNA ideológico político é similar, declarou Gilsinho.
Os irmãos Elisângela Altoé (PT) e Carlinhos Miranda (PSB) vão reviver em 2020 o cenário do pleito em 2016, quando concorreram ao cargo de vereador na cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Na ocasião, apenas Carlinhos obteve sucesso e foi eleito. Este ano, vai tentar a reeleição.
A base política de Elisângela e Carlinhos é a mesma. Foi por meio dos trabalhos sociais na igreja que eles se tornaram lideranças comunitárias e ganharam espaço dentro dos partidos. Na última eleição municipal os irmãos estavam filiados a partidos diferentes. O vereador, contudo, era do PDT. E esse foi um dos motivos que levou ao lançamento da candidatura de Elisângela em 2016.
Nós dois éramos do PT e participávamos juntos dos eventos partidários. Havia uma construção no partido para ele ser candidato a vereador. Mas em um determinado momento, ele deixou o PT e se filiou ao PDT. Foi aí que decidi colocar em prática um projeto que eu planejava deixar mais pra frente, que era ser candidata, conta Elisângela.
Ela lembra que em um primeiro momento houve um abalo na relação entre irmãos. Era uma situação diferente, inesperada, mas a gente aprendeu a lidar com isso. Hoje, sabemos separar bem essas relações."
Torço para que dessa vez ela ocupe esse espaço e a gente divida a Câmara municipal. Vejo nela qualidades importantes que é necessário ter na Câmara", confessa Carlinhos.
Pela primeira vez os irmãos Saulo (PSB) e Celso Andreon (PSD) vão se enfrentar nas urnas em uma eleição. Os dois, que já haviam concorrido ao pleito ao mesmo tempo, mas para cargos diferentes, são candidatos a prefeito de Cariacica em 2020.
"É atípico, a gente sabe, e isso causa estranheza pra muita gente no processo eleitoral. Mas dada a nossa relação de respeito, e para preservar os laços de família, temos conseguido conduzir com muito equilíbrio isso", garante Saulo.
Saulo Andreon foi o primeiro a ingressar na carreira política. Vereador pelo PT por dois mandatos (2001-2008), ele disputou a eleição em 2008 pelo PRTB à Prefeitura de Cariacica, mas perdeu para Helder Salomão (PT). Logo depois, saiu do cenário e voltou a atuar como professor.
No ano em que se Saulo se despedia, o irmão caçula, Celso Andreon, fazia sua primeira participação no processo eleitoral, como candidato a vereador de Cariacica. Perdeu em 2008, mas foi eleito em 2012 e reeleito em 2016 para ocupar uma cadeira na Câmara municipal.
Os dois tiveram como base partidária o PT, mas hoje nutrem posições políticas bem diferentes. Celso rompeu com o partido de esquerda e hoje está mais alinhado a siglas de centro-direita. Já Saulo, hoje no PSB, ainda carrega a esquerda na sua plataforma.
Os irmãos ingressaram no processo eleitoral por motivos diferentes. O mais velho foi incentivado a entrar na política por um grupo de professores e hoje retorna à disputa por um convite do partido do governador. Enquanto Celso foi impulsionado pelo movimento eclesiástico da igreja. Ele chegou inclusive a ir para o seminário, onde conta ter amadurecido a ideia de ser candidato. "Foi quando pude ver de forma mais clara o papel da política para transformações sociais", afirma.
Apesar das diferenças tanto partidárias quanto ideológicas, os dois afirmam que haverá muito respeito na disputa. "Em todo o meu período de atuação política, nunca misturei ambiente familiar e político, sempre tive esse cuidado. Estou bem tranquilo quanto a isso", diz Celso.
"Posso garantir que não haverá embates e conflitos entre a gente, mas diferenças em propostas e opiniões. O processo eleitoral nos colocou em pistas diferentes, mas não somos inimigos, somos dois candidatos", acrescenta Saulo.
Em 2004, o casal Eneias Zanelato (PT) e Jaciara Teixeira (PT) disputou junto uma eleição municipal. Ele, candidato a prefeito de São Mateus e ela, a vereadora. Na época, nenhum dos dois foi eleito, mas aquele foi o início de uma longa carreira na política.
De lá pra cá, marido e mulher sempre estiveram presentes no pleito, mas intercalando candidaturas, inclusive no cenário estadual. Em 2012, veio a primeira vitória dessa aliança, com Eneias eleito vereador. Em 2016, foi a vez de Jaciara conquistar a vaga na Câmara municipal.
Juntos há 24 anos, Jaciara e Eneias têm uma origem de militância semelhante, no movimento sindical. A vereadora foi representante dos servidores públicos da educação, já o marido no dos petroleiros. O casal sempre trabalhou em campanhas sindicais e posteriormente eleitorais.
"Temos esse companheirismo de compartilhar não só a vida, mas a política. A gente não discute política o tempo todo, mas isso faz parte. E pelo fato de os dois estarem engajados politicamente, isso facilita a compreensão", declara Eneias.
Este ano o casal vai reviver o pleito de 16 anos atrás, ele como candidato a prefeito e ela como vereadora, tentando a reeleição. Caso os dois sejam eleitos, Jaciara, enquanto vereadora, terá um papel importante a cumprir: o de fiscalizar a gestão do próprio marido.
Enquanto isso, na eleição à Prefeitura de Viana, o casamento no pleito foi feito entre um casal que não possui mais aliança matrimonial. A candidata a prefeita Cida Rocha (Avante) tem como vice o ex-marido Sanclér do Cartório (Avante). Os dois estão separados há 17 anos, mas decidiram se unir novamente, desta vez para disputar o pleito.
Candidato a prefeito de Vitória, o vereador Mazinho dos Anjos (PSD) é sobrinho do deputado estadual Enivaldo dos Anjos (PDT), este ano também candidato à prefeitura, mas de Barra de São Francisco, no Norte do Estado. Apesar de ambos atuarem na política, eles nunca disputaram um pleito juntos, o que deve se concretizar em novembro.
A carreira política de Enivaldo é longa, mas grande parte dela foi construída quando Mazinho ainda era criança. A primeira eleição disputada pelo deputado foi para uma cadeira na Assembleia Legislativa, em 1982, quando o sobrinho tinha apenas um ano. Enivaldo não foi eleito, mas quatro anos depois voltou a ser candidato e saiu vitorioso. Após dois anos de mandato como deputado, resolveu disputar a primeira eleição para prefeito de Barra de São Francisco. Foi eleito e ficou até 1992.
Logo depois, foi convidado a assumir uma pasta no governo do Estado, na época comandado por Albuíno Azeredo, permanecendo lá por dois anos. Em 1994 disputou a eleição como candidato a deputado estadual, sendo mais uma vez eleito. Só saiu em 2000, quando assumiu a posição de conselheiro no Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) onde permaneceu por dez anos.
Foi no ano que Enivaldo se afastou do processo eleitoral que Mazinho deu início à trajetória política. Em 2000 o vereador entrava na faculdade para cursar Direito. Na universidade, participou de movimentos estudantis e foi presidente e vice-presidente do diretório de estudantes. Logo depois de formado, o advogado integrou o grupo de jovens empreendedores, sendo lançado candidato a vereador como representante do setor em 2016. Foi eleito naquele ano.
Mazinho está terminando seu primeiro mandato como vereador e se prepara para sua segunda eleição em novembro, desta vez como prefeito. Enivaldo, depois de vários mandatos como deputado, volta a disputar a prefeitura de Barra de São Francisco. Apesar do parentesco, eles possuem redutos e ideologias bem distintas, mas afirmam torcer pelo sucesso um do outro nas eleições.
"A minha base política é no Norte e dele em Vitória. Não trocamos conselhos políticos, até porque fazemos política de forma diferente. Mas considero Mazinho uma pessoa preparada, profissional, e toda a pessoa que eu puder pedir voto para ele em Vitória eu vou pedir", declarou Enivaldo.
"A nossa relação de sobrinho e tio é excelente, temos uma visão política um pouco diferente e o nosso eleitor também é diferente, mas tenho um respeito muito grande pela trajetória dele", afirma Mazinho.
A dupla quase contou com mais um parente na disputa do pleito deste ano, o filho de Enivaldo, Giulianno dos Anjos (Avante). Ele teve a pré-candidatura anunciada pelo partido para concorrer à Prefeitura de Água Doce do Norte, mas mudou de ideia e decidiu apoiar outro candidato: Jacy Donato (PV), o atual prefeito, que morava nos Estados Unidos quando era vice, e que comanda a cidade desde a morte do prefeito Paulo Márcio Leite (PSB).
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